O perigo do aiatolá atômico
2006-04-16
A queda-de-braço entre os Estados Unidos e o Irã está chegando a um
ponto assustadoramente semelhante àquele que precedeu a invasão do
Iraque, em 2003. O presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad,
contrariando um ultimato do Conselho de Segurança das Nações Unidas,
insiste em avançar em um programa nuclear com fins obscuros e mantê-lo
longe dos olhos dos inspetores internacionais. Já o governo de George W.
Bush vê minguar suas tentativas diplomáticas de fazer o Irã colaborar e,
ao menos nos corredores da Casa Branca e do Pentágono, já começa a
discutir seriamente a possibilidade de uma ação militar. Na semana
passada, o presidente iraniano fez um anúncio que deixa a situação ainda
mais tensa: o Irã conseguiu enriquecer urânio pela primeira vez, em sua
usina de Natanz, entrando para o clube dos países que dominam uma
tecnologia essencial tanto para gerar energia nuclear quanto para
construir bombas atômicas.
Nos próximos anos, os iranianos planejam aumentar o número de
centrífugas do país de 164 para 54.000, dando início à produção de
combustível nuclear em escala industrial. O urânio iraniano foi
enriquecido a 3,5%, potência suficiente para alimentar apenas usinas
elétricas, muito abaixo dos 90% necessários para fabricar armas
atômicas. Há poucos motivos para acreditar que o Irã ficará nisso. O
país escondeu suas pesquisas nucleares por duas décadas, comprou
secretamente tecnologia nuclear do cientista que criou a bomba atômica
do Paquistão e hoje colabora com a Coréia do Norte no desenvolvimento de
mísseis para carregar ogivas nucleares. Não seria tão grave se o país
não fosse governado por uma claque de fanáticos religiosos – o
presidente Ahmadinejad é conhecido como "o maluco do apocalipse". Por
essas e outras, o Irã não hesitará em montar sua bomba atômica – e isso
pode ocorrer dentro de pouco mais de quatro anos.
A constatação de que os aiatolás estão mais perto de ter armas nucleares
atingiu Washington como um míssil teleguiado. Hoje, as pretensões
nucleares da república islâmica são a principal preocupação da política
externa do governo americano. A pergunta é: o que os Estados Unidos
podem fazer para impedir que isso aconteça? Por várias fontes, o que
circulou na semana passada foi que o Pentágono já formulou planos de um
ataque aéreo às usinas iranianas. A reportagem mais contundente, escrita
pelo repórter Seymour Hersh – o mesmo que denunciou a tortura de presos
iraquianos na prisão de Abu Ghraib –, afirma que estão de tal forma
avançados que já há militares americanos infiltrados no Irã para fazer
contato com grupos dissidentes e reunir informações sobre os possíveis
alvos de um bombardeio. A estratégia para destruir as instalações
iranianas incluiria o uso de armas nucleares táticas – bombas com
potência muito inferior à dos artefatos que destruíram Hiroshima e
Nagasaki na II Guerra.
Há uma grande diferença entre elaborar planos militares e iniciar uma
guerra. "É natural que o governo americano pense em todas as
possibilidades e se prepare para o pior, mas isso não quer dizer que um
ataque ao Irã seja iminente", disse a VEJA a cientista política iraniana
Sanam Vakil, da Universidade Johns Hopkins, em Washington. O americano
Barry Posen, especialista em segurança do Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos, enumera três razões que
inviabilizam uma ofensiva militar no Irã. A primeira é que uma guerra
contra os iranianos seria ainda mais complexa e dispendiosa que o
conflito iraquiano. O Irã tem um território quatro vezes maior que o do
Iraque e nos últimos anos conseguiu incrementar seu arsenal militar. Já
Saddam Hussein estava enfraquecido por um bloqueio comercial. Além
disso, as ligações de Teerã com grupos xiitas que hoje dominam o governo
no Iraque poderiam obrigar os americanos a travar uma guerra em duas
frentes.
A segunda razão é o fato de o Irã ser o quarto maior produtor de
petróleo do planeta, o que representa quase um décimo das reservas
globais. Desorganizar as exportações do país levaria os preços do
petróleo a um patamar insustentável. A terceira e última razão é a falta
de apoio da opinião pública americana. Se em 2003 a comoção causada
pelos atentados de 11 de setembro garantia a adesão a uma campanha
militar, hoje quase 60% dos americanos reprovam a permanência de tropas
no Oriente Médio. Por enquanto, o caso iraniano está em discussão no
Conselho de Segurança da ONU. Os Estados Unidos tentarão aprovar sanções
econômicas e diplomáticas contra os iranianos. Devem, no entanto,
enfrentar a resistência da Rússia e da China, dois membros do conselho
que mantêm estreitas relações comerciais com o Irã. Esgotada essa última
alternativa, ainda assim a probabilidade de um novo conflito no Oriente
Médio será menor que há três anos. Estará mais perto, infelizmente, o
dia em que o "maluco do apocalipse" terá a bomba.
(AFP/Reuters/Veja, 16/04/2006)