Brasileiro ainda teme investir na Amazônia
2006-05-02
O empresário Eugênio Staub, dono da Gradiente, um dos maiores grupos brasileiros na área de eletroeletrônicos, ainda não definiu a data de sua aposentadoria. Já sabe, no entanto, o que fazer quando a hora chegar: vai tocar um novo empreendimento na região amazônica. Ele está investindo na montagem de uma indústria manufatureira de madeiras certificadas, obtidas de acordo com normas nacionais e internacionais de preservação da floresta, para vendê-las no exterior - onde a demanda por esse tipo de produto é cada vez maior.
Baseado em Manaus e com investimentos iniciais de R$ 30 milhões, o plano de Staub navega na contramão do pensamento da maioria dos capitalistas nacionais, que ainda olham a Amazônia como uma região exótica, distante e naufragada num mar de problemas. De maneira geral, os estrangeiros à procura de lugares para investir sempre olharam com mais atenção a região do que os investidores daqui. Mas em quase todas as ocasiões que investiram neste território tiveram que amargar a gritaria sobre a desnacionalização da Amazônia.
O caso mais simbólico foi o do bilionário americano Daniel Keith Ludwig (1897-1992), que no final dos anos 60 adquiriu uma área de 1,7 milhão de hectares, o equivalente ao Estado de Sergipe, à margem das águas escuras do Rio Jari, na fronteira do Pará com o Amapá. Sonhando erguer ali um celeiro mundial de celulose e alimentos, investiu US$ 5 bilhões (em valores de hoje) num período de 15 anos, até sair de lá derrotado por erros no seu projeto, por problemas com a titulação das terras e pela intransigência de setores do regime militar, preocupados com um enclave estrangeiro na Amazônia.
Polêmica semelhante surgiu semanas atrás, quando se soube que o magnata sueco Johan Eliasch tinha adquirido 161 mil hectares de área de manejo florestal, no município amazonense de Manicoré. Além de ter tropeçado nos problemas de títulos de propriedade, como aconteceu com Ludwig e todos os estrangeiros que lá compraram terras, ele ainda ouviu críticas dos adversários do chamado colonialismo verde - segundo o qual bilionários estrangeiros estariam comprando e engessando áreas de florestas para negociar no mercado de créditos de carbono, inserido no Protocolo de Kyoto, em 1997.
Embora seja uma tese vazia, uma vez que o protocolo só inclui áreas reflorestadas, ela ganha corpo sempre que se fala em estrangeiros na Amazônia. Em Manaus, num escritório amplo, rodeado de amostras de objetos que podem ser produzidos a partir da floresta, como madeira certificada, tapetes de juta, colares de sementes, o secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, Virgílio Viana, não esconde sua irritação: "Quando reclamam que os gringos estão vindo roubar nossas riquezas, pergunto: E os empresários brasileiros onde estão? Por que não enxergam as oportunidades que os estrangeiros vêem?"
Viana é um dos idealizadores do Zona Franca Verde, programa que o governo do Amazonas pôs em execução em 2003 com a premissa de combinar o desenvolvimento econômico com a conservação da natureza. O programa já recebeu elogios até do ácido Greenpeace e parece apropriado para o maior Estado brasileiro, com 1,5 milhão de quilômetros quadrados, dos quais 98% ainda cobertos por florestas. Mas é consenso que andaria melhor se houvesse mais interesse dos empresários.
"Temos no Brasil todas as condições necessárias: capital, inteligência, capacidade empreendedora e a floresta", diz Viana. "No entanto preferimos ficar na posição de vítimas."
Na opinião de Staub, um dos pioneiros da Zona Franca de Manaus, onde instalou uma fábrica em 1972, a falta de interesse de empresários brasileiros está ligada à formação cultural do País: "A proposta de explorar de forma adequada a enormidade de recursos naturais que temos ainda é muito recente", diz ele. "Até agora vigorou o conceito de que só é possível crescer derrubando florestas. Mato no Brasil é quase palavrão. Tanto que no regime militar o governo dava incentivos para o desmatamento."
Um exemplo de como é possível ganhar dinheiro com a floresta em pé pode ser visto no vizinho Pará, na área do antigo projeto Jari, hoje capitaneado pelo empresário brasileiro Sérgio Amoroso, do Grupo Orsa. Ele está levando adiante um trabalho de extração seletiva de madeira numa área de floresta nativa. Tudo que sai de lá contém o cobiçado selo verde da organização Forest Stewardship Council (FSC), a mais respeitada certificadora do mundo.
Antes da certificação, o metro cúbico de madeira do Jari custava US$ 330. Depois do selo, o preço foi a US$ 430. Hoje passa de US$ 480 e está prestes a dar um novo salto. Na semana passada, a serraria pôs em operação uma nova máquina, que prepara a madeira para ser usada em deques. O valor deve subir agora para US$ 800.
Confusão fundiária estimula fraudes e afasta investidores
Em 2004, cerca de 60 mil documentos de propriedade fundiária foram cancelados na região do Arco do Desmatamento, na Amazônia. Quase todos se referiam a terras da União. Segundo o diretor do Programa Nacional de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Tasso Azevedo, isso dá uma idéia da confusão fundiária que impera na região e assusta investidores: "Ao contrário do que se pensa, são poucos os estrangeiros que se aventuram a comprar terras na Amazônia - e geralmente são os desinformados."
Em São Paulo, o empresário Fábio Albuquerque, que comprou 30 mil hectares em Rondônia para trabalhar com madeira certificada, diz que gastou três anos de pesquisas até encontrar uma área legalmente titulada.
Segundo Azevedo, uma opção para quem pretende investir no manejo é obter concessões para explorar áreas públicas.
(O Estado de S. Paulo, 02/05/06)