Fazendeiros exploram e ameaçam moradores de reserva no Amazonas, denuncia ONG
2006-04-13
A existência de propriedades particulares dentro da Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Piagassu-Purus, no Amazonas, está impedindo um dos principais objetivos da unidade de conservação: o uso equilibrado de seus recursos naturais pelos moradores.
Foi o que denunciou terca-feira (11) à Radiobrás Delmo Roncarati, coordenador do subprograma de Produtos Não-Madeireiros do Instituto Piagassus-Purus, organização não-governamental co-gestora da reserva.
"Há mais de um proprietário, mas o principal é a família Melo, que reivindica áreas utilizadas pelos extrativistas para coletar castanha. Eles são obrigados a vender o produto aos fazendeiros a preços bem abaixo do mercado, perpetuando o antigo sistema de aviamento. Quem não concorda é ameaçado de morte. A pressão aumenta entre novembro e abril, na época da colheita", disse Rocarti.
O sistema de aviamento é uma cadeia de endividamento do trabalhador que foi implantada na floresta amazônica no auge da economia da borracha, entre o fim do Século 18 e início do Século 19.
"A castanha é como uma poupança para as famílias, sua fonte monetária. Com esse dinheiro, compram combustível, óleo, roupas", explicou o coordenador de Estudos Econômicos da ONG e professor de Sociologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luís Antônio Nascimento. "Se isso se quebra, elas pressionam os recursos naturais, caçam o peixe-boi (mamífero aquático em risco de extinção) e retiram madeira ilegalmente".
Nascimento revelou que a RDS Piagassu-Purus foi criada pelo governo estadual em 2004, graças à sugestão de um grupo de pesquisadores da Ufam e do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), que montaram a ONG para fazer a co-gestão da unidade. "Lá é uma área rica do ponto de vista da fauna e da flora", afirmou.
A reserva tem pouco mais de um milhão de hectares, divididos entre os municípios de Beruri, Anori, Tapauá e Coari (todos no Amazonas). "Como não dava para trabalhar em toda a extensão da reserva, estabelecemos que nossa área focal seria metade dela. Lá vivem entre 450 e 500 famílias", explicou Nascimento. Ele estima que na reserva inteira morem 1,5 mil famílias.
Incra pretende recuperar terras federais em reserva estadual para criar projeto de assentamento
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) pretende retomar os 367 mil hectares de terras que a União tem na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Piagassu-Purus, criada pelo governo do Amazonas em 2004.
"Na próxima semana uma equipe da cartografia está se deslocando para lá e vai fazer o levantamento das terras federais, para ver exatamente quais seus limites, se há títulos particulares e descobrir quantas famílias vivem lá", revelou à Radiobrás o coordenador de projetos especiais do Incra, Raul Pereira Barbosa. Segundo ele, a intenção é pedir a retificação dos limites da reserva e fazer lá um projeto de assentamento agro-extrativista.
A reserva tem aproximadamente um milhão de hectares, onde vivem cerca de 1,5 mil famílias. De acordo com Barbosa, o plano do Incra é fazer um convênio com o governo estadual para reconhecer também as famílias que estão nas terras estaduais da reserva como beneficárias da reforma agrária.
Barbosa afirmou que, se na área federal houver propriedades privadas, elas serão excluídas do assentamento – não desapropriadas como reivindica o Instituto Piagassu-Purus, organização não-governamental co-gestora da unidade de conservação.
O secretário estadual de Desenvolvimento Sustentável, Virgílio Viana, argumentou que o Incra já havia desistido dessa proposta. "Tivemos reunião conjunta e nela ficou claro o entendimento de que a ação do Incra deve ser feita em parceria com órgãos estaduais", declarou. "Para mudar a área de uma reserva é preciso passar pela Assembléia Legislativa, isso cria um problema administrativo".
(Agência Brasil, 12/04/06)