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guerra das papeleiras
2006-04-28
"Foi uma das coisas mais lindas que já vi", garante o jornalista alemão Gerhard Dilger, referindo-se à mobilização dos argentinos contra as fábricas de papel que estão sendo construídas em Fray Bentos no Uruguai. Correspondente do jornal Die Tageszeitung (www.taz.de), um dos veículos de maior credibilidade da Alemanha e com a melhor cobertura internacional sobre a América Latina, Dilger esteve semana passada na sede do Núcleo Amigos da Terra (NAT), em Porto Alegre, para contar sua experiência na cobertura do conflito, aliás até o momento mal reportado pela mídia do centro do Brasil.

As razões para olhar com cuidado o problema são diversas. Não trata-se de um fato isolado ou novo (Ver "Cronologia das Papeleiras"). O texto de Gerhard Dilger, por exemplo, foi publicado em 10 de janeiro deste ano (Veja texto original aqui). As duas fábricas em construção começaram a ser planejadas no final da década passada. Juntas somam investimentos totais de US$ 1,8 bilhão, cerca de 13% do PIB do Uruguai. Quando começarem a operar em 2007 produzirão 1,5 milhão de toneladas de celulose branqueada por ano. A Argentina tem uma produção que é metade desse volume.

A celulose uruguaia será toda exportada para países como a Alemanha, que hoje compra 500 mil toneladas de celulose de fibra curta (eucalipto) por ano só das papeleiras brasileiras. Contudo, os empresários brasileiros não temem a concorrência do vizinho. Apenas no Rio Grande do Sul há projetos para ampliação e construção de novas fábricas de polpa de celulose, além das plantações de eucalipto, que juntos somam mais que o dobro do investimento feito no Uruguai. O que preocupa são os efeitos que a disputa pode provocar na opinião pública do lado de cá da fronteira.

Politização
Foi justamente a conscientização ambiental e a capacidade de articulação da população da cidade argentina de Gualeguaychú, na margem oposta do rio Uruguai, que fascinaram o jornalista alemão. "Os piquetes (nome dado aos bloqueios) são verdadeiras assembléias, com direito a reuniões e votações no meio da rua. À noite, quando o movimento diminui, a trincheira de batalha não fica sozinha: pelo menos 50 pessoas se propõem a cuidar do espaço e trancar a passagem por meio de um caminhão e de um trator atravessados", descreve Dilger.

Inicialmente parece que a mídia foi uma das criadoras da polêmica. Quem lê os periódicos argentinos ou uruguaios pensa que os protestos são obras de radicais que se negam ao diálogo. Já uma análise retrospectiva do conflito mostra que na verdade essa foi a única estratégia que sobrou para forçar o debate. Pelo menos desde 2002 ambientalistas argentinos e uruguaios questionam os projetos das papeleiras. Os governos de ambos os lados se negavam a tratar do assunto com a atenção reivindicada, até que em janeiro deste ano os acessos em pelo menos três pontos diferentes da fronteira foram bloqueados por milhares de moradores da região.

Na verdade a grande mídia só tem alimentado o vexame político que atinge todos os lados da disputa. As raízes da politização ambiental em torno das papeleiras só será explicada por estudos histórico-sociológicos, enquanto que as causas do papelão desempenhado por governos, empresas e instituições multilaterais são mais fáceis de entender. Uma mistura de negligência, inflexibilidade, inabilidade e autoritarismo estão entre os principais ingredientes que transformaram um protesto ambiental geograficamente limitado em uma crise diplomática internacional. Além da troca de farpas entre os governantes vizinhos, a pouca disponibilidade para o diálogo por parte das empresas, principalmente da finlandesa Botnia, que se nega a paralisar suas obras por 90 dias para uma análise detalhada dos impactos do empreendimento, estendeu a briga até Helsinki. Semana passada o governo finlandês cogitou retirar a sua representação diplomática da Argentina, depois de ser "constrangido" por um pedido de intervenção junto à diretoria da Botnia (Ver matérias do Clarin e do La Republica). Em visita ao Uruguai essa semana, a ministra de Comércio Exterior e Cooperação para o Desenvolvimento da Finlândia, Paula Lehtomaki, teceu afagos ao governo de Tabaré Vásquez, sugerindo mudar para Montevidéu a sua embaixada (Veja matéria do La República).

