ICMS verde ajuda pouco a preservação do meio ambiente
2006-04-19
Quando o mineiro José Gomes da Silva Santos chegou para "puxar banana" nas fazendas do município paulista de Pedro de Toledo, na década de 70, a região do Vale do Ribeira era a maior produtora de nanica do país. Depois de trabalhar "para os outros", o agricultor arriscou a produção própria há cerca de dois anos, quando resolveu plantar 1,5 mil mudas da fruta. Ele próprio abriu uma picada na área próxima ao pedaço de terra onde, junto com a mulher, cria algumas galinhas e planta apenas para "tirar e comer".
O sonho, porém, durou pouco. O agricultor de 64 anos foi autuado pelo Instituto Florestal porque desmatou uma área de proteção ambiental. Santos e sua esposa vivem num terreno em pleno Parque Estadual da Serra do Mar. Há 22 anos no local, os dois formam uma das 350 famílias de Pedro de Toledo instaladas "temporariamente" numa área de proteção ambiental na qual é proibida a presença de moradores.
Se considerado um padrão de três pessoas por família, a população no parque ultrapassa os mil habitantes somente no trecho dentro de Pedro de Toledo. O número significa um décimo da população do município. As áreas invadidas, porém, não são deduzidas na conta do chamado ICMS (Impostos sobre Circulação de Mercadorias e Serviços ) verde ou ICMS ecológico, cota de imposto que o Estado de São Paulo arrecada e repassa a 180 municípios como compensação por abrigar áreas de proteção ambiental sob administração do Estado.
Embora rendam às prefeituras um repasse que chega a alcançar 40% de seus recursos totais, os valores de ICMS verde não garantem, na prática, a preservação ambiental ou a solução para a ocupação ou exploração ilegal de matas protegidas por lei.
"Teoricamente a parte ocupada deveria ser subtraída, já que não pode mais ser considerada como de proteção intensiva. Mas os valores de ICMS verde são muito importantes para os municípios", diz Alexandre Aguilera, biólogo do Instituto Florestal, órgão que administra os parques estaduais, e diretor do núcleo Pedro de Toledo da Serra do Mar.
A ocupação, segundo ele, chega a 3% do total do parque e a 4% do núcleo, que inclui os municípios de Pedro de Toledo, Miracatu e Juquitiba.
Pedro de Toledo é o terceiro município paulista mais dependente do repasse ecológico do ICMS. Em 2004, o valor total repassado de ICMS verde para o município atingiu R$ 1,36 milhão, 49,71% a mais que os R$ 908,4 mil de ICMS repassado devido ao valor adicionado no município e mais que o dobro dos R$ 573,5 mil gerados com arrecadação própria de ISS e IPTU. Incluindo o repasse obrigatório de recursos federais, o ICMS ecológico responde por 28,99% das receitas totais de Pedro de Toledo. São os dados mais recentes disponíveis na Secretaria de Estado do Meio Ambiente de São Paulo, responsável pelo cálculo do ICMS verde.
A idéia do ICMS ecológico é compensar os municípios que não conseguem se desenvolver como os demais em função das restrições ecológicas. Pedro de Toledo, que tem até hoje a bananicultura como principal atividade, possui 75% de sua área territorial sob preservação ambiental, o que limita a instalação de indústrias ou até mesmo a ampliação da atividade agrícola.
"Em função de ser área preservada, 99% das propriedades agrícolas não possuem registro legalizado, o que restringe acesso a crédito para o produtor e o desestimula para investir", explica o engenheiro agrônomo da secretaria municipal de Agricultura de Pedro de Toledo, Eduardo Tamashiro.
O resultado, estima ele, foi uma redução de 20% na área total cultivada do município e uma produtividade que estacionou desde 1996 nas 20 toneladas por hectare ao ano. Vizinhos do Vale do Ribeira, como Registro, chegam a atingir 35 toneladas por hectare ao ano.
Exatamente em função da natureza de compensação, os recursos do ICMS verde, porém, não são "carimbados". Não precisam ser destinados à preservação ambiental. "Não há obrigação legal. Na verdade, essa é uma discussão mais política do que jurídica", analisa o advogado especializado em meio ambiente Antonio Lawand, do escritório Braga & Marafon. "As prefeituras recebem valores em função da existência de áreas de proteção, mas não possuem interesse político de remanejar populações que se instalam irregularmente. Isso significa perda de votos."
O diretor do núcleo Pedro de Toledo no Parque da Serra do Mar, Alexandre Aguilera, lembra do impacto social. Segundo ele, a intenção é estudar alternativas econômicas porque os moradores irregulares vivem da agricultura de subsistência.
