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2006-04-27
Apenas duas pessoas morreram na hora exata da explosão. Nos dias seguintes, 31 trabalhadores das equipes de emergência perderam a vida. Mas o legado mortal daquela madrugada de 26 de abril de 1986 - há exatos 20 anos - só poderia ser dimensionado com o tempo: números oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS) falam em 9 mil mortos.

Duas décadas depois, Chernobyl continua fazendo vítimas, e o número de mortos é ainda motivo de discórdia entre as Nações Unidas, organizações não-governamentais e governos. A ONG Greenpeace diz que o número de vítimas fatais poderá chegar a 100 mil nos próximos anos. Apenas na Ucrânia, entidades de pesquisa estimam que os mortos ultrapassarão 30 mil.

Pior do que as cifras é a realidade. Muitos agricultores continuam morando nas áreas afetadas pela radiação. Alguns sequer foram examinados por médicos.

E como eles vivem? Para se alimentar, cultivam verduras e criam animais, como qualquer agricultor. Só que, no caso deles, os alimentos são quase como veneno puro - como os elementos radioativos de Chernobyl se espalharam no ar e se depositaram no solo, esse tipo de alimentação contribui para o aumento das doses de radiação no corpo.

- De qualquer maneira, a morte vai chegar um dia - afirma Maria Chetchenko, 65 anos, uma das 350 pessoas que vivem em uma área proibida próximo à usina.

O conformismo é uma das marcas da população afetada pela tragédia. Segundo relatório da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a quebra de círculos sociais, a iminência de doenças e o abandono de suas casas criaram entre os moradores sentimentos de depressão e ansiedade. Classificados como "vítimas de Chernobyl", muitos se consideram inválidos.

- Eles não se vêem como sobreviventes, mas como pessoas fracas, sem nenhum controle sobre seu futuro - conclui o relatório da agência.

A tragédia ocorreu durante um teste rotineiro, à 1h24min. Sete segundos depois de concluído, houve a explosão. Até o terceiro dia depois do vazamento, a antiga União Soviética não divulgou ao mundo nada sobre o acidente. Em vez de buscar ajuda internacional, os soviéticos criaram um plano de emergência que não incluía esclarecimentos às possíveis vítimas. Foi então que a Suécia, atenta aos níveis de radiação, deu um alerta global sobre um acidente nuclear "em algum lugar da URSS".

Os níveis de radiação impedem que os habitantes de Chernobyl voltem para casa. Cientistas estimam que a limpeza da área levaria pelo menos um século. Mas a natureza está demonstrando que desafia qualquer obstáculo para continuar sobrevivendo. Na zona de exclusão estabelecida em um raio de 30 quilômetros da usina, ela reconquista o lugar abandonado pelos homens. Bosques voltam florescer, árvores invadem casas e animais voltam a habitar a região. Mas trata-se de uma natureza deformada. Tão condenada quanto os herdeiros de Chernobyl.

Trabalho de alto risco
Yuri Andreyev, 56 anos, ainda se recorda do dia de sua admissão na usina nuclear de Chernobyl. Pediram que criasse o cenário de uma hipotética explosão de um reator nuclear. Ele elaborou três - e foi repreendido.

- Tenha uma coisa em mente: reatores soviéticos não explodem - disseram os examinadores.

Acabaram tragicamente desmentidos em 26 de abril de 1986. Quando Andreyev acordou naquele sábado, poucas horas depois do acidente, as pessoas já comentavam nas ruas. Sua mulher, Alla, contou que os comerciantes haviam sido orientados a não vender vegetais por causa da radiação.

Ele ignorou os "boatos" e levou a filha, Elina, então com dois anos e meio, para brincar na rua. Era um típico dia de primavera em Pripyat, cidade construída para os trabalhadores de Chernobyl. Pessoas tomavam sol e bebiam cerveja. Crianças brincavam nos parques com seus avós.

Andreyev só começou a se preocupar quando viu policiais com medidores de radiação nas ruas. Foi para os arredores da cidade e viu a fumaça sair do reator número 4. Pegou a filha no colo e correu para casa. Depois, pegou o ônibus para o reator número 2, onde trabalhava.

Ao passar pelo reator destruído, viu bombeiros com mangueiras tentando resfriá-lo, mas a água que lançavam sobre o prédio evaporava. Alguns deles afundavam até os tornozelos no asfalto derretido pelo calor. Quando chegou ao trabalho, a água que vinha pelos canos desde o reator número 4 ameaçava provocar a explosão do reator número 2. Como engenheiro mais experiente no local, ele elaborou um plano e conseguiu evitar uma tragédia ainda maior.

- Estou vivo, apesar de tudo - sorri Andreyev.
(ZH, 26/04/06)

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