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2006-04-20
O segundo maior produtor de grãos do Brasil, o município de Lucas do Rio Verde (MT), sofreu um acidente ambiental dentro de sua área urbana. As casas, as plantas frutíferas, ornamentais e medicinais, e as próprias pessoas ficaram expostas aos efeitos de uma pulverização ilegal de agrotóxicos. Segundo a associação de pequenos produtores, sindicatos locais e especialistas, o veneno era um herbicida dessecante para apressar a colheita da soja, cultura que trouxe os lucros para os grandes produtores da região.

Despejado irregularmente com um avião monomotor no início de março, o veneno é amplamente utilizado na monocultura da soja. O produto pode causar imediatamente vômitos, diarréias, dores de cabeça e, a longo prazo, até câncer. Para debater os efeitos do grande uso dos agrotóxicos, a Agência Brasil publica, desde o ultimos dia 13 de abril, uma série de reportagens sobre a contaminação, os efeitos dos venenos, a investigação do crime na cidade e o modelo de desenvolvimento baseado no agronegócio.

O estrago se estendeu desde as dezenas de pequenas hortas particulares, plantas frutíferas e ornamentais, o Horto de Plantas Medicinais, ligado à Fundação Padre Peter, e até as pessoas, que se queixaram de diarréias, vômitos e urticárias. Cerca de uma semana depois do acidente, dois especialistas chegaram ao município para avaliar o impacto do acidente ambiental: Wanderley Antonio Pignati, mestre em saúde coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e o engenheiro agrônomo James Cabral da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase).

Juntos, eles investigaram a contaminação e redigiram uma notificação, que foi encaminhada para diversos órgãos municipais, estaduais e federais de saúde e vigilância sanitária. Entre os prejudicados pela pulverização estão os pequenos produtores que vivem no entorno da cidade. O chacareiro Ivo Casonato, que perdeu toda a sua produção de frutas e hortaliças, disse que testemunhou o momento em que o avião fazia rasantes sobre a sua propriedade. "O céu estava cheio de nuvens pesadas. No horizonte, podia-se ver a cortina d´água. Do outro lado do Rio Verde, a menos de 500 metros, um avião fazia pulverização de agrotóxico sobre a lavoura de soja do vizinho", relata.

A bióloga Lindonésia Andrande, responsável pelo Horto Medicinal, disse que o efeito de veneno foi bem rápido. No dia seguinte à pulverização [dia 2 de março], o estrago já era visível em toda a cidade. "As folhas ficavam como um papel amassado e queimado, outras ficavam todas perfuradas e em volta dos furos logo começava a necrosar [apodrecer]. No quarto dia as folhas entraram em necrose total e começaram a cair", lembra.

Depois do acidente, foi instalado pelo Ministério Público um procedimento administrativo para apurar os fatos. A pedido da promotoria, a Delegacia de Policia Civil de Lucas do Rio Verde abriu inquérito civil e criminal. Até hoje, no entanto, ainda não foram feitas as perícias para identificar as provas materiais do crime. (original)

Especialistas notificaram órgãos públicos responsáveis pela fiscalização
Cerca de uma semana depois da pulverização de agrotóxicos por uma aeronave, sobre a cidade de Lucas do Rio Verde, dois especialistas chegaram ao município para avaliar o impacto do acidente ambiental. Wanderley Antonio Pignati, mestre em saúde coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), e o engenheiro agrônomo James Cabral da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), constataram os danos causados pelo veneno e informaram aos orgãos responsáveis pela vigilância sanitária sobre o crime.

"Quando estivemos nos órgãos municipais e estaduais, expressarmos nossas preocupações. Na época, tanto a Secretaria de Agricultura e Meio Ambiente, como o Instituto de Defesa Agropecuária do Estado do Mato Grosso [responsável pela fiscalização no estado] disseram que estão investigando para achar os culpados por "aquele acidente de deriva de agrotóxico, que ocorre quase todos os anos sobre a cidade de Lucas do Rio Verde. Mas neste ano foi muito sentido pela população e plantas da cidade. Foi fora do normal", relataram.

