Novo decreto das RPPNs só beneficia novas reservas
2006-04-25
No dia 5 de abril, proprietários de Reservas Particulares do Patrimônio
Natural (RPPN) aplaudiram a assinatura do decreto que regulamenta esse tipo de
unidade de conservação, depois de 4 anos de negociações com o governo. Mais
do que esclarecer alguns pontos que deixavam dúvidas no Sistema Nacional de
Unidades de Conservação (Snuc) sobre a gestão das RPPNs, o documento é um
instrumento legal mais forte, com o qual os proprietários confiam agora poder
defender melhor suas áreas protegidas. Mas só se beneficia quem criar reservas
daqui pra frente.
Apesar de determinar posições que hoje podem solucionar brigas complicadíssimas
na gestão de RPPNs, o novo decreto não vai poder ajudar um proprietário do sul
da Bahia que foi pego de surpresa ao saber que uma mineradora quer explorar
manganês sob seus pés. No mês de março, técnicos da empresa Mineração Minas
Bahia LTDA. (Miba) bateram à porta de Enoc Reis, na RPPN Estância Manacá, em
Ibicaraí, devidamente munidos com licença de pesquisa emitida pelo Departamento
Nacional de Produção Mineral (DNPM). Só que há um problema: não é permitida
atividade mineradora dentro de unidade de conservação. Muito menos se é uma
RPPN e o proprietário não faz questão nenhuma de facilitar as intenções da
empresa.
Daí o tamanho do espanto do ex-assessor legislativo, que depois de 30 anos em
Salvador, voltou à terra natal para cuidar exclusivamente de sua RPPN. Ele
deixou os técnicos avaliarem o local por 15 dias, esperando que, assim, poderia
observar de perto e descobrir o que tanto almejavam em sua propriedade. Mas
depois disso, se assustou ao receber um “Termo de Acordo”, propondo o pagamento
de renda e indenização por perdas e danos, já que sua floresta estava prestes
a virar um monte de buracos. Mandou todo mundo embora e procurou ajuda. Viu que,
por jazidas de manganês que ele mesmo desconhece a quantidade, seus míseros 95
hectares de floresta ficaram ameaçados. Trata-se da única unidade de
conservação que existe na região e protege, além de trechos primários de Mata
Atlântica, importantes mananciais que abastecem o município de Ibicaraí.
Tarde demais
No ano 2000, Reis conseguiu registrar no Ibama a RPPN Estância Manacá, formada
pelas matas que corriam risco de virar pasto em três fazendas vizinhas. Foi
tocando as atividades da reserva sem atentar para uma questão que estava além
de suas preocupações, e que, no artigo 12 do decreto de regulamentação, é
apresentada com clareza: não pode ser criada RPPN em área já concedida para
lavra. Mal sabia Reis que a visita dos técnicos em mineração tinha origem
exatamente aí.
Enoc Reis conta que, na década de 70, a Companhia Baiana de Produção Mineral
(CBPM) mapeou a região de Ibicaraí, deixando tudo pronto para autorizar a lavra,
quando alguma empresa se interessasse. Embora a companhia não tenha respondido
às insistentes solicitações da reportagem para explicar o que, de fato, foi
feito naquela época, depois de tanto tempo um impasse realmente se formou. E o
pior: envolvendo dois órgãos federais que deveriam estar sempre em sintonia.
Como pôde o DNPM dar a licença de pesquisa para a empresa na área de uma unidade
de conservação, o que pressupõe intenção de exploração? Ou, como pôde o Ibama
deixar criar uma unidade de conservação aonde, mais cedo ou mais tarde, era
certo de que haveria lavra?
Ninguém viu
O DNPM de Salvador confirma que, de fato, a licença de pesquisa foi emitida ano
passado, e aguarda a entrega do relatório final dos levantamentos realizados
na área para dar prosseguimento ao processo. Segundo Edmario Ribeiro, diretor
substituto do órgão, não há nos dados do DNPM qualquer referência de que ali
se localiza uma unidade de conservação. “Temos que verificar o amparo legal em
relação a essa reserva. Mas podemos garantir que não vai haver autorização para
exploração se for confirmado que a área é indevida”, diz Ribeiro.
Alexandre Couri, representante da Miba, explica que um técnico foi ao local
apenas para verificar se a área possuía minério. Constatou-se que sim. “Mas
precisamos fazer uma pesquisa mais profunda para saber se a exploração é
viável”, diz. E, se for, avisa que as atividades só vão começar com o aval dos
órgãos ambientais. Espera-se, portanto, que a liberação nunca aconteça, uma
vez que parte da área cobiçada fica dentro de uma RPPN – o que, aliás, causou
surpresa a Couri. Ele disse desconhecer que a área é protegida. “Estou sabendo
através de você”.
Por conta do decreto recém assinado, essa desculpa também não vai valer daqui
pra frente. Apesar de uma instrução normativa obrigar, desde 2003, que todas as
RPPNs sejam georreferenciadas no momento da criação, o decreto de
regulamentação fortalece juridicamente essa necessidade. Beto Mesquita,
consultor da Confederação Nacional de RPPNs (CNRPPN), acredita que, com isso,
não haverá mais fragilidade no reconhecimento desse tipo de reserva por outros
órgãos, o que evitará planejamento de empreendimentos nas RPPNs, como
aconteceu com Enoc Reis. “Apesar de às vezes ser caro fazer o
georreferenciamento, as vantagens são grandes. A criação das RPPNs tem tudo
agora para ser feita com mais segurança e qualidade”, opina.
O Ibama joga a culpa pelo impasse para cima do DNPM, que deveria ter procurado
o instituto para se certificar da localização exata da RPPN e excluí-la da
área autorizada para pesquisa de viabilidade econômica. O analista ambiental
Paulo Henrique Neves, do Núcleo de Unidades de Conservação (Nuc), explica que,
se a área porventura já estivesse previamente demarcada para lavra, os demais
órgãos públicos, consultados na época da criação da RPPN, deveriam ter se
pronunciado. “Se ninguém se manifestou, quer dizer que não havia problema”.
Nesse conflito em que o proprietário ficou assistindo com mãos atadas a
confusão criada pelos dois órgãos federais, Neves garante que o Ibama está
abraçando a causa e não vai deixar Reis tentando defender sozinho sua unidade
de conservação. “O caso está sendo encaminhado para o nosso departamento
jurídico e vai, o mais rápido possível, para Brasília”, avisa o analista.
(Andreia Fanzeres, 20/04/06)
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