Ibama acusa pesquisador de biopirataria
2006-04-26
Um pesquisador do Instituto Butantan foi autuado pelo Ibama e está sendo investigado pela Polícia Federal por enviar material genético sem autorização para o exterior. A suposta biopirataria envolve um tipo de verme pouco conhecido e estudado, o onicóforo -uma mistura entre minhoca e centopéia.
Uma remessa para o exterior com 13 onicóforos, feita pelo pesquisador Carlos Jared, foi interceptada nos Correios de São Paulo, na semana passada, ao passar pelo raio-X. No pacote, que aparentava ser um livro, os vermes estavam em pequenas embalagens plásticas, numa solução de etanol. Isso viabilizaria a pesquisa do material genético posteriormente. Jared pretendia enviar os vermes a um pesquisador alemão.
Segundo o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), Jared cometeu duas irregularidades. Coletou e utilizou animais silvestres sem autorização da instituição e enviou componente de material genético para o exterior. Pela primeira, o pesquisador foi multado em R$ 6.500. Pela segunda, em R$ 10 mil.
"O pesquisador infringiu o decreto 5.459, assinado no ano passado, que dá instrumentos para reprimir a biopirataria. Segundo o artigo 17 desse decreto, é proibida a remessa de material genético sem autorização", afirmou Bruno Barbosa, coordenador da Divisão de Fiscalização de Acesso ao Patrimônio Genético do Ibama.
Segundo Barbosa, a legislação tenta impedir que patentes que utilizam material genético brasileiro sejam concedidas sem que o país receba por isso. Também tenta evitar que o país precise pagar royalties por um produto que usa material brasileiro. Para ele, os pesquisadores de institutos e universidades reconhecidas têm de ter um zelo ainda maior e respeitar essa lei. A superintendente do Ibama em São Paulo, Analice de Novais Pereira, diz acreditar que o caso seja uma exceção. Mas afirma ter ficado preocupada com a descoberta da participação de um pesquisador brasileiro na ação.
Onicóforos - Os onicóforos são seres de aspecto vermiforme ainda pouco estudados pela ciência. Eles são encontrados apenas em zonas tropicais, em locais úmidos, como barrancos sombreados. Um dos aspectos curiosos do animal é que ele consegue soltar um líquido que imobiliza o seu predador -o que pode interessar à indústria. Os animais apreendidos foram levados para o Museu de Zoologia da USP.
Butantan diz que animais não fazem parte de pesquisas
O pesquisador Carlos Jared foi procurado, mas não falou com a reportagem. O Instituto Butantan, em nota oficial, diz que os 13 onicóforos não foram catalogados pela instituição e não fazem parte de seu acervo de pesquisa. A nota afirma que foram enviados pelo pesquisador do laboratório de biologia celular "a seu colega Hartmut Greven, da Universidade de Dusseldorf, co-autor de um trabalho publicado na prestigiada revista "Nature" em 13 de abril de 2006".
O Butantan afirmou que foi aberta uma sindicância a fim de investigar o episódio e "evitar que a iniciativa de qualquer um dos pesquisadores vinculados à instituição não acate à lei vigente no Brasil". O instituto, porém, diz que o erro do pesquisador foi "burocrático", pela falta de um papel com a autorização, e negou qualquer relação com biopirataria.
O pesquisador alemão enviou uma carta em que assume parte da culpa pelo episódio. "Eu acho que é primeiramente minha culpa, apesar de nunca termos pensado em agir assim e em entrar em conflito com a legislação brasileira."
Segundo ele, os "poucos animais" capturados por Jared seriam usados para obter resultados morfológicos para documentar um projeto de pesquisa que fariam em conjunto. "Mais uma vez, eu sinto muito pelo que ocorreu e espero que o transporte de onicóforos seja legalizado num futuro próximo, pelo benefício da ciência."
(Folha de S.Paulo, 25/04/06)