A notificação incluia providências para conter o avanço da intoxicação que passa pela cadeia produtiva. Entre elas, as verduras e legumes remanescentes da pulverização não deveriam ser vendidas em feiras; os venenos, como o Paraquat, não devem ser pulverizados por avião; e que uma investigação constante deve ser feita na água para avaliar uma possível contaminação.

A equipe de reportagem da Radiobrás chegou a Lucas do Rio Verde um mês após o acidente descrito pelos dois especialistas da Universidade Federal do Mato Grosso. O resultado ainda podia ser visto por toda a cidade. As folhas novas das plantas, que nasceram nos últimos 30 dias, não apresentam furos, necroses e pedaços queimados como aquelas que foram banhadas pela neblina de agrotóxico. Isso exclui, segundo os especialistas, a possibilidade de serem fungos que atacaram a vegetação.

A investigação ainda não mostrou a dimensão desta pulverização na cidade. Os técnicos, contudo, questionam os efeitos cumulativos na população. "E nas pessoas? Onde estão as folhas perfuradas pelo veneno?", comparou o doutor Wanderley Antonio Pignati em entrevista concedida à Agência Brasil em Cuiabá, capital do Mato Grosso.

Pequenos agricultores sofrem com pulverizações sem controle de agrotóxicos
No município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, existe um cinturão em torno da cidade ocupado por pequenos produtores de hortaliças, chamados de "chacareiros". São mais de 100 produtores filiados à Associação dos Chacareiros. Cerca de 40 deles estão em propriedades que circudam a cidade.

Segundo o presidente da associação, Celito Trevisan, todos os membros foram convocados para registrar as perdas que tiveram em decorrência da cidade ter sido pulverizada por uma nuvem de agrotóxicos trazida pelos ventos - a "pulverização por deriva", como eles chamam. Até o momento, 14 pequenos produtores registraram prejuízos da ordem de R$ 100 mil.

Celito explica que o prejuízo e o número de atingidos certamente foi bem maior, mas que "as pessoas não denunciam porque têm medo das represálias". Segundo o especialista em saúde pública, o veneno pulverizado é aplicado por aeronaves agrícolas sobre as plantações de soja. O chacareiro Ivo Casonato, por exemplo, conta que nos últimos quatro anos teve prejuízos com as aplicações de agrotóxicos pelo vizinho. Segundo ele, no ano passado, perdeu quase toda a produção de 45 mil pés de tomate, além de um melancial e limoeiros que já estavam produzindo.

O agricultor, que não utiliza veneno em sua produção, chegou a processar o vizinho pelas perdas com o agrotóxico. A equipe de reportagem da Agência Brasil não conseguiu localizar o proprietário das terras para comentar o fato. Casonato afirma que ele costuma utilizar o dessecante para soja, como o que parece ter caído sobre Lucas do Rio Verde. "Seu Ivo" explica que esse dessecante é utilizado para apressar a colheita, uma vez que o tempo está chuvoso e a soja precisa ser colhida rapidamente para plantarem a segunda lavoura do ano: o milho da safrinha, por exemplo.

"O avião faz o balão aqui em cima", mostra seu Ivo, apontando para o céu e descrevendo com o dedo indicador a rota percorrida pela aeronave. "Ele gira em torno desse pé de jatobá e vai rasante sobre a minha lavoura – ele podia manobrar esse avião lá pelo lado de lado de lá", descreve.

Sergio Miller também é chacareiro. Tem uma pequena propriedade de poço mais de quatro hectares, na direção oposta à da chácara de "Seu Ivo". Ele produz principalmente verduras de folha: alface, rúcula, couve, cebolinha e outros temperos verdes e rabanetes. Ele se orgulha de não usar agrotóxicos. "As verduras e os legumes podem não ser tão bonitos, lisinhos, mas quem consome tem a certeza de que não vai fazer mal a saúde. Nem tudo que brilha é ouro", afirma.

