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2006-04-23
Por Elisabeth Grimberg*
Para debater o tema consumo sustentável, cabe percorrer brevemente a própria noção de sustentabilidade. Este é um conceito em disputa, visto que os conceitos são construções sócio-políticas e históricas carregadas de valores e de representações que formam os discursos e as práticas dos diversos atores que atuam na sociedade.

Historicamente, este termo surge no âmbito das discussões da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente, em 1987, quando foi proposta a seguinte definição: “Consumo sustentável é o desenvolvimento que atende as necessidades do presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações em atenderem às suas próprias necessidades”. Assim, a discussão sobre consumo sustentável está diretamente associada às questões que envolvem as práticas que podem ser ou não consideradas como compatíveis com a capacidade da Terra de absorção dos impactos ambientais produzidos pelas atividades humanas e também de sua reposição.

Os inúmeros estudos produzidos sobre a velocidade e a insustentabilidade do atual padrão de produção e consumo e as conseqüentes ameaças postas para as gerações presentes e futuras, não deixam dúvidas. O pesquisador alemão Joachim H. Spangenberg (mimeo, s/d) cita os seguintes sinais visíveis e previsíveis da degradação ambiental provocada pela economia:

- a degradação dos recursos marinhos tem provocado um colapso das indústrias pesqueiras (um declínio contínuo desde o máximo registrado em 1992)
- o desflorestamento (17 milhões de ha/ano) e a perda de fertilidade do solo (uma perda líquida de 26 biotoneladas de solos férteis por ano), ameaçando a produção agrícola futura e gerando um grande custo em fertilizantes;
- a redução dos lençóis freáticos e a contaminação das águas terrestres, colocando em risco a disponibilidade de água para o consumo humano e para a atividade agrícola;
- a acidificação lacustre (aproximadamente 80% de toda a Escandinávia) e a degradação das florestas (cerca de 40% na Europa) têm sido combatidas com custos muito altos, enquanto a recuperação das perdas em termos de valor florestal tem sido deficiente;
- a diminuição da camada de ozônio atmosférico (que varia de acordo com a estação e a localização geográfica entre 5% e 95% e continua aumentando), o que não apenas coloca a saúde em risco, mas também reduz a produção agrícola e marinha;
- a acumulação de gases e, conseqüentemente, o efeito estufa na atmosfera (+28% desde que a industrialização começou), que, ao aumentar a temperatura média, aumenta o grau das irregularidades atmosféricas, das tormentas, das mudanças nos padrões pluviais, etc., acarretando um enorme custo econômico e social;
- o corte de florestas sem manejo sustentável, que tem incrementado a perda da biodiversidade (cerca de 17.000 espécies por ano), afetando uma fonte de primeira importância para as indústrias farmacêutica e agrícola.
Portanto há evidências suficientes de que as práticas atuais não são compatíveis com a garantia de equilíbrio e a estabilidade dos nossos sistemas naturais de sustentação, principalmente pela ação econômica de diversos setores produtivos, legitimada pelo respectivo consumo dos seus produtos.

No Brasil, por exemplo, em 2002, não chegava a cem o número de empresas que desenvolviam projetos de desenvolvimento sustentável, segundo o diretor do Centro Nacional de Tecnologias Limpas.

Outra dimensão da insustentabilidade do consumo atual das economias humanas passa pela forma socialmente desigual da distribuição das riquezas e da renda. Ou seja, há uma pressão diferenciada exercida pelos consumidores sobre os ecossitemas (ecological footprint). Ao contrário, as populações dos países ricos são responsáveis pela apropriação de 80% dos recursos naturais e de energia, sendo que representam menos de 20% da população global.

Portando, a discussão de novos patamares de consumo na ótica da sustentabilidade ambiental deve contemplar diretrizes e medidas que apontem soluções concretas para a mudanças não apenas dos padrões de consumo das classes média e alta, mas que contemplem o direito à vida das camadas pobres dos países em desenvolvimento (para não chamar de pobres, visto as riquezas naturais, a diversidade cultural e humana existentes nos países da América Latina, Ásia e África). Desta forma, trata-se de articular a luta por Direitos Humanos ao uso dos recursos globais, através de políticas que promovam uma efetiva distribuição das riquezas e da renda.

