Motos poluem mais que os automóveis
2006-04-20
Com diferenciais importantes como a economia no consumo de combustível e a
agilidade para enfrentar o trânsito caótico das cidades as motocicletas ocupam
cada vez mais espaço nas ruas e rodovias, às vezes ziguezagueando
perigosamente entre os veículos maiores. Elas carregam como atrativos extras
uma aura de liberdade, romantismo e rebeldia que até o cinema já soube explorar
muito bem, em clássicos como "Easy Rider" e "O selvagem da motocicleta", que
empolgaram milhões de espectadores da época e ajudaram a popularizar as
motocicletas.
O que poucos vêem ou imaginam, no entanto, é que embora sejam menores,
compactas e aparentemente mais inofensivas que os carros, elas também são
nocivas para o meio ambiente e poluem muito mais que os automóveis. Isto até os
fabricantes admitem: "Se formos analisar friamente os números, a motocicleta
polui 10 a 12 vezes mais que os automóveis", confirma o diretor-executivo da
Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas, Ciclomotores,
Motonetas, Bicicletas e Similares, eng. operacional Moacyr Alberto Paes,
referindo-se às motos recém-fabricadas.
Mas outros especialistas da área dizem que as mais antigas podem emitir até 20
vezes mais poluentes ou, em alguns casos, como nas motos com motor de dois
tempos, até 50 vezes mais. São dados mais preocupantes ainda, quando se sabe
que a frota de motos vem crescendo aceleradamente e se luta tanto contra a
emissão de gases que provocam o aquecimento global, além das doenças
respiratórias, câncer e outras moléstias que estes poluentes causam.
A causa principal, dizem todos os técnicos ouvidos, é que a quase totalidade
das motos brasileiras ainda usa o sistema de carburador, onde o controle de
aceleração, desaceleração e outras funções do motor é todo mecânico, menos
eficiente e mais poluente que nas motos com injeção eletrônica e catalisador.
O catalisador é uma peça comum nos automóveis, formada por um núcleo cerâmico
ou metálico localizado no sistema de escapamento e que transforma grande parte
dos gases tóxicos liberados pelo motor em gases inofensivos e água, através de
reações químicas ocorridas dentro deste componente, explica o engenheiro
mecânico e mestrando da Ufrgs, Fabiano Disconzi Wildner.
Segundo a Escola de Educação Profissional Senai Automotivo, de Porto Alegre,
usam sistema de injeção eletrônica e catalisador, sendo por isso menos
poluentes, a XT 660 e a FZ 250 da Yamaha. E utilizam apenas catalisador a CG
150 Sport da Honda e a Twister (versão 2006). As versões importadas, em sua
maioria, têm estes dois recursos. Os motores de dois tempos em motocicletas,
que queimavam o óleo lubrificante junto com o combustível, causando grande
emissão de poluentes, não são fabricados desde 2000 em função do novo Código de
Trânsito.
E o problema não é apenas no Brasil. Notícia recente no site do Programa
Nacional da Racionalização do Uso dos Derivados do Petróleo e do Gás Natural,
o Conpet, vinculado ao Ministério das Minas e Energia, divulgou um estudo
realizado pelo Laboratório Suíço de Testes e Pesquisas que concluiu: "Em
comparação com os automóveis, a totalidade de motocicletas emite 16 vezes mais
hidrocarbonetos, três vezes mais monóxido de carbono e uma quantidade altíssima
de outros poluentes na atmosfera. Uma única motocicleta, com motor de quatro ou
dois-tempos, emite muito mais poluentes do que um utilitário-esportivo de
grande porte", diz o texto, publicado originalmente no jornal americano
Environmental Science & Technology.
A pesquisa destacou que é principalmente no caótico trânsito urbano que as
motocicletas aceleram mais, gastando combustível de forma ineficiente e
aumentando ainda mais as suas emissões. O eng. mecânico Fabiano Wildner lembra
o caso dos motoboys, que fazem malabarismos entre os carros exigindo o máximo
dos motores, e para acelerar um motor como eles fazem é necessário excesso de
combustível (a chamada mistura rica) que gera o CO (monóxido de carbono),
explica.
Para enfrentar esta situação existe o Programa de Controle de Poluição do Ar
por Motociclos e Veículos Similares (Promot), do Ministério do Meio Ambiente,
criado há apenas três anos, em 2003, que fixou para as motos, inicialmente, em
13 gramas o índice máximo de monóxido de carbono (o principal poluente) que
pode ser lançado ao ar por quilômetro rodado, em qualquer marca ou cilindrada.
Em 2006 este limite caiu para 5 gramas por quilômetro rodado e as motocicletas
estão saindo das fábricas, desde janeiro, já dentro deste parâmetro, garante o
diretor-executivo da Abraciclo.
Enquanto isso, o Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores
(Proconve) tem 20 anos, é de 1986, mas a evolução nas motos está sendo mais
rápida: "Nossa legislação para motocicletas é muito mais recente, mas em três
anos tivemos uma redução de mais de 50 por cento nos índices de emissões,
enquanto a indústria automobilística para chegar nos mesmos níveis levou o
dobro do tempo", diz Moacyr Paes. Regulagens na carburação, no motor e no
escapamento estão permitindo à indústria atender às exigências atuais Promot,
mesmo nas motos sem injeção eletrônica e catalisador.