Sergio perdeu toda sua produção de hortaliças devido ao veneno pulverizado sobre a cidade e pediu aos clientes "que tivessem paciência, que logo teria verduras de novo". Segundo ele, "toda essa produção que estava plantada , principalmente as folhas, a gente jogou fora".

Veneno destrói anos de pesquisa em horto medicinal
Para a bióloga Lindonésia Andrade, responsável pelo Horto Medicinal da Fundação Instituto Padre João Peter, o dia 1º de março deste ano ficará na história como o dia em que ela perdeu anos de sua pesquisa sobre plantas medicinais e seus efeitos fitoterápicos. Segundo ela, "anos de pesquisa foram por água a baixo, num só dia, devido à irresponsabilidade de um sujeito que passa pulverizando numa área muito próxima à cidade".

Para a população de Lucas do Rio Verde também farão falta as plantas medicinais utilizadas pelo Instituto, uma vez que era a partir delas que a bióloga preparava os medicamentos que servia gratuitamente aos doentes carentes da cidade que a procuravam. "Muitos doentes que estavam fazendo tratamento com nossos remédios tiveram que interromper", afirmou.

Andrade disse que o efeito de veneno foi bem rápido. No dia seguinte à pulverização [dia 2 de março], o efeito já era visível em toda a cidade: hortas, quintais e a vegetação ornamental da cidade foram atingidas. Ela descreve que: "as folhas ficavam como um papel amassado e queimado, outras ficavam todas perfuradas e em volta dos furos logo começava a necrosar [apodrecer]. No quarto dia as folhas entraram em necrose total e começaram a cair".

A bióloga explica que esse veneno também tem o poder de diminuir a ação de crescimento das plantas. "Nós tivemos que fazer uma poda radical e só agora [dia primeiro de abril] as plantas estão começando a soltar novas gemas [brotos]. Nós vamos acompanhar para ver o que vai ser possível aproveitar ou o que teremos que erradicar e plantar novamente".

O Horto Medicinal contava com mais de 200 espécies de plantas catalogadas. Muitas ervas ocupavam canteiros inteiros que hoje estão limpos. As plantas tiveram que ser arrancadas. Um caminhão saiu carregado de galhos, ramos e folhas mortas resultante da poda radical. Ela explica que muitas variedades são bastante raras, só dão sementes uma vez ao ano e demorarão muito para se recuperar.

A responsável pelo Horto Medicinal suspeita que o veneno utilizado tenha sido o Paraquat, um poderoso agrotóxico utilizado para dessecar as folhas da soja e apressar a colheita. "Um veneno que nos países desenvolvidos nem se utiliza mais, porque é do tipo 1, é muito tóxico, alem de prejudicar a vegetação, ainda prejudica outros os seres vivos, inclusive nós", disse.

Nos seres humanos esse agrotóxico tem um efeito cumulativo, explica a bióloga. "Quanto mais lento pior, porque os efeitos rápidos, dor de cabeça, vômito e diarréia, são fáceis de identificar, mas os efeitos lentos, futuramente podem levar a diversas pessoas daqui da cidade e da região próxima, a desenvolver diversos tipos de tumores malignos como, por exemplo, câncer de próstata, de testículos, as mulheres podem ter câncer de ovário, de mama. É uma preocupação, é um caso de saúde pública, porque futuramente nós vamos ter pessoas doentes na cidade".

A Fundação Padre João Peter, junto com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais e a Associação dos Chacareiros de Lucas do Rio Verde, foram as entidades da sociedade civil que encaminharam a denúncia ao Ministério Público e à Universidade Federal do Mato Grosso.

Pulverizações de agrotóxico se repetem todo ano
Segundo o chacareiro Sergio Miller, morador do entorno da cidade de Lucas do Rio Verde, "gora as pulverizações pararam, porque acabou a colheita da soja, mas todo ano acontece isso". Ele se refere ao acidente que no dia 1º de março lançou uma nuvem de veneno sobre o município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, deixando plantas e pessoas expostas ao veneno.

