Queima de cana aumenta internações no interior de São Paulo
2006-04-25
Dos próximos dias até o fim de novembro, período da queima da cana-de-açúcar para colheita, moradores do interior de São Paulo, de regiões de cidades como Araraquara, Ribeirão Preto e Piracicaba, deverão sofrer um aumento de problemas respiratórios provocados pela fuligem expelida na fumaça. As internações aumentarão, assim como o número de inalações feitas em pronto-socorro, de acordo com estudos desenvolvidos por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Além do incômodo que provoca, a nuvem negra que cobre as áreas rurais e urbanas de parte do interior de São Paulo tem motivado cada vez mais levantamentos sobre seus efeitos sobre a saúde da população. "Nos dias com mais partículas, há um aumento de 20% no número de inalações feitas nos prontos-socorros, que são marcadores de processos agudos respiratórios, como asma, enfisema e bronquite crônica", explica o médico Marcos Arbex, um dos autores de estudo desenvolvido no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP.
Esses efeitos acontecem porque, a cada vez que a biomassa é queimada, e neste caso a cana-de-açúcar, são emitidos no ar diversos gases e partículas. Pelos estudos feitos até agora, sabe-se que ao serem aspirados pelas pessoas, esses compostos atingem os alvéolos e chegam até a corrente sanguínea, desencadeando processos inflamatórios.
"Acontece que a concentração de material particulado em suspensão na época da queima é quase o dobro", diz. Os médicos também perceberam que sobem as internações por hipertensão: de 1,92 internação por dia no restante do ano para 2,82 na época da queima. O trabalho, que acompanhou os casos por 494 dias no Hospital São Paulo em Araraquara, e foi apresentado em congresso da American Thoracic Society, terá continuidade e deverá refinar ainda mais essa relação.
"Estamos tentando fechar o cerco para comprovar com mais detalhes a relação de causa e efeito", diz Fábio Lopes, professor do Mackenzie e pesquisador da Faculdade de Saúde Pública da USP. Ele levantou todas as internações por problemas respiratórios feitas nos últimos cinco anos no Estado, com dados do Sistema Único de Saúde (SUS), e juntou todos os focos de queimadas registrados pelo Instituto de Pesquisas Espaciais (Inpe). Depois, sobrepôs os dados, num programa de informática criado por ele.
"Os lugares onde a incidência de internações por problemas respiratórios está acima da média do Estado são justamente as regiões onde há o plantio da cana", afirma. Foram comparadas 22 mil internações por problemas respiratórios e mais de 3 mil focos de queimadas de cana, numa área que abrange 645 municípios. No entanto, ele faz uma ressalva: "O estudo mostrou que existe esse fato, e que indica para uma relação entre as duas coisas. Mas preciso aprofundar o estudo, que é a fase em que estamos agora, para eliminar a interferência de outros fatores, como a questão climática".
Na região de Piracicaba, um estudo feito pelo pneumologista José Eduardo Cançado, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica da USP, mostrou que, quando aumentam em 10% as partículas da queima no ar, sobem em 22% as internações de crianças e idosos, faixas etárias mais suscetíveis a esses problemas. "A poluição atmosférica na época da safra no interior é maior do que em São Paulo. E 80% das partículas suspensas no ar vinham da queima da palha da cana, que acontece durante metade do ano", afirma o médico.
O estudo, apresentado no National Institute of Environmental Health Science, será publicado no volume de maio do periódico científico Environmental Health Perspectives. "Fizemos essas medições no período agudo de um ano. Imagine depois de 30, 40 anos expostos a isso, o impacto é bem maior, porque esses poluentes têm efeito sistêmico", complementa.
De acordo com uma lei estadual publicada em 2003, até o ano de 2031 a colheita não deverá mais ser feita utilizando-se de queimadas. Gradualmente, os usineiros deverão aumentar a porcentagem da área colhida por máquinas.
Substâncias tóxicas são absorvidas por cortadores
Estudo realizado no laboratório de Mutagênese e Epidemiologia Molecular na Unesp de São José do Rio Preto pela bióloga Rosa Maria do Vale Bosso encontrou compostos carcinogênicos na urina dos cortadores de cana. O objetivo da pesquisadora foi estudar a presença de substâncias chamadas hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, que podem interferir no DNA das células, provocando mutações.
Num período de dois anos, ela acompanhou dois grupos distintos: 41 cortadores de cana de Catanduva e moradores da zona urbana de São José do Rio Preto. Todos eram não fumantes, para não correr o risco de haver interferências nas substâncias, já que a fumaça do cigarro também contém produtos cancerígenos.
"Em relação aos ensaios de mutagenicidade, concluímos que os cortadores de cana no período da safra apresentaram urina altamente tóxica. Essa alta toxicidade pode sugerir efeitos prejudiciais para o ser humano", explica.
Isso quer dizer que foram encontradas na urina deles substâncias que provocaram modificações no DNA de bactérias usadas para o teste, que podem causar o mesmo efeito no homem. Além disso, na época da safra, os compostos apareceram em quantidade nove vezes mais alta na urina dos cortadores. "O estudo alerta sobre o perigo das queimadas dos canaviais para a saúde da população, e mostra a necessidade de mais estudos e mais atenção para essa questão", conclui.
(O Estado de S. Paulo, 24/04/06)