Cem anos depois, San Francisco continua correndo risco de grande terremoto
2006-04-19
Um século depois do terremoto que devastou a cidade, San Francisco, no norte da Califórnia (oeste), continua exposta a um tremor de grande magnitude, cujas conseqüências humanas, materiais e econômicas podem ser muito mais graves que as do furacão Katrina. Muitas são as analogias entre o mortífero terremoto de 18 de abril de 1906, que quase riscou San Francisco do mapa, e o cataclismo que atingiu Nova Orleans (Luisiana, sul) no fim de agosto de 2005.
Foram dois desastres naturais sem precedentes, que destruíram cidades costeiras dos Estados Unidos. E nos dois casos, a má resposta do governo piorou a catástrofe e o racismo assolou os sobreviventes. "Foi muito parecido com o Katrina", disse Aimee Klask, curadora do Museu de Oakland, no leste da baía de San Francisco, onde atualmente está sendo exibida uma mostra sobre o tremor de 7,8 graus na escala Richter que destruiu a cidade mais povoada da Califórnia em 1906. "É difícil não fazer este tipo de comparação", acrescentou.
Os serviços de socorro de San Francisco e de toda a Califórnia acreditam que o Katrina e o centenário do terremoto vão convencer os habitantes do Estado de que é preciso se preparar para o pior. Os sismólogos estimam em 62% as possibilidades de que, nos próximos 26 anos, um terremoto devastador atinja a região de San Francisco, construída completamente sobre a falha de San Andrés. A cidade tem 750.000 habitantes; e sua área metropolitana, dez vezes mais.
A repetição de um terremoto como o de 1906, ou mesmo de um tremor menos intenso com epicentro situado abaixo da área urbana, "provocaria o caos", afirmou o sexólogo Jack Boatwright, do centro americano de estudos geológicos Geological Survey (USGS). Além disso, causaria estragos na multimilionária e florescente economia de Califórnia. "Não estou preparada", disse Shamela McClain, uma moradora da cidade de 23 anos. "Dá um pouco de medo. Agora, temos de nos preocupar com isso, com os tsunamis, a gripe aviária e o terrorismo".
As autoridades pedem que os californianos aprendam a lição do Katrina e não fiquem esperando a ajuda governamental, aconselhando-os a preparar seus próprios kits de sobrevivência, que devem incluir desde água engarrafada e medicamentos até cobertores, comida e rádios que utilizem energia solar. A idéia é que as pessoas sejam capaz de se auto-abastecer durante pelo menos três dias.
Estudos feitos pelo governo revelam que os hospitais, escolas, apartamentos, casas de madeira e prédios de escritório, entre eles vários arranha-céus, desmoronariam com um grande terremoto. Em 1906, ironicamente, não foi o terremoto em si que provocou os maiores danos e mortos - estimados em 3.000 -, mas a má gestão das autoridades. "Não foi culpa da terra. Foi culpa das pessoas", resumiu Klask.
O terremoto, ocorrido às 05H12 da manhã, rachou as ruas, derrubou casas de madeira, afundou edifícios e soltou o gás dos canos quentes. Para tentar apagar o enorme incêndio, o general Frederick Funston, veterano da guerra entre Estados Unidos e Espanha, tomou o controle da situação e mandou casas para os ares à base de dinamite, estendendo ainda mais as chamas.
O "Great Fire" (Grande fogo) ardeu durante três dias, e a metade dos 400. Para agravar a situação, as operações de ajuda e reconstrução se caracterizaram pela discriminação racial. O Japão foi o maior contribuinte dos cerca de nove milhões de dólares de ajuda internacional. No entanto, os nipo-americanos foram rejeitados no acampamento municipal montado para as vítimas e tiveram de formar seu próprio campo de refugiados no famoso Tea Garden, no parque da Golden Gate, contou Klask.
Os chineses, que começaram a chegar na metade do século XIX para construir as estradas-de-ferro, também foram tratados com dureza. As autoridades quiseram aproveitar a catástrofe para deslocar o bairro de Chinatown para a periferia, mas a comunidade resistiu e permaneceu. San Francisco voltou a ser sacudida por um tremor recente em 1989, quando o mortífero Loma Prieta (de 6,9 graus na escala Richter) destruiu edifícios e ruas e também uma parte da Bay Bridge, a ponte que une as cidades de San Francisco e Oakland. O terremoto provocou 66 mortes.
(AFP, 17/04/06)
http://noticias.uol.com.br/ultnot/afp/2006/04/17/ult34u152519.jhtm