"São pilotos que querem aparecer que sobrevoam a cidade com aviões agrícolas utilizados para pulverizar agrotóxicos sobre as lavouras". Ele explicou que, com o vento forte, apenas algumas gotas do veneno que saiam dos tanques das aeronaves são suficientes para provocar uma neblina sobre toda a cidade. , acrescentou.

Sergio Miller tem uma pequena propriedade de pouco mais de quatro hectares onde produz hortaliças. Após a pulverização que ocorreu este ano, ele teve erradicar toda a sua produção. Segundo ele, o poder público deveria ser mais rigoroso e fiscalizar quem utiliza agrotóxicos. "Eles jogam isso pra gente, acham que a gente tem que fiscalizar, tem que pegar o prefixo do avião, tirar foto. Só que nosso instrumento de trabalho é uma enxada, não é uma máquina fotográfica".

O chacareiro acha que as autoridades deveriam fazer cumprir a lei, que determina que certos tipos de agrotóxicos não podem ser aplicados por aviação agrícola e que esse tipo de pulverização só pode ser feita a uma certa distância da zona urbana. "Quando acontece esses vôos, eles precisam saber por que o avião esta passando por cima da cidade, saber qual a origem dele, o que ele esta fazendo, ver se ele não tem outra rota para passar. Acho que se eles [as autoridades] quiserem, isso é muito fácil de controlar", afirmou Sergio Miller.

Chacareiro relata como aconteceu pulverização por agrotóxicos
O chacareiro Ivo Casonato, um dos mais prejudicados pela pulverização ilegal de agrotóxicos sobre a cidade de Lucas do Rio Verde, no dia 1º de março, diz que foi testemunha do crime que dizimou plantações de pequenos produtores, plantas ornamentais e medicinais, além de expor a população de 25 mil habitantes ao veneno.

Casonato conta que nos últimos quatro anos teve prejuízos com as aplicações de agrotóxicos. Segundo ele, no ano passado, perdeu quase toda a produção de 45 mil pés de tomate, além de um melancial e limoeiros que já estavam produzindo. "O avião faz o balão aqui em cima", mostra ele, apontando para o céu e descrevendo com o dedo indicador a rota da aeronave. "Ele gira em torno desse pé de jatobá e vai rasante sobre a minha lavoura – ele podia manobrar esse avião lá pelo lado de lado de lá."

Mesmo tendo outras rotas para fazer o retorno, o piloto de monomotor vermelho, segundo ele, insistia em dar rasantes sobre a sua propriedade. Após cada passada do avião, uma nuvem fina "como uma neblina" tomava conta do ar, informou o chacareiro. As conseqüências dessa "neblina", seria sentida nos dias seguintes, em diversos pontos por toda a cidade. Até agora, o Ministério Público, a Polícia Civil e os órgãos estaduais responsáveis pela fiscalização não identificaram os autores.

Contudo, o chacareiro desconfia que a pulverização que atingiu a cidade partiu do monomotor que sobrevoava a sua propriedade para despejar veneno sobre a plantação de soja de seu vizinho. Procurado pela Agência Brasil, o proprietário das terras não foi encontrado para esclarecer o caso. Em 2005, Ivo Casonato já havia processado o vizinho pelo mesmo motivo. O chacareiro chegou a fotografar o avião monomotor que acabou com a sua produção de melancia, seu pomar de limões, além de abóboras e mandiocas. Neste ano, ele perdeu o milharal.

Hoje, ele se diz "revoltado" com a possibilidade de um novo processo "não dar em nada" e ter novamente que arcar com os prejuízos. O agricultor, que não utiliza veneno em sua produção, explica que o tipo de agrotóxico que caiu sobre sua plantação é o dessecante para soja, como o que parece ter caído sobre Lucas do Rio Verde. Casonato explica que esse veneno é utilizado para apressar a colheita, uma vez que o tempo está chuvoso e a soja precisa ser colhida rapidamente para plantarem a segunda lavoura do ano: o milho da safrinha, por exemplo.