Uma visita ao parque, porém, revela que a "população temporária" não é homogênea. O pedreiro Oswaldo Costa, de 58 anos, está em Pedro de Toledo desde 1985, quando chegou para trabalhar em algumas obras da prefeitura. Passou a fazer bicos quando as eleições trouxeram um novo prefeito. Baiano que "faz de tudo", resolveu montar um bar em 1997 em pleno parque. Em dias bons, vende R$ 150 principalmente em cerveja para turistas que se refrescam numa cachoeira a 500 metros de distância.
Costa diz que hoje mora com a mulher dentro do parque. "Eu morava no centro da cidade, mas gastava muita gasolina indo e voltando todos os dias", lembra. "Então aluguei a casa na cidade e vim para cá", diz.
Não muito longe dali, no próprio bairro batizado de Ribeirão Grande, o caseiro Sebastião Nunes Trindade trabalha o terreno onde cuida de galinhas e de uma represa com peixes, além de plantar banana, mandioca, laranja, entre outros. Tudo para "tirar e comer". Ele conta que os donos do imóvel moram na Grande São Paulo. "O pai, mãe e duas filhas vêm para cá nos fins de semana e feriados", conta.
E eles poderiam estar ali? A resposta dos moradores é quase sempre a mesma. "É, dizem que não. Dizem que aqui já é o parque."
Segundo o advogado Antonio Lawand, a resposta do Judiciário à pergunta varia conforme o caso. "Se o morador prova necessidade premente, como a falta de outro lugar para viver, a Justiça costuma garantir até mesmo acesso à infra-estrutura mínima e a condições dignas de vida", explica. "Mas a tendência é a retirada ser determinada no caso de comerciantes que não se limitam a vender produtos básicos para atender à comunidade local ou casas usadas para lazer em fins de semana."
Regulares ou não, as chamadas casas de veraneio são, para alguns munícipes, um reflexo de que o turismo poderia ser um alternativa que Pedro de Toledo poderia explorar para ter as áreas de preservação como aliadas e não como fator de restrição à expansão econômica. Hoje as casas de veraneio representam 60% das vendas da Arts Laje, casa de material de construção do município. "Há dez anos era apenas 10% ", diz Wagner de Oliveira Gaertner, proprietário da loja e vice-presidente da associação comercial local.
Algumas experiências, porém, mostram que aposta total no turismo nem sempre é solução. Um bom exemplo é Iporanga, o município paulista com o maior grau de dependência do ICMS verde, que corresponde a 43,26% das receitas totais do município e a 74,88% do repasse total de ICMS. A área sob proteção ambiental mais importante da cidade é o Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira (Petar), onde também é proibida a presença de moradores e atualmente vivem cerca de 200 famílias. No parque, famoso pelas cachoeiras e principalmente pelas cavernas, é permitido somente o que hoje é batizado como "turismo de aventura".
O grande problema da região está na extração clandestina de palmitos. Segundo o prefeito Ariovaldo da Silva Pereira, a qualificação de ex-palmiteiros como monitores para as trilhas no Petar contribuiu para reduzir a extração ilegal. "Há dois anos, a população que dependia economicamente dos palmiteiros foi reduzida a 10%, mas há dois anos voltou a crescer e está já na casa dos 20%", diz ele.
O prefeito diz que não tem como dar alternativas imediatas para os palmiteiros. "O Instituto Florestal me cobrou pelo aumento da extração. Eu sei que aumentou. Eu nasci aqui, sei quem vai, por onde vai. Mas se eu tirá-los disso, o que posso oferecer?"
O diretor do Departamento de Turismo de Iporanga, Vamir dos Santos, explica o fenômeno. Embarcando no avanço do turismo ecológico, o Petar recebeu em 2002 um número recorde de visitantes. A concorrência com novos destinos do mesmo estilo e a dificuldade de acesso à região do Alto do Ribeira, com estradas ruins, fez com que o volume de turistas caísse vertiginosamente.
Dos 48 mil em 2002, o número de visitantes ao Petar baixou para 17 mil em 2004 e teve pequena recuperação no ano passado, com 24 mil turistas. "Essa queda fez com que os monitores, sem atividade, voltassem à extração de palmito."
"Conheço muitos monitores que na hora do aperto correm para o mato", diz o ex-palmiteiro e atual monitor Valdemir dos Santos. Com 41 anos, ele diz que extraiu palmito na "juventude", entre 1983 e 1995. "Meu pai tinha uma propriedade e uma certa estrutura, mas naquela época o palmito era moeda forte", lembra. "Eu tirava o que hoje seria uns R$ 800 a R$ 1 mil por semana", diz. "Hoje um guia autônomo no parque precisa ter sorte para ganhar mais de R$ 300 ou R$ 400 no feriado ou fim de semana", compara. Santos diz que não voltou a tirar palmitos da mata em função da fiscalização muito mais forte. "Antes a gente podia sair com os burros carregados de palmito até a cidade. Hoje não dá. Tive muitos colegas que foram presos."
(Valor Online, 18/04/06)