Os níveis de exclusão social mundiais e a convivência com o superconsumo e os desperdícios, em suas diversas faces, são de tal maneira inaceitáveis, que ultrapassam qualquer possibilidade de se avançar na discussão de propostas para o desenvolvimento sem que se enfrente este desafio de uma vez por todas. Assim, para viabilizar a construção de propostas para sociedades ambientais e socialmente equilibradas, saudáveis e éticas, é preciso que se ampliem as instâncias de discussão e sensibilização da população para a urgência de pressionar os governos localmente, em nível regional (países), continental e internacional, bem como as diversas instituições ligadas aos mercados nacionais e internacionais para o estabelecimento de medidas concretas que acelerem as ações voltadas para a sustentabilidade socioambiental. É possível o estabelecimento de metas consensuadas junto à sociedade de redução de consumo e mudança no perfil dos produtos, sem perda da qualidade de vida.

Mas, para tal, é preciso que se multipliquem os programas oficiais de informação de massa sobre os principais temas que hoje estão colocando em risco a vida na Terra. É preciso avançar num jornalismo de conteúdo e ao mesmo tempo de caráter popular, que faça a tradução cultural dos temas complexos para apropriação de amplas camadas da sociedade. As grandes convenções, como a que ocorreu em março deste ano (2006), a COP-8/MOP-3, em Curitiba (PR), são fundamentais, mas como introduzir estes assuntos de forma a produzir resultados no cotidiano das pessoas?

Não apenas no sentido de sua mudança de comportamento, de tornar-se individualmente um consumidor responsável (cuidar do uso da água, de energia, separar seus recicláveis etc.), mas também de recriar sua participação nas esferas de decisão que afetam a própria esfera de produção de bens e serviços.

É preciso que a sociedade não só adote novas atitudes quanto ao consumo, mas que disponha de produtos que sejam efetivamente amigos do meio ambiente. E para tal é preciso que se desenvolvam exigências dos setores organizados da sociedade e da população em geral para a formulação de políticas públicas que regulem os setores produtivos para que reduzam significativamente a exploração de recursos naturais através da adoção dos seguintes critérios para a produção de bens e serviços sustentáveis: - análise do ciclo de vida do produto (extração e uso dos recursos naturais, geração de resíduos durante o processo produtivo e disposição final dos resíduos, privilegiando o reaproveitamento do resíduos final);
- ecodesign, que significa considerar potenciais impactos ambientais no momento da criação do produto;
- durabilidade, aumentar a vida útil dos produtos;
- reparabilidade, baixa intensidade de recursos, viabilizando a facilidade permanente de realizar consertos;
- capacidade de reciclagem de todos os materiais usados.

É preciso ter presente que os governos tendem a ceder diante de pressões relativas a demandas específicas e não a teses generalistas.
Será preciso, portanto, que se tornem mais amplamente conhecidas as análises sobre a sustentabilidade planetária. Especialmente seria desejável que se divulgasse e debatesse em diversos contextos a necessidade de construção que se denominou de espaço ambiental, ou seja, um espaço apropriado para a vida humana no planeta que garanta a todos o mínimo requerido para atender às necessidades sociais básicas (alimento, roupa, moradia e serviços de saúde, educação, segurança etc) e o máximo de pressão suportável pela ecosfera.

Instâncias novas de diálogo e participação deverão ser criadas para se avançar nesta construção e negociação coletiva quanto ao que, como e quando mudar, o que pressupõe cidadania ativa. E neste sentido, poderia se pensar, além das formas já consolidadas de canais e mecanismos de participação, em criar, por exemplo, comissões cidadãs para atuar nos intramuros das empresas. Ou seja, estas comissões seriam formadas por representantes das comunidades vizinhas às empresas, das entidades de defesa dos direitos humanos, ambientais, sociais, dos governos e das próprias empresas. O setor empresarial utiliza bens comuns, que são bens coletivos planetários para a produção de produtos, e portanto, nada mais plausível do que a sociedade participar das decisões levando sua visão e propostas na gestão dos negócios. Há, acima de tudo, um interesse comum em jogo: a proteção e o gerenciamento da base de recursos naturais para que se atinja realmente o sonho de uma sociedade sustentável, responsável e solidária.

“Mudanças profundas para melhor realmente ocorrem, mesmo que sejam difíceis de perceber, porque um dos efeitos mais comuns do sucesso é aceitá-lo como natural. O que parece perfeitamente normal após o fato quase sempre pareceria um milagre antes.” (Chris Bright, Worldwachch Institute, 2003)

*Elisabeth Grimberg é mestre em Sociologia, coordenadora da área de Ambiente Urbano do Instituto Pólis e coordenadora geral do Fórum Lixo e Cidadania da Cidade de São Paulo. Artigo publicado originalmente no Instituto Polis.

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