Mas existe uma parcela significativa da frota de motocicletas no país anterior
ao Promot que não há como quantificar e nem como fazer o controle de poluentes,
já que isto acontece apenas na saída da fábrica. E somente dois laboratórios no
Brasil fazem a medição de emissões, um da Honda e outro da Yamaha, ambos em
Manaus, que estão cedendo parte de seu tempo ocioso para outras fábricas e
importadores, à pedido do Ibama.
O diretor do Programa de Proteção e Melhoria da Qualidade Ambiental do
Ministério do Meio Ambiente, que controla essa área, geólogo Ruy de Góes Leite
de Barros, adianta que em 2009 o limite legal será de dois gramas de CO por
quilômetro rodado, empatando com os carros. "Como os automóveis sairam na
frente nesta questão, hoje eles são mais eficientes que as motocicletas, pois
há 20 anos a quantidade de motos era muito pequena, e hoje a emissão para
carros já é de 2 g (chegando até a 0,4 g/km). Se começou mais intensivamente
com a frota de veículos automotores de quatro rodas e depois se regulamentou
as motos, foi uma prioridade absolutamente correta", afirma Barros.
Ele considera fundamental para uma melhoria mais significativa na qualidade do
ar a aprovação pelo Congresso Nacional do projeto de lei que regulamenta a
inspeção e manutenção de veículos, tanto no aspecto da segurança quanto da
poluição, incluindo as motocicletas.
Ruído também incomoda
O barulho estridente - e irritante - é outro problema ambiental causado pelas
motocicletas, mas existe uma legislação específica para o seu controle, a
Resolução Conama 02, de 11/02/93, estabelecendo os limites de ruído em níveis
aceitáveis. O diretor-executivo da Abraciclo, Moacyr Alberto Paes, garante que
as motos estão sendo todas fabricadas de acordo com estas normas, mas acontece,
segundo ele, que os motociclistas com alguma dificuldade no equipamento de seu
veículo tiram a surdina, simplesmente, ou compram um conjunto alternativo mais
barulhento que o original. Além disso, é ilusório acharem que sem a surdina o
motor vai ter mais desempenho, esclarece.
A contaminação do ar causada pela emissão de gases mais os ruídos por veículos
automotores pode levar a situações criticas de deterioração da saúde humana,
especialmente entre os grupos considerados de alto risco, como idosos, crianças,
asmáticos e mulheres gestantes, alerta o diretor do Programa de Proteção e
Melhoria da Qualidade Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, Ruy de
Leite de Barros. Pela sua ação no sistema nervoso central, o monóxido de
carbono é considerado inclusive um dos responsáveis por acidentes de trânsito,
pois é incolor, inodoro, por isso não é percebido pelos sentidos, causando
diminuição do estado de vigília e da capacidade perceptiva, enquanto o ruído
excessivo pode se refletir em perda de concentração e dos reflexos, cita Barros.
O engenheiro mecânico Gino Montanari, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da
Magneti Marelli, empresa sistemista que fornece componentes para as montadoras,
diz que o problema poderá ser resolvido somente com a introdução da injeção
eletrônica nas motocicletas, que, assim como nos veículos, vai permitir reduzir
as emissões em até 90%. A Magneti Marelli desenvolveu um sistema de injeção
eletrônica para motocicletas que introduz as mesmas tecnologias usadas nos
veículos, inclusive com a possibilidade para a moto de funcionar em versão
bicombustivel com o sistema SFS, Software Flexfuel Sensor. Já o
diretor-executivo da Abraciclo avalia que a emissão praticamente zero só será
viável algum dia com a utilização de combustíveis alternativos como o
hidrogênio ou com motores elétricos.
Ainda é possível evoluir muito, acredita, e hoje as motocicletas fabricadas no
Brasil, neste aspecto, estão no mesmo nível que as do primeiro mundo, garante
Moacyr Paes: "Quero deixar claro que a nossa indústria está realmente empenhada
em seguir as regulamentações nacionais e internacionais no que diz respeito à
emissão de poluentes e ruídos, altos investimentos estão sendo feitos neste
sentido", conclui o representante dos fabricantes de motocicletas. Ágeis e
rápidas, como sempre, elas correm para se adequar às novas exigências
ambientais.
As motocicletas no Brasil:
- A estimativa da produção de motocicletas no país, em 2006, é de 1.335.000
unidades, quase 90% para o mercado interno. Há dez anos, em 1996, foram
fabricadas 288.073.
- A frota de motocicletas no Brasil, emplacadas, é de cerca de oito milhões de
unidades, segundo a Abraciclo.
- Há sete fábricas de motocicletas no Brasil: Honda, Yamaha, Kasinski, Harley
Davidson (a única da marca fora dos Estados Unidos) e Sundown, associadas à
Abraciclo. Tem Mais duas não associadas à entidade, Suzuki e Kawasaki.
- Também existe a Agrale, em Caxias do Sul, mas com produção muito pequena.
- Está se instalando no país a Bramont, que vai produzir a marca Garini, e há
também vários importadores de cerca de dez marcas diferentes.
- O RS tinha 575.896 motocicletas licenciadas até dezembro de 2005,
correspondendo a 5,8% das vendas no país.
- Quase 90% das motocicletas em circulação no mundo são produzidas e
comercializadas na Ásia, onde correspondem a 75% da frota de veículos.
- Abraciclo - Associação Brasileira dos Fabricantes de Motocicletas,
Ciclomotores, Motonetas, Bicicletas e Similares: www.abraciclo.com.br
(Texto de Ulisses Nenê para a Conselho em Revista, 19/04/06)