Rotina
Dilger conviveu com os "piqueteiros" argentinos que protestam fechando uma das pontes de acesso entre os dois países. Ele conta que os "piqueteiros" ou "assembleístas" alegam que as fábricas causarão danos ambientais catastróficos à toda região e querem novos estudos de impacto ambiental, já que os apresentados até o momento pelas empresas foram considerados "incompletos" e "parciais" até mesmo pelas instituições que apóiam os empreendimentos (Veja Matéria sobre o último relatório do Banco Mundial a respeito. O Banco quer emprestar US$ 400 milhões para as papeleiras do Uruguai). "As pessoas acham que seus filhos vão morrer, como dizem alguns slogans . Como nem todos conhecem direito o assunto, alguns chegam a avaliações exageradas do tipo "80 000 argentinos vão morrer". Eles fazem as fábricas parecerem "coisa do demônio", a torcida do bem contra o mal", descreve o repórter alemão.

Ele também esteve do outro lado do rio, onde a perspectiva muda completamente. Embalada pelo governo, a população do Uruguai acredita que as tecnologias utilizadas pelas fábricas serão benéficas para o rio Uruguai, já poluído, e que as promessas de saneamento feitas pelas empresas serão concretizadas. "O alto índice de desemprego do Uruguai contribui para a "massa" ser favorável à construção das unidades, já que as promessas são de 10 mil empregos diretos e indiretos", lembra Dilger.

O fator eleição
Para o Brasil, a questão é que se a moda pega e aqui também houver tamanha mobilização, os projetos de gigantes como a sueco-finlandesa Stora-Enso também podem ser prejudicados. E já há sinais de que aqui haverá confrontos. O ideológico pelo menos já se estabeleceu.

Esta semana o vice-presidente da Stora Enso para a América Latina, Otávio Pontes, confirmou em Porto Alegre, no seminário "Florestamento – a nova fronteira de desenvolvimento da Metade Sul" os planos para instalar uma unidade na metade sul do RS (Veja reportagem publicada em 27/04 no Ambiente JÁ). A empresa planeja investir US$ 800 milhões numa nova unidade de celulose branqueada no RS, fora o valor do investimento para adquirir até 140 mil hectares para a plantação de pinus e eucalipto. A principal mensagem da palestra proferida durante um almoço no prédio da Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul (Federasul) foi que o desenvolvimento do estado passará pela atividade florestal e a indústria da celulose.

Há controvérsias. Dias antes, diversas ONGs lançaram "A Cartilha do Eucalipto" (Veja matéria do Ambiente JÁ) e aproveitaram para anunciar a mobilização que preparam contra a indústria do eucalipto e da celulose que redescobriu recentemente a América do Sul como porto preferencial para seus investimentos. “Toda a monocultura é ruim, mas a do eucalipto é pior ainda”, afirma o conselheiro da Agapan (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente), Francisco Milanez. Só para lembrar, a Agapan capitaneou desde a década de 70 uma mobilização que promoveu a transformação da atual planta da Aracruz Celulose no município de Guaíba. Inicialmente uma planta suja de capital norueguês (Borregaard), com emissões fétidas que se alastravam até o centro de Porto Alegre, a fábrica tornou-se um dos melhores cases brasileiros em termos de responsabilidade ambiental. Contando que este é um ano de eleições gerais no Brasil, os sinais de fumaça podem ser o prelúdio de um incêndio político para o projeto desenvolvimentista que tem nas papeleiras multinacionais um dos seus promotores.
Por Mariano Senna da Costa, Patrícia Benvenuti e Tatiana Feldens com informações do Clarín, La Republica, e Die Tageszeitung.

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