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2006-04-25
Uma realização humana pode ser medida por seu impacto econômico, pelos benefícios sociais que produz e também pelo grau de esforço em torno da meta que havia sido traçada. A auto-suficiência brasileira na produção de petróleo, alcançada pela Petrobras em 2006, é um feito histórico por tudo isso e um pouco mais. A conquista torna a economia nacional mais sólida, garante milhões de empregos no País e coroa o esforço de uma infinidade de cientistas, que fizeram com que o Brasil superasse até a barreira geográfica – sem muitas reservas em solo, o País desenvolveu a melhor tecnologia do mundo para extrair petróleo de águas profundas. O aspecto mais importante dessa conquista, porém, é cultural. Ela representa a afirmação da capacidade brasileira de empreender e superar obstáculos. Há 53 anos, quando a Petrobras foi criada, poucos acreditavam que o sonho de independência seria realizado num espaço de tempo tão curto. Mas em 2006, com a Petrobras produzindo 1,9 milhão de barris/dia após a entrada em operação da plataforma P-50, o desafio estará vencido. “Estamos chegando lá com a sensação do dever cumprido, mas o mérito é de todos os funcionários que dedicaram as suas vidas à Petrobras”, diz o presidente José Sérgio Gabrielli de Azevedo.

Sob o ponto de vista econômico, esse feito equivale a deixar de importar US$ 40 bilhões por ano – e nunca é demais lembrar que, há apenas dez anos, metade do petróleo consumido no País ainda era importado. Do ponto de vista social, a cadeia do petróleo já emprega mais de um milhão de pessoas e representa 10% do PIB – nada menos que R$ 190 bilhões. Na área científica, a Petrobras tem sido um celeiro para o desenvolvimento de tecnologias e para o aperfeiçoamento de profissionais qualificados.

Além de tudo isso, a auto-suficiência chega na hora certa. Reservas de petróleos são finitas. Num momento único da economia global, em que as perspectivas de desenvolvimento acelerado se espraiam por todos os cantos do planeta, essas reservas têm sido rapidamente consumidas e o resultado é o valor recorde do barril, que chegou a superar a cifra de US$ 60. E não há nada do horizonte que aponte para uma redução substancial de preços. Ou seja: se o Brasil não estivesse sendo capaz de suprir sua demanda, o fantasma de uma crise no balanço de pagamentos continuaria rondando o País.

Os desbravadores
Do primeiro poço perfurado em terras brasileiras não saiu nada além de água sulfurosa – e, segundo registros orais não confirmados, dois míseros barris de óleo. Do local onde, oficialmente, ocorreu a pioneira descoberta de petróleo no País foram distribuídos 400 litros à população que acorreu até a sonda atraída pela novidade. Números modestos e planos ambiciosos se misturam nos momentos mais remotos da exploração do combustível mineral em solo nacional. Desde a metade do século XIX, desbravadores – em geral britânicos, associados a brasileiros ou não -- procuravam matéria-prima para fabricar óleo ou gás usados na iluminação de cidades fora do alcance das redes do Rio de Janeiro e de São Paulo. Os indícios brotavam da terra, na forma de lama negra, que moradores de regiões remotas usavam para acender candeeiros e fogareiros.

A primeira iniciativa real de prospecção petrolífera no Brasil ocorreu entre 1892 e 1897. Um rico fazendeiro de Campinas, chamado Eugênio Ferreira de Camargo, obteve uma concessão na região de Bofete, São Paulo. Trouxe dos Estados Unidos uma sonda completa e uma equipe para a perfuração. De 1919 a 1930, o governo brasileiro perfurou outros 51 poços em sete Estados, sempre com resultados frustrantes. Os esforços daqueles pioneiros, no entanto, permitiram acumular informações sobre a geologia do País e treinar as primeiras equipes de geólogos brasileiros. A teimosia de alguns deles acabou colocando o Brasil no mapa do petróleo. O maior exemplo disso é a história do engenheiro Manuel Inácio Bastos. Em 1930 ele começou a investigar a lama preta, oleosa, com que os moradores da região de Lobato, na Bahia, iluminavam suas casas, em substituição ao querosene. Levou amostras ao Rio de Janeiro em busca de sócios e mostrou-as ao próprio presidente Getúlio Vargas, que o recebeu e encaminhou as amostras ao Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil. Não houve resposta.

