Porque o fantasma de Chernobyl ainda assusta
2006-04-26
A indústria nuclear vem desfilando tecnologias que prometem uma nova alvorada atômica. São reatores com nomes esquisitos como "leito de seixos", "água leve" ou "chocador veloz". Mas esses avanços científicos não apagaram um medo que atende por um nome: Chernobyl. O tempo foi incapaz de apagar a relevância da usina ucraniana cujo reator explodiu no maior acidente nuclear da História, que completa 20 anos no dia 26 de abril.
Chernobyl ainda é a principal referência quando se pensa no futuro da energia atômica. Milhares de curiosos são esperados no local do acidente nesta semana. O governo ucraniano anunciou que vai construir, até 2010, um novo sarcófago de concreto para proteger o reator que vazou. Para marcar o aniversário da tragédia, a organização ambientalista Greenpeace encomendou um livro e um calendário à jornalista Antoinette de Jongo e ao fotógrafo Robert Knoth, ambos holandeses veteranos de guerra. As 80 imagens, de vítimas do acidente, vão compor uma exposição que circulará por 30 cidades, como Londres, Paris e Beirute.
Quando o reator número 4 da usina de Chernobyl explodiu, liberou cerca de 400 vezes mais material radioativo que a bomba de Hiroshima. O acidente foi
abafado pelas autoridades da então União Soviética. O resto do mundo soube só dois dias depois, quando a nuvem radioativa tinha chegado à Europa. No dia da explosão, foram 56 mortos. Mas ainda não se sabe quantas fatalidades o acidente provocou. Um levantamento feito no ano passado pela Organização Mundial da Saúde estimou que, em duas décadas, 9 mil pessoas morreram vítimas de doenças, como câncer, provocadas pela radiação. Mas um levantamento independente, divulgado na semana passada, diz que o número total pode chegar a 100 mil pessoas.
Números à parte, as conseqüências do desastre são visíveis. A explosão destruiu, por exemplo, a vida de Anny, uma menina de 16 anos que nasceu no vilarejo de Zakipytye, um dos mais contaminados. Quando tinha 4 anos, os médicos identificaram um tumor em seu cérebro. Ela nunca saiu da cama, viveu sempre entre a casa e o hospital. Hoje, a cada 15 minutos durante a noite, seus pais a viram sobre o lençol para prevenir dores no corpo e feridas. Outra vítima foi a menina Nastya Eremenko, de 9 anos, que mora em Belarus e convive com um câncer de útero e pulmões desde os 3 anos.
Para os ambientalistas, essas vítimas mostram como a energia nuclear é uma
opção perigosa demais para ser viável. "Ela é extremamente cara, perigosa,
produz lixo radioativo e, por último, é ultrapassada", afirma Guilherme
Leonardi, coordenador da campanha antinuclear do Greenpeace. De acordo com ele, seria mais interessante apostar em outras fontes de energia, como a eólica, a solar e a dos combustíveis derivados de biomassa, como o álcool.
Mas Chernobyl também é um símbolo de como a indústria nuclear aprendeu com os erros. De lá para cá, os físicos e engenheiros projetaram reatores mais seguros. Eles têm sistemas para evitar falhas humanas e camadas mais grossas de concreto para conter possíveis vazamentos. Barras metálicas podem cair sobre o núcleo do reator, interrompendo qualquer reação em cadeia que possa ter fugido do controle, como ocorreu na Ucrânia. "Há mais de 400 usinas nucleares em operação no mundo, e a experiência acumulada nestes anos é enorme" , diz Ricardo Galvão, diretor do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas.
O ponto fraco da energia nuclear ainda é o lixo atômico. Alguns rejeitos
permanecem perigosos por 10 mil anos e podem, se não forem bem guardados, cair em mãos de desavisados, como ocorreu em Goiânia, onde sete pessoas morreram contaminadas por uma cápsula de césio 147 apanhada num lixão em 1987, um ano depois de Chernobyl.
(Época, 24/04/06)