Órgãos públicos ainda não fizeram perícias para investigar crime ambiental
Sete dias após a pulverização irregular de agrotóxicos que atingiu o segundo maior produtor de grãos do país, o município de Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso, a promotora do Ministério Público Patrícia Euleutério Campos recebeu as denúncias do caso e abriu investigação. A Delegacia de Polícia Civil, o Instituto de Defesa Agropecuária (Indea) e o Ministério da Agricultura no estado também acompanham o caso. Até agora, nenhum dos órgãos colheu provas materiais que indiquem os responsáveis pelo crime.

Ouvidas as vítimas, pequenos produtores de hortifrutigranjeiros e os coordenadores do Horto Medicinal do Instituto Padre João Peter, foi instalado um procedimento administrativo para apurar os fatos. Para esclarecer a responsabilidade, a promotora precisa saber primeiro qual veneno foi utilizado, como foi aplicado e por quem. A Delegacia de Policia Civil de Lucas do Rio Verde, a pedido do Ministério Público, abriu inquérito civil e criminal para investigar o caso.

O Ministério Público solicitou uma perícia ao Centro de Apoio Operacional do MP em Cuiabá, mas, até agora, mais de um mês após a pulverização, a investigação ainda não foi feita. O órgão estadual responsável pela fiscalização, o Indea, também não colheu amostras. O Ministério da Agricultura no estado alega que só foi comunicado oito dias após o acidente, quando o prazo para colher o material contaminado já tinha acabado.

A fiscal federal agropecuária Márcia Albuquerque, que esteve em Lucas do Rio Verde no dia 9 de março, relatou que as não amostras das plantas danificadas não foram coletadas porque o prazo havia inviabilizado o teste de resíduos químicos. "Não havia resultados para apresentar", explicou.

A Secretaria Municipal de Agricultura e Meio Ambiente reconhece que notificou o fato apenas uma semana depois. Para identificar o tipo de veneno utilizado, a promotora de Justiça precisava dos exames que deveriam ter sido feitos pelo Ministério da Agricultura. "O Ministério Público só vai desistir da realização da perícia quando tiver uma informação oficial dessa impossibilidade", disse, ao ser informada que o órgão federal não realizou as perícias.

Secretaria municipal reconhece que aviões sem registro fazem pulverização de agrotóxico
A promotora do Ministério Público Patrícia Euleutério Campos descobriu que apenas duas aeronaves de duas empresas estão autorizadas a realizar a pulverização de agrotóxicos sobre as plantações no município de Lucas do Rio Verde, onde, no início de março, a área urbana da cidade foi coberta por uma nuvem de veneno. Os registros estão no Ministério da Agricultura no Mato Grosso.

Depois do acidente com o agrotóxico, a secretária municipal de Agricultura e Meio Ambiente, Luciane Bertinato Copeti, em parceria com o Ministério Público, fez um levantamento inicial e descobriu que existem pelo menos mais nove aeronaves de propriedade de fazendeiros que não estão registradas no Ministério da Agricultura.

"Alguém estava fazendo essa pulverização, próxima do perímetro urbano, e houve um inversão térmica, o que provocou essa deriva, que veio a ocasionar o problema no município de Lucas do Rio Verde. E não há fiscalização aérea para o município de Lucas do Rio Verde", reconhece.

A Agência Nacional de Aviação Civil informou, por meio do superintendente regional, coronel Gusmão, que o órgão não tem nenhum tipo de controle sobre essas aeronaves. "Elas geralmente decolam de campos de pouso das próprias fazendas, sem relatórios ou planos de vôo, passam a baixa altitude e não são identificados pelos radares", explica o coronel.

Médicos têm dificuldades em diagnosticar intoxicações por agrotóxicos
Os sintomas da intoxicação por agrotóxicos nos seres humanos podem ser confundidos com sintomas de outras doenças como a dengue ou a rotavirose, segundo o coordenador de Vigilância em Saúde Ambiental da Secretaria de Estado da Saúde do Mato Grosso, Oberdã Ferreira Coutinho. Somente uma investigação aprofundada poderia diagnosticar se a população de Lucas do Rio Verde, cidade pulverizada por agrotóxicos, foi afetada ou contaminada.

