Seca: drama de 1989 bate à porta de Bagé
2006-04-12
A chuva registrada no domingo não amenizou a situação provocada pela estiagem em Bagé, na região da Campanha, que revive o pesadelo da seca de 1989, quando os mananciais secaram. Mais uma vez a precipitação ocorreu em áreas isoladas e em diferentes índices. Foram 12 milímetros junto à Barragem Sanga Rasa, que está 11,80 metros abaixo do nível, e 9 milímetros na zona da Barragem do Piray, 5,40 metros abaixo do nível.
O município está sob racionamento desde o dia 1º de dezembro do ano passado, quando os bairros começaram a ser penalizados com os cortes no abastecimento, que logo chegaram ao centro da cidade. A utilização de água potável existente na extinta Pedreira Municipal, a partir do próximo final de semana, deve aliviar a rede, pois 20 mil moradores da zona leste serão atendidos.
Conforme a diretora geral do Departamento de Água e Esgoto de Bagé (Daeb), Estefanía Damboriarena, as instalações para a captação de água, como ligação de energia elétrica, colocação de bombas e motores para entrar na rede, devem ser concluídas sexta-feira. A pedreira tem 70 metros de profundidade de água e já foi usada na maior seca que Bagé enfrentou, em 1989, quando a cidade inteira teve de ser abastecida por caminhões-pipa.
Atualmente, mesmo com o município dividido em dois setores, que sofrem cortes por 12 horas diárias, é a população da periferia a grande atingida.
Corre-corre
Nas casas simples, que não têm caixas-d água, a situação é mais complicada. Quando o líquido corre pelas torneiras começa o corre-corre para armazenagem em baldes, panelas e garrafas PET. Hospitais e escolas têm garantia de abastecimento durante 24 horas pelos dois caminhões-pipa. Na sexta-feira passada a prefeitura recebeu o segundo veículo, com capacidade para dez mil litros de água.
O restante da cidade não escapou do racionamento, mas as residências, comércio e indústria que têm reservatórios ainda não sentiram o reflexo da estiagem. Decreto municipal proíbe desperdício e impede a lavagem de carros e calçadas, por exemplo. Um disque-denúncia foi disponibilizado para que possa ser evitado o uso indevido num município que teme novo colapso.
A vazão da Barragem Sanga Rasa foi reduzida, pois está no limite, e a cidade é abastecida pela Barragem do Piray e por uma emergencial, construída na seca de 1989. Segundo Estefanía, o Daeb tem adotado todas as medidas para evitar o temido colapso, mas só a chuva em grande quantidade pode reverter o atual quadro.
Dona-de-casa levanta às 6h para lavar roupa
A dona-de-casa Gleni de Medeiros Ornelas, 62 anos, reside num dos bairros mais pobres de Bagé, o Habitar Brasil. No local, a prefeitura começou a construir moradias populares, invadidas no meio da obra. As pessoas acabaram tomando conta das casas e fazendo adaptações nas construções inacabadas.
Gleni acorda todos os dias às 6h, para lavar roupas e juntar água para a comida e consumo do dia. Por volta das 8h não corre mais um fio nas torneiras. Embora tenha caixa-d’água, o tamanho é insuficiente para armazenar o necessário. “Eu poupo, lavo roupa na bacia e aproveito a água para limpar o banheiro; se tem que enxaguar, aproveito para depois lavar a casa”, contou. E se tiver que denunciar quem desperdiça, ela o faz, como já aconteceu.
Do lado da sua casa mora a jovem Fernanda Jardim do Nascimento, 15 anos. Como não tem reservatório, para ela é mais penoso. É na madrugada que lava louças e roupas, e junta água em garrafas PET.
Lavanderia teme futuro próximo
A Lavanderia Lav & Lev, localizada no centro de Bagé, ainda não teve o serviço afetado. Segundo o proprietário Luís Fernando Paiva, o reservatório de quatro mil litros tem dado conta para garantir o produto principal do seu comércio. Mas se ficar um dia sem entrar água, a situação muda de figura. “Meu receio é que o racionamento chegue a 24, 48 horas, aí vou ter que trazer água de fora (ele tem propriedade na zona rural) e pagar pelo transporte”, disse.
Venda de água mineral cresce 30%
O consumidor de água mineral, com ou sem gás, não é o de classe baixa, mas ainda assim a venda cresceu entre 20% e 30%. Os responsáveis pelo aumento no consumo são os próprios clientes, que estão comprando mais por precaução.
O proprietário da revenda Teleágua, Nei Teixeira, vivenciou as conseqüências da estiagem de 1989, e de lá para cá tratou de aumentar a capacidade do reservatório de sua casa, que hoje é de dois mil litros. Tudo pelo temor de passar por tudo outra vez. O drama, por certo, é de todos os bageenses que já sabem o que é ficar dois meses sem água.
(Diário Popular, 12/04/06)