Bastos perseverou. Procurou o presidente da Bolsa de Mercadorias baiana, Oscar Cordeiro, e com ele formou uma sociedade para explorar as “jazidas”. Sua empreitada ganhou os jornais e acalorou discussões em todo o País. Os ânimos se acirraram depois que um dos geólogos estrangeiros a serviço do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM) negou, categoricamente, as possibilidades petrolíferas da região. Após muitas tentativas, Oscar Cordeiro conseguiu despertar o interesse do químico Sílvio Fróes Abreu, do Instituto Nacional de Tecnologia, que confirmou as suspeitas e sugeriu a intensificação dos trabalhos. O interesse privado aumentou depois que os geólogos Irnack Amaral e Glycon de Paiva estudaram a região com financiamento do próspero empresário carioca Guilherme Guinle, confirmando as perspectivas otimistas. Como conseqüência, a exploração tomou novo rumo e a área de Lobato passou a ser considerada prioritária pelo próprio governo. Em 1937, o DNPM iniciou as perfurações na região. No terceiro poço, que chegou aos 210 metros, foi encontrado petróleo no dia 21 de janeiro de 1939. A descoberta e também a criação do Conselho Nacional do Petróleo marcaram o início de uma nova fase da história do petróleo no Brasil.

Antes que o Brasil conhecesse a dimensão de suas reservas petrolíferas, muita polêmica estaria por vir. A mais rumorosa foi desencadeada pelo americano Walter Link, que após se aposentar na Standard Oil assumiu a tarefa de criar o departamento de exploração da Petrobras, em 1954. Depois de estudar a geologia do País, Link desaconselhou grandes investimentos em exploração. Os termos da carta enviada à diretoria da Petrobras antes de retornar à sua terra natal fizeram com que ele entrasse para a história como “agente dos interesses estrangeiros”. Dizia o texto, de 29 de agosto de 1960: "Se, todavia, a Petrobras deseja permanecer na exploração petrolífera em larga escala, e em base de competição com a indústria petrolífera internacional, e se tem dinheiro para assim o fazer, sugiro que vá a algum outro país, onde podem ser obtidas concessões e onde as possibilidades de encontrar óleo são boas." Um único trecho de sua pesquisa sugeriu que poderia "ser melhor" a exploração do "escudo continental" (oceano). O palpite do geólogo americano revelou-se acertado, como se veria depois.

Poucos foram tão veementes na defesa da idéia de que havia petróleo a ser explorado no Brasil quanto o escritor Monteiro Lobato, popular autor das fábulas do Sítio do Picapau Amarelo. Em 1931 passou a defender publicamente a exploração das reservas petrolíferas do País e investiu seu dinheiro em empreitadas prospectivas Brasil adentro. Lobato acabou preso duas vezes no governo de Getúlio Vargas por escrever ao presidente uma carta na qual pedia a criação de uma empresa para a prospecção do “ouro negro”, antes que os “interesses estrangeiros” prevalecessem. Getúlio considerou o texto ofensivo e mandou trancafiá-lo. Em 1939, uma coincidência homenageou a devoção do escritor à causa: a primeira descoberta de petróleo do País ocorreu justamente no município de Lobato, no Recôncavo Baiano.

51 poços foram abertos pelo governo entre 1919 e 1930.

Não é por outra razão que tantos países estão debatendo formas de encontrar a independência energética. No G-7, o grupo dos sete mais ricos do mundo, só Canadá e Inglaterra são auto-suficientes. Todos os outros buscam atenuar o problema. Nos Estados Unidos, o presidente George W. Bush anunciou um ambicioso programa de biocombustíveis – os americanos importam mais da metade do petróleo que consomem. No Japão, que também é um importador líquido, os combustíveis terão adição de 5% de etanol. Por outro lado, países que já são auto-suficientes, como a Rússia e o México, passaram a ostentar posições cada vez mais sólidas de balanço de pagamentos, o que os ajudou a se tornar investment grade, ou seja, são países de risco baixo para investidores externos.

