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2006-04-25
Com uma produção de 9,3 milhões de toneladas de carne de frango no ano passado, o Brasil é hoje o maior exportador e o segundo maior produtor dessas aves no planeta, logo atrás da China. A maioria da carne, cerca de 6,5 milhões de toneladas, acaba na mesa dos brasileiros.

Essa trincheira no mercado global se deve ao aumento contínuo no número de aves nas duas últimas décadas e à adoção de um modelo produtivo voltado à redução de custos. O resultado são frangos que podem ser abatidos em média com 40 dias, enquanto que um frango caipira ou orgânico precisa de 60 dias de vida antes do abate.

A criação desses superfrangos acontece em galpões lotados, verdadeiros campos de concentração onde as galinhas recebem doses cavalares de ração e perambulam sobre as próprias fezes. Um prato cheio para a proliferação de vírus e bactérias. Para evitar doenças, perda de peso e a morte de animais, os produtores passaram a usar rações aditivadas com antibióticos. Essas substâncias também são usadas na alimentação de porcos e bois no Brasil e em vários outros países.

Levantamento feito pela veterinária Danielle de Moraes Gomes durante um curso sobre alimentos na Universidade de Brasília (UnB) mostra que o consumo de carnes com resíduos de Penicilina, Lincomicina, Tetraciclina, Cloranfenical e Novobiocina pode causar danos à saúde humana. Conforme o estudo, mesmo que as doses dessas substâncias sejam reduzidas, podem surgir efeitos de longo prazo como alergias, urticárias, asma, diarréias, inflamações, anemias e outros sintomas.

O prejuízo mais sério, conforme Danielle, é a “seleção de microorganismos”, que se tornariam mais resistentes a medicamentos. O resultado seria que crianças prematuras, idosos e portadores do vírus HIV, por exemplo, possam necessitar de doses mais elevadas de remédios graças ao consumo de carnes, leite ou ovos com traços de antibióticos.

Para o veterinário e sanitarista da Secretaria de Saúde do Paraná Sezefredo Paz, o uso massivo de antibióticos é um efeito colateral do modelo de produção adotado em todo o mundo. No Brasil o problema seria mais grave pela falta de informações e de assistência técnica aos criadores para uso correto das substâncias e também pelo monopólio do Ministério da Agricultura na liberação desses produtos. Segundo Paz, quando aquele ministério autoriza o uso desses antibióticos não analisa questões de saúde pública. “A legislação deveria ser como a dos agrotóxicos, que só podem ser liberados com o aval conjunto dos ministérios da Saúde, do Meio Ambiente e da Agricultura”, disse o consultor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), uma associação sem vínculos com empresas ou governos.

No fim do ano passado, como resultado de uma ação do Instituto junto ao Ministério Público Federal, a Justiça determinou a retirada do mercado nacional do carbadox. O produto era usado na alimentação de porcos no Brasil, mas proibido na União Européia desde 1998. Foram reconhecidas provas científicas dos perigos da substância, reconhecida como cancerígena e mutagênica. O olaquindox, semelhante ao carbadox, havia sido retirado do mercado ainda em 2004.

De acordo com o advogado Paulo Pacini, do Idec, não há dúvida de que existem resíduos de antibióticos nas carnes consumidas no País, mesmo que nada conste nas embalagens desses produtos. “Acompanharemos substância a substância para retirar do mercado aquelas comprovadamente nocivas à saúde e para estimular um debate sobre novas práticas de produção”, disse.

Quanto aos limites máximos de resíduos de antibióticos e outras substâncias em carnes de frangos, suínos e bovinos, o Brasil segue o Codex Alimentarius, programa das Nações Unidas que define regras de segurança para consumo de alimentos em todo o mundo. De acordo com o Ministério da Agricultura e Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), desde 1979 são monitorados resíduos e contaminantes na produção de carnes, leite, ovos e peixes para exportação e consumo interno.

Baseado nisso, o veterinário João Palermo Neto, diretor da Faculdade de Medicina Veterinária da USP e representante brasileiro no Codex, acredita que não há motivo para preocupação porque a quantidade de resíduos nas carnes de frango, suínos e bovinos está dentro do limite recomendado pelas normas internacionais. “Essa quantidade pode ser ingerida pelo ser humano durante toda a vida sem qualquer problema”, disse. “Não há qualquer evidência científica que ligue o uso de antibióticos na alimentação animal a doenças humanas”.

Mesmo sem comprovação técnica de prejuízos à saúde, como precaução a União Européia suspendeu em janeiro deste ano a produção e a importação de carnes com resíduos de antibióticos. A região importa cerca de 14% da produção brasileira de frango. Conforme Adauto Lima Rodrigues, coordenador de Resíduos e Contaminantes da Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, os produtores brasileiros estariam se adaptando a essa nova realidade e ao uso de novas substâncias desde outubro do ano passado. Ele não descarta, no entanto, que as medidas adotadas pelos europeus sejam protecionistas ou usadas “de forma especulativa por aqueles que querem denegrir a produção brasileira”.

Conforme o coordenador, cada país tem condições climáticas, sistemas produtivos e doenças diferentes, o que leva ao uso de certos medicamentos em cada região. Para ele, possíveis efeitos na saúde humana são “uma falácia”. “O que temos de garantir é que a produção nacional tenha limites máximos de resíduos para aquelas drogas que não sejam prejudiciais do ponto de vista de saúde pública”, disse.

Possíveis alternativas para os produtores são os chamados prebióticos e probióticos. Essas substâncias manteriam a saúde dos animais e não deixariam rastros na carne. No entanto, poderiam elevar os custos de produção, como alega Ariel Antonio Mendes, professor da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e vice-presidente técnico da UBA (União Brasileira de Avicultura). Fazem parte da diretoria e do conselho da UBA empresas como Perdigão, Seara e Sadia.

No meio de todo esse imbróglio, o consultor do Idec Sezefedo Paz afirma que é necessária uma ampla discussão nacional sobre como são criados frangos, suínos e bovinos no País para que, ao menos, sejam adotadas “boas práticas” de produção. “Com maior higiene e prevenção de doenças, o uso de antibióticos seria reduzido”, disse. O veterinário também lembra que “há pouca pesquisa e apoio” para o desenvolvimento de novos meios de produção. “O Brasil só proíbe o uso de certas substâncias ‘no limite’, depois de pressão social ou quando importadores exigem”, disse. “Também há um número insuficiente de fiscais no apoio técnico, laboratorial e na realização de análises e monitoramento dos produtores”, completou Danielle Gomes.
(Aldem Bourscheit, Ecoagência, 23/04/06)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1562&Itemid=2

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