Para o secretário municipal de Saúde, Paulo César as estatísticas sobre o atendimento médico nos hospitais, postos e centros de saúde do município, disponíveis até o momento, ainda não permitem identificar se houve intoxicação da população. Segundo ele, nessa época do ano aumenta a incidência de dengue e rotavirose. Em virtude disso, os médicos têm dificuldade em diferenciar os sintomas que podem ser muito parecidos com os da intoxicação aguda por agrotóxicos.

Segundo o pólo regional de Saúde de Sinop, foram diagnosticados 41 casos de dengue em Lucas do Rio Verde entre janeiro e março. Desses, apenas seis casos foram confirmados. A diferença é questionada pelo mestre em saúde pública Wanderley Antonio Pignati, do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT). "Os outros 35 casos diagnosticados como dengue e não confirmados não seriam intoxicações agudas por agrotóxicos?", pergunta.

O doutor Pignati fez uma analise comparativa dos dados sobre casos de intoxicação notificados pela saúde pública de Lucas de Rio Verde e dos municípios vizinhos. Segundo ele, municípios que têm uma produção de grãos muito menor do que Lucas, que é o segundo maior produtor de grãos do estado de Mato Grosso, chegam a apresentar estatísticas 48 vezes superiores.

"Quanto maior a produção de grãos do município, maior é o consumo de agrotóxicos e, pela lógica, maior deve ser a incidência dos casos de intoxicação por esse tipo de veneno. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), para cada caso notificado de intoxicação por agrotóxicos, 50 casos deixam de ser notificados", diz o mestre em saúde pública da UFMT.

Serviço de abastecimento garante que água de cidade do MT não está contaminada
Para o diretor do Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) do município de Lucas do Rio Verde, Daltro Sergio Filho, a água fornecida para a população não está contaminada, mesmo após a pulverização de agrotóxico sobre a área urbana da cidade no início de março. "Ela é de ótima qualidade. Fazemos testes diariamente conforme determina a portaria n. 518 do Ministério da Saúde. A nossa água é captada em oito poços profundos, poços artesianos", informou.

Os testes realizados diariamente pelo serviço de abastecimento de água da cidade são exames bacteriológicos que verificam a presença de germes e bactérias na água. Mas, segundo o doutor Wanderley Antonio Pignati, mestre em saúde pública da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), esse tipo de exame não consegue detectar a presença de resíduos químicos na água. Segundo ele, existem pesquisas que comprovam a presença de resíduos de herbicidas, fungicidas e inseticidas em poços artesianos com 100, 150 ou até 200 metros de profundidade.

"Tudo depende do tipo de solo, há solos mais e outros menos permeáveis à infiltração da água das chuvas, depende também da época do ano. No período chuvoso os resíduos são levados com mais rapidez para o lençol de água", informou o especialista da UFMT. Segundo Daltro Sergio Filho, periodicamente o município manda realizar o teste de resíduos químicos em laboratório particular: o Lacem. "Até o presente momento não tivemos notificação de nenhum resíduo químico na água que fornecemos", garante.

Especialista contesta exame da qualidade da água em Lucas do Rio Verde
Para o doutor Wanderley Antonio Pignati, mestre em saúde pública da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), a análise de resíduos químicos realizada pelo Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) de município de Lucas do Rio Verde, não obedece aos padrões e normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Isso, segundo ele, não pode garantir que a água que abastece a cidade não esteja contaminada por agrotóxicos.

Segundo o especialista, a Anvisa determina que esse tipo de exame, quando realizado em laboratórios particulares, tem que obedecer a determinadas normas, como por exemplo, as amostras de água têm que ser coletadas na presença de testemunhas e ser enviadas a pelo menos três laboratórios diferentes. No caso de Lucas de Rio Verde, as amostras foram coletadas pelo próprio Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) do município, conforme consta do laudo de um único laboratório particular que realizou a análise das amostras, coletadas em 21/03/2006: a Analítica Analises Químicas e Controle de Qualidade de Cuiabá.