A independência energética hoje também garante a segurança no abastecimento interno de combustíveis. E o melhor é que a Petrobras se tornou há quatro décadas auto-suficiente na produção de derivados básicos e já descobriu jazidas suficientes para assegurar a autonomia por mais dez anos. Até 2010, estarão sendo investidos US$ 56,4 bilhões em todas as suas atividades. Essa situação confortável também permite uma administração de preços com benefícios ao consumidor. Em vez de apenas acompanhar o sobe-e-desce do valor do barril, a Petrobras agora tem margem de manobra para amortecer os choques internacionais – é o que garante o presidente Gabrielli. E o mais surpreendente é que, em pouquíssimo tempo, o Brasil passará a ser um exportador líquido de petróleo. É um feito e tanto para a Petrobras, uma empresa que, ao longo de toda sua história, superou preconceitos, venceu barreiras geográficas e é hoje o grande dínamo da economia brasileira.

1,91 Milhão de barris é a produção diária da Petrobras, com a entrada em operação da plataforma P-50

O plano de investimentos da empresa prevê o desembolso de US$ 56,4 bilhões até 2010

"Realizamos um sonho"
Sonho acalentado desde os tempos da campanha O petróleo é nosso, a auto-suficiência brasileira na produção de petróleo acaba de ser conquistada. É uma equação simples: produção igual ou maior que a demanda – mas sua mística ultrapassa o caráter de mero feito empresarial, carregando um importante significado simbólico para o Brasil. “É mais uma afirmação da capacidade de realização de nosso país”, destaca o presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli de Azevedo. No terreno prático, o maior significado é a independência energética, com a segurança total no abastecimento interno, que vai gerar benefícios para toda a população. “Energia é um insumo básico para todas as atividades econômicas. O consumidor estará protegido das turbulências do mercado internacional”, garante ele. A seguir, sua entrevista.

Qual o significado da auto-suficiência para o Brasil? JOSÉ SÉRGIO GABRIELLI – A auto-suficiência do País em petróleo, que está sendo obtida exclusivamente pela Petrobras, uma empresa genuinamente brasileira, é mais uma afirmação da capacidade de realização de nosso país. É uma conquista coletiva firmada ao longo da história de 53 anos dessa companhia que muito nos orgulha. O maior significado é a independência energética que passamos a ter em relação ao mercado mais sensível do mundo, que é o de petróleo.

A quem se deve creditar essa conquista? GABRIELLI – Aos nossos empregados em todos os níveis, com destaque para o quadro de geofísicos, geólogos e engenheiros que, apesar das dificuldades geológicas e logísticas encontradas em nossas bacias sedimentares, conseguiram desvendar os mistérios do subsolo e superar as vicissitudes do trabalho em alto-mar para descobrir e colocar em produção as grandes jazidas de águas profundas do litoral fluminense. Nos últimos três anos, a expansão do portfólio de áreas para exploração e os elevados investimentos em desenvolvimento da produção proporcionaram um crescimento mais rápido e seguro, preparando a companhia para os desafios de longo prazo, entre os quais se insere a manutenção sustentável da auto-suficiência.

Qual a principal vantagem para o Brasil? GABRIELLI – Teremos a segurança total do abastecimento interno de um produto essencial, cujas condições atuais de mercado são excessivamente voláteis e com futuro ainda mais incerto, diante do crescimento do consumo mundial e das perspectivas não muito promissoras de grandes descobertas no mundo no curto e no médio prazos.

E para o consumidor de combustíveis? GABRIELLI – Não só quem consome gasolina, diesel e GLP, mas todos os brasileiros se beneficiarão, uma vez que estamos falando de auto-suficiência energética e energia é um insumo básico para todas as atividades econômicas. O consumidor estará protegido das turbulências do mercado e a Petrobras terá mais flexibilidade na gestão dos preços, tornando os impactos mais suaves. Por outro lado, parte do petróleo pesado excedente ao nosso consumo, que seria exportado por preços inferiores aos do petróleo leve, será utilizado para aumentar o volume nacional processado por nossas refinarias, que estão sendo ampliadas e modernizadas. Outra providência para valorizar o petróleo pesado nacional é a implantação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro que vai utilizar esse produto como insumo.

