El Niño pode se tornar permanente se não houver uma redução drástica nas emissões de poluentes
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emissões de gases-estufa
2006-04-24
Um estudo recente, desenvolvido pelo Hadley Centre, do Centro de Meteorologia
do Reino Unido, colocou o meio científico, governos e setores industriais em
alerta máximo. O cientista Mat Collins foi o responsável por promover uma
visão futura da anomalia climática El Niño associada ao aquecimento global. Em
potentes supercomputadores, modelos matemáticas de previsão do clima foram
rodados agregando a escalada dos gases do efeito estufa por influência humana.
Os resultados foram catastróficos.
Segundo Collins, mesmo que os modelos climáticos apresentem margens de falhas,
se não houver uma redução drástica nas emissões de poluentes, em 50 ou 100 anos
o cenário meteorológico do planeta será totalmente alterado. "Observamos que
há o surgimento de uma espécie de El Niño permanente, que alteraria
significativamente os padrões tropicais das chuvas", disse.
Isto influenciaria diretamente o Brasil e a floresta amazônica. Toda a produção
agrícola e pecuária instalada no norte do País, além dos grandes mananciais
hídricos, sofreriam imensamente com a seca. O clima sobre o território nacional
estaria sujeito a alterações bruscas e, como conseqüência, a uma
desestabilização da economia agropecuária.
O climatologista Roger Stone, diretor do Queensland Government Climate Centre,
da Austrália, reforça essa tese com suas pesquisas. Ele analisou os últimos 150
anos de El Niño e descobriu que os padrões começaram a ser alterados a partir
de 1950, quando ocorreu um aumento considerável na atividade industrial de base
poluente e no aumento da queima dos combustíveis fósseis. "Especialmente a
partir dos anos 70 vemos que os eventos de El Niño ficaram mais comuns,
evidente que existe uma preocupação clara que esse fenômeno se torne regra e
não exceção", salientou.
As pesquisas de Stone mostram que o aquecimento global está mudando as
temperaturas no Oceano Pacífico central, área em que se forma a piscina de
água quente que migra para a costa do Peru, causando a anomalia. Pelo
levantamento, basta que essa elevação térmica seja de 0,5 ou 1 grau centígrado
para provocar grandes mudanças no comportamento do El Niño. Entre elas, o
surgimento de mega-El Niños, de efeitos devastadores, que nos modelos
computacionais surgem na proporção de um para cada seis eventos.
Mudança letal
"O El Niño é o sistema meteorológico mais letal do planeta". A afirmação do
cientista Sandy Tudhope, do departamento da geografia da Universidade de
Edimburgo (Escócia), já foi demonstrada ao longo da história das civilizações.
Como a cultura Moche, situada no norte do Peru, de dois mil anos, que
desapareceu repentinamente por volta do ano 600 d.C. Ou a cidade-Estado suméria
de Ur, que desapareceu numa imensa seca 2100 a.C. Ambos os desastres são
apontados pelos especialistas como conseqüências de El Niños de intensa
atividade.
Mas, até então, essa anomalia que eleva a temperatura da superfície do Oceano
Pacífico e altera o clima em quase toda a Terra ainda não tinha sofrido
diretamente a influência humana, denominada como ação antrópica. Essa nova
componente inserida agora nas previsões futuras desnorteou cientistas e
institutos de meteorologia e ameaça abalar a economia de todo o planeta. Os
acordos de controle de emissões de gases, caso do Protocolo de Kyoto, são os
indicativos mais claros que a situação é grave e tende a piorar.
El Niño no Brasil
O presidente do Programa Internacional da Geosfera-Biosfera, o cientista
brasileiro Carlos Nobre, concorda com seus colegas estrangeiros que os modelos
climáticos rodados em supercomputadores para o El Niño ainda não são bem
reproduzidos. Embora destaque que haja realmente duas grandes possibilidades
de alteração comportamental desta anomalia.
Na primeira, o Oceano Pacífico se trancaria num estado de El Niño permanente.
Isto acarretaria alterações nas chuvas em toda a Bacia do Pacífico, além de
afetar o regime das circulações atmosféricas em toda a América Central e do Sul.
As previsões mundiais mostram acentuadas distorções no clima da Austrália, sul
da África, sul dos Estados Unidos, praticamente em toda a Índia e uma seca
acentuada no norte da China. Além de potencializar imensos furacões em
praticamente todo o Oceano Atlântico.
O cientista do Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (Cptec), do
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Gilvan Sampaio, é autor do
livro "O El Niño e você - o fenômeno climático" que explica a anomalia. Em seu
entender, se houver um quadro estático teríamos um clima diferente vigorando
sobre o Brasil. "Quanto às secas, elas seriam agravadas no norte do Nordeste e
também apareceriam no norte-leste da Amazônia", diz ele.
Para o Sul, Sampaio crê que haveria um aumento nas precipitações,
principalmente na primavera e no verão. Já no Sudeste brasileiro haveria
impactos, porém em menor escala, mas com transtornos de ordem sócio-econômica.
As tempestades seriam mais violentas e freqüentes, porém sem alterar o volume
pluviométrico dos períodos do ano. Os verões e invernos seriam mais quentes, o
que afetaria a agricultura de espécies mais sensíveis, como o café.
A segunda possibilidade é a alternância entre o La Niña e o El Niño, ambos
fortes. Porém haveria o aumento do chamado mega El Niño, que ocorre a cada 15
anos ou 20 anos. Esse quadro afetaria somente a intensidade dos fenômenos, que
seriam muito mais violentos e trariam conseqüências devastadoras.
Na avaliação prévia de Nobre, a maior tendência reside no aumento no número de
El Niños fortes. "Mas é impossível se descartar o estado permanente desta
anomalia e o grande risco para o Brasil é a diminuição drástica da
biodiversidade da Amazônia. Esse é o único dos impactos contra o qual não
poderemos fazer nada", destacou. "Para a agricultura ainda se consegue fazer
adaptações, mas o desafio é gigantesco e aqui no Brasil tudo é muito
letárgico."
(GM, 24/04/06)