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2006-04-11
A energia pode ser um fator de competitividade e desenvolvimento para a América Latina, em um mundo onde futura escassez de petróleo já aumentou os parâmetros de custos energéticos e os biocombustíveis aparecem como uma alternativa econômica. Além do alto preço internacional do petróleo na atualidade e de sua tendência de alta, as exigências ambientais apontam para a maior produção de energias renováveis. Por este caminho transitaram algumas intervenções nas sessões do Fórum Econômico Mundial sobre a América Latina, realizado na semana passada em São Paulo com as presenças de aproximadamente 300 executivos, representantes de governos e especialistas.

A tendência para o futuro é de uma diversificação de fontes, inclusive por segurança energética, o que se converteu em um tema cada dia mais complexo, disse Jed Bailey, diretor para a América Latina da empresa norte-americana Cambridge de pesquisas em energia (Cera). O petróleo, o carvão com sua alta contaminação e o combustível nuclear com seu lixo esperando solução a longo prazo são fontes ainda importantes, além da perspectiva do hidrogênio com seus múltiplos problemas tampouco resolvidos, observou Bailey. No universo dos biocombustíveis, o etanol é uma boa opção, mas sua matéria-prima pode variar segundo os países e as tecnologias utilizadas.

O etanol é “fantástico” como um combustível para as próximas décadas, “mas não para o próximo século”, disse Henry Joseph Junior, diretor da Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores do Brasil (Anfavea), ao comentar a intensa busca de alternativas por parte da indústria automobilística para reduzir a dependência do petróleo e a contaminação urbana. Para os próximos 25 anos serão necessários US$ 17 trilhões em investimentos em tecnologias e novas fontes energéticas, segundo a Agência Internacional de Energia.

A América Latina conta com recursos em quantidade e variedade no setor. Além do imenso potencial hidrelétrico, que em alguns países propicia quase todo o consumo de eletricidade, a biomassa abre uma oportunidade de dimensões ainda indefinidas. Pelo menos seis países são também exportadores de petróleo, lembrou William Kimble, um dirigente da KPMG, empresa norte-americana de consultoria em energia e recursos naturais. Por sua vez, o Brasil, maior consumidor regional, anunciará no dia 21 próximo sua autosuficiência em petróleo, segundo o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Com o desenvolvimento dos biocombustíveis, liderado pelo Brasil, que há três décadas iniciou seu Programa de Álcool para substituir a gasolina e reduzir importações de petróleo, a região pode se converter em uma espécie de potência energética. Lula propôs “compartilhar” a tecnologia brasileira para produção e uso do etanol a fim de beneficiar regiões em desenvolvimento, com as africanas e as latino-americanas. É uma oportunidade especialmente para a América Central, favorecida por exportações isentas de tarifas alfandegárias para os Estados Unidos, destacou.

No entanto, partiu de Washington a manifestação mais explicita de interesse. Os Estados Unidos iniciaram um programa de diversificação de fontes e “desejam trabalhar junto” com a América Latina, afirmou Anthony Wayne, subsecretário de Estado para Assuntos Econômicos. Em sua lista de interesses estão o etanol e também alternativas como o gás natural comprimido produzido pela Argentina. O mundo passa por profundas transformações nesse campo, em boa parte impulsionadas pelo crescente consumo de países povoados, como a China, com 1,3 bilhão de habitantes, e Índia, com 1,1 bilhão, ressaltou Wayne.

O Brasil também colocou em marcha no ano passado um programa nacional de biodiesel, que começa a ser adicionado ao combustível diesel derivado do petróleo na proporção de 3%, mas ainda não é obrigatório. A idéia é diversificar as fontes, com rícino, palma, soja e outras oleaginosas. Mas José Goldemberg, físico especialista em energia e titular da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, duvida de seu êxito. Esse programa de biodiesel é mais uma promoção da pequena agricultura familiar, com fins sociais, do que um programa energético, que exige grande escala, disse à IPS.

Em sua opinião, a soja, que tem no Brasil o segundo maior produtor e principal exportador mundial, se afirmará como matéria-prima do biodiesel. Nesse sentido, aprova a opção Argentina de usar excedentes dessa planta para produzir combustível. O etanol extraído da cana-de-açúcar é, de fato, um êxito comprovado. Goldemberg fez uma apresentação sobre a enorme vantagem da cana sobre outras fontes de combustível verde, tanto no balanço energético, isto é, a diferença entre energia gerada e a consumida na produção, quanto na menor emissão de gases causadores do efeito estufa, que reaquece a Terra.

Com os dados disponíveis, sobre territórios necessários para a expansão do cultivo da cana-de-açúcar e de outras fontes, tecnologias e consumo, pode-se duplicar a produção mundial de etanol em poucos anos, permitindo acrescentar 10% desse produto na gasolina em todo o mundo, afirmou o especialista. A Argentina, no entanto, até hoje não aceita incorporar-se a esse mercado e converter, para isso, parte de seus canaviais em etanol. Por essa razão o Brasil propõe transferir tecnologia e apoiar essa reconversão como forma de solucionar a disputa comercial na região em torno do açúcar, um produto até agora excluído do Mercosul, do qual os dois países fazem parte, junto com Paraguai e Uruguai.

Na área dos biocombustíveis, a Argentina escolheu produzir biodiesel a partir da soja. “Cada país usa o produto do qual tem excedente”, disse à IPS o presidente do Banco Central Argentino, Martín Redrado, se referindo à cana-de-açúcar no Brasil e à oleaginosa em seu país. Quanto a uma “solução” para o açúcar, cuja importação desde o Brasil continua fortemente taxada na Argentina, disse que “mantém-se o status quo”. Redrado explicou que a produção de etanol exigiria subsídios que seu país não tem de onde tirar por razões fiscais. A concessão de benefícios aos produtores de álcool no Brasil é o argumento argentino para manter taxadas as importações de açúcar brasileiro.
(IPS/Envolverde, 10/04/2006)

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