Os preços continuarão acompanhando o mercado internacional? GABRIELLI – Como estamos lidando com uma commodity, não podemos nos descolar dos preços internacionais do petróleo e seus derivados, mas teremos uma capacidade muito maior de amortecimento dos impactos. Se antes da auto-suficiência nós já não praticávamos ajustes no curto prazo com a produção superior ao consumo, teremos ainda mais tempo para observar as tendências internacionais. Considerando que o mercado brasileiro de combustíveis é totalmente aberto, não é possível manter, no longo prazo, o preço doméstico maior ou menor que o internacional.

O que levou à auto-suficiência? GABRIELLI – Nossa taxa de crescimento da produção está entre as maiores do mundo, superior à de quase todas as grandes corporações internacionais do setor. A auto-suficiência é, entre outros fatores, resultado de investimentos realizados no passado, da concentração de recursos no segmento de exploração e produção e do elevado conhecimento tecnológico de nossas equipes de geofísicos, geólogos e engenheiros de petróleo que se especializaram em pesquisa e desenvolvimento de projetos para águas profundas. É importante lembrar que, além do crescimento da produção, estamos repondo os volumes produzidos a cada ano e ainda aumentando as reservas.

E para o futuro? GABRIELLI – Nos últimos anos a Petrobras descobriu jazidas suficientes para garantir a manutenção futura da auto-suficiência nos próximos dez anos e adquiriu novas áreas exploratórias nos leilões da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis, suficientes para um vigoroso programa exploratório destinado a prolongar por muitos anos nossa autonomia em petróleo.

A Petrobras já tem definidos novos projetos para garantir essa autonomia? GABRIELLI – O esforço realizado pela companhia, desde 2003, para apropriação de reservas levou à concepção de uma carteira de cerca de 50 projetos já nominados, dos quais 30 estão em fase de implantação ou finalização de projeto, envolvendo 55% dos investimentos previstos para os próximos cinco anos no Brasil, que serão de US$ 49,3 bilhões. Para garantir a sustentabilidade da auto-suficiência, o segmento de exploração e produção vai receber a maior parcela dos investimentos, US$ 28 bilhões, até 2010. No mesmo período serão investidos US$ 12,9 bilhões na ampliação e modernização do refino, na petroquímica e na logística do transporte e US$ 6,5 bilhões na área de gás, energia e bio-combustíveis.

Quais os fatores para o sucesso de uma empresa de petróleo? GABRIELLI – Além da capacitação tecnológica e financeira, o sucesso de uma empresa de petróleo depende também da disponibilidade de áreas para pesquisa. Nosso portfólio hoje é de 131 blocos exploratórios no Brasil e outras dezenas de áreas no Exterior, com excelentes perspectivas de resultados positivos.

Por que o Brasil ainda vai continuar importando petróleo? GABRIELLI – O Brasil é, hoje, um dos poucos países do mundo auto-suficientes em produção e refino. Até meados do ano estaremos produzindo mais de dois milhões de barris por dia e nossa capacidade de refino também está nesse nível, que é superior à demanda nacional. Acontece que, por um capricho da natureza, a maior parte do petróleo produzido internamente é pesada, enquanto as nossas refinarias, que foram construídas antes das grandes descobertas desse petróleo, precisam de uma pequena fração de petróleo leve para formar a mistura necessária à produção dos derivados que o consumo nacional exige. Porém, a exportação de petróleo pesado será muito maior do que a importação do produto leve, o que configura a condição de exportadores líquidos.

Qual o volume a ser importado? GABRIELLI – Vamos importar apenas 10% do petróleo a ser refinado, algo como 200 mil barris/dia, mas estaremos exportando mais do que os atuais 500 mil barris diários de óleo que vendemos hoje para diversos países. Esse volume será reduzido no futuro, quando as nossas refinarias estiverem todas adaptadas para aumentar o processamento do produto pesado. Por outro lado, também estamos descobrindo reservas de óleo leve para entrar em produção nos próximos anos.
(IstoÉ, 26/04/06)

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