Outra falha apontada pelo doutor Pignati refere-se ao fato de que o laboratório realizou testes para verificar a presença ou não de apenas dez princípios ativos. No Brasil, porém, existem mais de 650 princípios ativos que podem ser encontrados nos produtos que estão no mercado. O médico afirma que o laboratório não pode atestar que não existem resíduos químicos de herbicidas, pesticidas, desfoliantes e fungicidas, de maneira geral, conforme consta do laudo da análise feita pelo laboratório particular de Cuiabá. "No máximo, eles poderiam afirmar que não encontraram resíduos desses dez princípios ativos que eles analisaram."

Outro problema apontado pelo médico da UFMT é que os agrotóxicos têm seus princípios ativos modificados quando entram em contato com a água, o sol e o solo e se decompõem em metabólitos que podem ser tão ou mais perigosos para a saúde humana do que os próprios princípios ativos.

Como exemplo ele cita o caso do Paraquat, que é utilizado nas pulverizações para secar a vegetação. "O Paraquat entra em reação quando é exposto ao sol – ocorre uma fotólise e em uma semana o veneno original desaparece. Se você procurar pelo principio ativo do Paraquat, após uma semana você não vai encontrar, mas seu metabólito, que é altamente cancerígeno, vai estar lá, presente na amostra com a forma de Alfa-Paraquat. Se você não fizer os testes específicos para detectar o metabólito Alfa-Paraquat, você não vai encontrá-lo", explicou.

Moradores de Lucas do Rio Verde suspeitam da qualidade da água
"A gente está banhando com água envenenada", afirmou Hilária Vandcheer, moradora de Lucas do Rio Verde (MT), cidade localizada a 280 quilômetros ao norte de Cuiabá, pulverizada por uma nuvem de agrotóxicos no dia 1º de março. "Aqui tem bastante gente com alergia. Geralmente quando sai do banho é que dá uma vontade de ficar coçando. Provavelmente tem alguma coisa na água", suspeita Hilária.

"A gente vai trocando de sabonete. Eu falo com o vizinho e outras pessoas. Eu troquei de sabonete, mas a coceira continua. A gente vai falando com um, com outro e todo mundo tem essa alergia. Na família todo mundo tem a mesma coceira, os vizinhos também, então não pode ser o sabonete. Deve ser a água", afirmou.

Outro morador da cidade, Celito Trevisan, afirmou que "antigamente a gente nunca ouvia falar em alergia, sarna, bronquite, coceira. Hoje é impressionante, todo mundo na cidade tem algum tipo dessas doenças. Como é difícil saber se as causas são os agrotóxicos que estão no ar, na água, as pessoas ficam achando que é a roupa, que é o perfume, que é o sabonete, que são coisas palpáveis que podem ver. A contaminação com agrotóxico é invisível e então é mais fácil acreditar naquilo que você pode ver".

A professora Cleuza Marchesan de Marco afirma que na escola onde leciona, "todos os dias tem um índice alto de alunos se ausentando por problemas digestivos, diarréias, dores de cabeça". Para ela fica sempre a duvida se as causas são as contaminações com agrotóxicos que estão nos alimentos, no ar, na água ou se as causas podem ser outras.

Até agora, a investigação da pulverização irregular de agrotóxicos sobre a cidade não produziu as provas para identificar a responsabilidade sobre o crime. Os testes do Serviço Autônomo de Abastecimento de Água e Esgoto (SAAE) do município de Lucas do Rio Verde não apontam contaminação. Mas o mestre em saúde pública responsável pela denúncia do caso questiona os métodos de análise. "No máximo, o serviço pode afirmar que não encontrou resíduos em dez princípios ativos que eles analisaram", explica em referência aos mais de 650 existentes hoje no Brasil.
(Agencia Brasil, 19/4)
http://www.radiobras.gov.br/materia_i_2004.php?materia=262123&q=1

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