No 8º Simpósio da IWA (Associação Internacional de Águas) em Efluentes da Indústria Florestal — realizado em Vitória até 12/04 — a importância do controle ambiental para as empresas de papel e celulose fica evidenciada pelo número de trabalhos e discussões levantadas. Nesta entrevista, o professor da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e coordenador técnico do 8º Simpósio da IWA, Cláudio Mudado, fala sobre os principais tópicos em questão, como as recentes pesquisas relacionadas à caracterização e tratamento de efluentes, o fechamento de circuitos de águas, a disposição final dos efluentes, o controle preventivo da poluição e o gerenciamento de resíduos sólidos na indústria florestal.
Quais os parâmetros considerados mais importantes hoje na caracterização dos efluentes?
Cláudio Mudado - Historicamente, os parâmetros convencionais de controle ambiental dos efluentes líquidos de fábricas de celulose estão relacionados com a Matéria Orgânica (Demanda Bioquímica de Oxigênio – DBO e Demanda Química de Oxigênio – DQO), com os Sólidos em Suspensão e mais recentemente com os Organoclorados, quando é realizado o branqueamento da polpa celulósica à base de cloro ou de compostos clorados.
Há novidades em relação aos testes empregados no monitoramento das empresas?
CM - Os testes de toxicidade aguda e crônica dos efluentes passaram a ser exigidos em muitos países e mais recentemente no Brasil com a Resolução CONAMA 357 de 2005. O parâmetro de cor dos efluentes, embora pouco cobrado pelos órgãos ambientais, também parece começar a ganhar importância no cenário mundial. Além disso, cresce a consciência de que a aplicação e o controle de nutrientes tais como nitrogênio e fósforo, utilizados no tratamento biológico dos efluentes, devem ser bem monitorados para não causar a eutrofização dos corpos d’água receptores. Trabalhos discutindo todos esses parâmetros estão sendo apresentados no 8º Simpósio da IWA.
Em relação ao tratamento de efluentes, quais as tecnologias mais modernas disponíveis hoje?
CM - O tratamento primário (remoção de sólidos em suspensão) seguido do tratamento biológico (remoção de matéria orgânica dissolvida) tem sido a forma convencional para tratar os efluentes das fábricas de celulose e papel. Os tratamentos aeróbios por meio do processo de Lodos Ativados e do processo de Lagoas Aeradas são os mais comumente adotados. Atualmente há um grande interesse pelo processo anaeróbio, que embora não seja “novo” para o tratamento de esgotos, apresenta-se como uma alternativa diferente daquela que vem sendo historicamente adotada pela indústria de celulose e papel. Haverá uma palestra com um convidado especial, Dr. Leo Habets, especialista holandês, sobre a situação atual e os novos desenvolvimentos nesta área na indústria de papel no 8º Simpósio da IWA.
E o tratamento de efluentes com membranas de micro e ultrafiltração?
CM – Esta é outra tecnologia relativamente nova para a indústria de celulose e papel. Ela pode ser utilizada sozinha ou em combinação com outros processos, tais como os “biorreatores a membranas”, que combinam o tratamento biológico e a ultrafiltração. Há também oss processos de oxidação avançada dos efluentes, que também constituem um caráter inovador para a indústria de celulose e papel e alguns resultados de trabalhos de pesquisa estão sendo apresentados no Simpósio.
O uso da combinação de várias tecnologias para o tratamento de efluentes é uma tendência?
CM - A adoção de tratamentos combinados tais como o biorreator a membranas e oxidação avançada antes ou após o tratamento biológico são exemplos que buscam reduzir a um nível mínimo as cargas poluidoras dos efluentes, tornando-os passíveis até mesmo de reaproveitamento no processo industrial.
O que há de mais moderno em relação à remoção de material orgânico recalcitrante (DQO e cor) dos efluentes líquidos?
CM - A remoção do material orgânico recalcitrante, ou seja, aquele que persiste após os tratamentos primário e biológico, constitui um desafio para os pesquisadores. Mundialmente, há pelo menos três alternativas para se tentar remover este material a um custo viável. A primeira se relaciona com as modificações no próprio processo industrial de forma a reduzir o consumo de água e as emissões, no chamado “Controle Preventivo da Poluição”. A segunda alternativa é o tratamento externo dos efluentes setoriais, ou seja, o tratamento dos efluentes segregados de forma a possibilitar o seu reuso no processo. Há, ainda, a possibilidade de tratamento de fim-de-tubo, ou seja, após a estação de tratamento de efluentes (que processa todos os efluentes combinados) adotando-se um tratamento terciário.
