A América Latina está fazendo o “dever de casa” contra a Gripe Aviária?
2006-04-28
Ainda que nenhum caso de gripe aviária tenha sido registrado no continente americano e que até o momento não foi declarado nenhuma eclosão de pandemia, a realidade indica que o nosso continente está a uma distância média de 12 horas de vôo do local mais próximo onde patos infectados foram encontrados, no sudoeste da França. E levando em consideração que há pouco mais três meses o local mais próximo onde indícios do vírus H5N1 foram encontrados era a China, não é difícil de entender que a doença está se movendo rapidamente ou, para ser mais preciso, no ritmo da migração de pássaros. De todo modo, torna-se envidente que o assunto não é “se” o vírus vai chegar à América, mas “quando” vai chegar.
Considerando que não há meios de evitar esse processo, o que se questiona é se os países da América Latina estão tirando vantagem do atraso da doença em chegar ao nosso continente para fazer tudo o que for humanamente possível e profissionalmente responsável para reduzir o seu impacto. Antes de tudo é importante saber o que exatamente entendemos por gripe aviária e quais são suas possíveis conseqüências? Responder a segunda parte desta pergunta não é tão fácil, pois há uma grande variedade de opiniões e previsões, que vão desde um cenário com uma situação relativamente controlada até o de devastação quase total, com centenas de milhões de humanos morrendo pelo mundo e trilhões de dólares em perdas na economia. Então foquemos em fatos reais, ou seja, onde os primeiros casos apareceram, como se espalhou e, mais importante, como o vírus se transforma em uma arma quase letal para os seres humanos.
Pensava-se que a gripe aviária infectava somente aves, até que os primeiros casos em humanos foram registrados em Hong Kong, em 1997. Até meados de fevereiro de 2006, a Organização Mundial da Saúde (OMS) havia confirmado 169 casos do vírus H5N1 em humanos na Indonésia, no Vietnã, na Tailândia, no Camboja, na China, na Turquia e no Iraque, causando, pelo menos, 91 mortes. Humanos contraem a doença através de contato direto com aves infectadas, que excretam o vírus em suas fezes que, por sua vez, quando secam ou são pulverizadas, são inaladas e entram no corpo humano, causando febre, mal-estar, dores na garganta e tosse. Ainda não está claro se a doença poderia ser transmitida entre humanos. O que se sabe hoje é que o H5N1 não é uma ameaça de larga escala aos humanos, já que não é facilmente transmitido de uma pessoa para outra. Entretanto, especialistas temem que o vírus possa vir a sofrer mutação e ganhar esta habilidade, e em sua nova forma iniciar uma pandemia de gripe, potencialmente colocando em risco milhões de vidas humanas. Ainda não há uma vacina definitiva, mas protótipos que oferecem proteção contra H5N1 estão sendo produzidos.
Aves migratórias, na maioria patos selvagens, são portadores naturais do vírus, mas é pouco provável que venham a desenvolver uma infecção. O risco é que elas passem esses vírus a aves domésticas, que são muito mais suscetíveis ao H5N1, como o que aconteceu na França. Um programa de vacinação para esses animais foi iniciado então, na região de Landes, na costa atlântica do sudoeste francês, seguido de outros países europeus, como a Bélgica. Assim, a pergunta que podemos fazer é se a América Latina está preparada para evitar esse problema. Quase todos os países na Europa e Ásia estão implementando programas cujo objetivo é evitar a expansão da gripe aviária em seus territórios. E a América Latina? Será que a nossa região está agindo proativamente enquanto se prepara para os primeiros casos a serem registrados?
“A Argentina está bem preparada para encarar uma possível eclosão de epidemia da gripe aviária”, de acordo com o Ministro da Saúde daquele país. Há 36 hospitais em alerta e foram comprados meio milhão de tratamentos do remédio anti-viral Oseltamivir, da Roche, fazendo com que fosse o primeiro país da região a tomar este tipo de atitude. Até agora, esse foi a única droga a demonstrar uma certa eficácia no tratamento das infecções causadas pelo vírus H5N1. Uma campanha pública de informação à população sobre a doença estar para ser lançada. Por outro lado, as aves domésticas estão sendo continuamente observadas pelo país afora.
O Uruguai deve seguir os passos argentinos e comprar 400 mil vacinas, enquanto o Chile reduziu sua importação de frango. Já o México e o Equador, decidiram monitorar o processo de migração dos pássaros e também suspender a importação de aves de países onde a gripe foi detectada. Por outro lado, o Brasil visa a produzir 20 mil doses da vacina contra a doença. O Ministério da Saúde tem quase certeza de que a gripe aviária provavelmente chegará ao país em junho por meio da migração de aves vindas dos Estados Unidos, mas que antes fazem escala nos países da América Central.
Autoridades peruanas localizaram os lugares por onde os pássaros migrantes chegam e o país está sob alerta pandêmico desde outubro do ano passado, quando uma variação do vírus (H9N2) foi encontrada na Colômbia.
Embora nenhuma dessas ações possa ser julgada por sua real efetividade já que nenhum caso da gripe aviária foi registrado até agora ou, mais ainda, nenhuma explosão da doença, é extremamente positivo saber que os governantes da América Latina estão considerando a gravidade da situação e monitorando a evolução da expansão do vírus, adotando medidas que visam a controlar o potencial impacto da doença.
Federico O’Conor, analista de pesquisa da área de saúde da Frost&Sullivan
(Envolverde, 28/04/06)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=16782