Para a indústria, qual é a importância de se conhecer a fundo a microbiologia nos processos biológicos? As empresas têm investido nisso?
CM - Os processos de tratamento biológico têm como principal função a transformação da matéria orgânica biodegradável solúvel no efluente em células e gases, por meio da ação dos microrganismos. Os conhecimentos da engenharia aliados aos da microbiologia tornam o processo bem controlado. Um dos problemas mais comuns no processo biológico é o arraste de sólidos junto com o efluente tratado deteriorando a sua qualidade. Este fato está relacionado com a má sedimentabilidade do lodo biológico, que por sua vez relaciona-se diretamente com a microbiota presente no reator. Diante disso, as empresas têm investido em treinamento dos seus operadores e num monitoramento biológico mais apurado.
Quanto aos aspectos operacionais das estações de tratamento de efluentes, quais têm sido as mudanças mais relevantes?
CM - As empresas têm melhor habilitado o corpo técnico de operadores das ETEs com treinamentos e, certamente, esta prática tem sido fundamental para o melhor entendimento do processo e melhor condição de operação das unidades de tratamento dos efluentes.
Nas fábricas brasileiras de papéis e celulose, quais são as maiores dificuldades em relação à caracterização e ao tratamento de efluentes?
CM – Evidentemente, Estações de Tratamento de Efluentes mal dimensionadas e mal operadas causam problemas na eficiência do tratamento. Quando este não é o caso, acho que as maiores dificuldades estão relacionadas às cargas de choque que as ETEs recebem, ou seja, a variação brusca da qualidade dos efluentes que aportam na estação. Por exemplo, o derrame não intencional de um tanque rico em sólidos em suspensão pode acarretar uma sobrecarga de sólidos nos decantadores primários. Um dos principais fatores que levam a esse problema é a má comunicação entre as equipes de produção e de operação da ETE, além da falta de treinamento da equipe de produção, que não conhece o processo de tratamento.
Em relação ao fechamento de circuito de águas, o que se pode destacar de mais avançado ao redor do mundo?
CM - O grande desafio continua sendo a reutilização dos efluentes do branqueamento de celulose que, devido à presença dos elementos não processáveis, se acumulam no sistema causando, sobretudo, problemas relacionados à corrosão e à incrustação de equipamentos e tubulações. Para possibilitar o fechamento de circuito de água do branqueamento, atualmente algumas fábricas adotam modificações no branqueamento e instalam sistemas para a remoção e purga destes elementos não processáveis.
Qual o limite até agora encontrado para se reduzir o consumo de água e, conseqüentemente, a geração de efluentes?
CM - Já existem fábricas no mundo com consumo de água inferior a 20 m3/tsa.
Como as fábricas brasileiras de papel e celulose estão posicionadas em relação ao fechamento de circuito de água?
CM - As fábricas modernas já possuem um consumo de água em torno de 30 m3/tsa, enquanto as fábricas mais antigas podem consumir até 100 m3/tsa. No Brasil, a média atual de consumo de água deve estar na faixa de 50 m3/tsa.
Qual seria a melhor alternativa hoje para uma empresa do setor que quer dispor seus efluentes de maneira a não prejudicar o meio ambiente?
CM - O lançamento dos efluentes tratados de fábricas de celulose é feito geralmente no corpo d’água receptor próximo à unidade fabril. Todo corpo d’água possui um potencial depurador (capacidade de autodepuração) que pode ser alto ou baixo, dependendo de sua vazão mínima, do relevo, da velocidade, enfim, das características da bacia hidrográfica. Há, ainda, que se considerar a biota aquática presente, que pode ser mais ou menos sensível ao efluente, mesmo tratado. O lançamento no solo pode ser uma alternativa atrativa, embora exija cuidados especiais para não se contaminar o lençol freático, o solo e plantas (no caso de fertirrigação).
Em que se baseiam as experiências de sucesso em gerenciamento de resíduos sólidos?
CM - Baseiam-se na redução de sua geração, na segregação e reutilização e/ou comercialização para outros fins. A compostagem seguida da reutilização para fins agrícolas de resíduos orgânicos e inorgânicos tem sido a prática mais comum adotada pelas fábricas brasileiras.
Quais os principais problemas encontrados para colocar um gerenciamento do tipo em prática?
CM - Todo resíduo deve ser classificado e o seu reaproveitamento deve passar pela aprovação dos órgãos ambientais e do Ministério da Agricultura. Quando o resíduo for comercializad, há ainda que se considerar a responsabilidade ambiental do comprador. Esse processo pode ser um pouco demorado, exigindo projetos muito bem justificados.
Entrevista publicada originalmente no portal
Celulose online/ ABTCP