Pesquisador contradiz dados sobre madeira ilegal da Amazônia apresentados pelo Greenpeace
2006-04-11
“Cerca de 43% da produção de madeira amazônica em 2004 pode ter tido origem ilegal”. Quem afirma é o engenheiro florestal e pesquisador desde 2000 do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Marco Lentini. Os dados, publicados no fim do ano passado no livro Fatos Florestais da Amazônia 2005, estão abaixo dos números apresentados pelo Greenpeace em sua mais recente campanha amazônica, que passou por Porto Alegre entre 24/03 e 03/04. Segundo a Ong ambientalista, entre 60% a 80% da madeira teria origem irregular.
De acordo com a assessoria de comunicação do Greenpeace, essa “brecha entre as porcentagens” ocorre por que a coleta de dados foi realizada com duas fontes distintas. “Uma delas teve como base pesquisa científica realizada pelo governo federal em 1997, onde ficou comprovado que 80% da madeira proveniente da região teria origem ilegal”, afirma. A assessoria não soube, entretanto, informar os responsáveis e nem a procedência do estudo. Outra análise usada pela organização diz respeito ao “levantamento do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), indicando que 60% da produção teria origem irregular”. A assessora do Greenpeace acrescenta que “esses números são gerais, um parâmetro para nós”, admitindo não haver dados exatos sobre a porcentagem.
Mestrando em Recursos Florestais pela Universidade da Flórida, Lentini justifica os números. De acordo com ele, 9,3 milhões de m³ foram autorizados em Planos de Manejo pelo Ibama em 2004, um aumento de 14% com relação ao ano anterior, quando o volume de madeira em tora autorizada para manejo ficou em 8,2 milhões de m³. Outros 4,6 milhões de m³ foram liberados em 2004 via Autorizações de Desmatamento pelo Ibama – contra 2,7 milhões de m³ liberados em 2003. “Ao somarmos estes dois números de 2004 e compararmos com a estimativa de produção total da Amazônia no mesmo ano – avaliada em 24,5 milhões de m³ pelo Imazon – teríamos a previsão de que aproximadamente 43% da produção de madeira da região pode ter origem ilegal”.
Na avaliação da engenheira florestal e pesquisadora do Imazon, Danielle Celentano — que juntamente com Lentini, Denys Pereira e Ritaumaria Pereira é autora do livro Fatos Florestais da Amazônia 2005 —, o Greenpeace pode ter incluído, por exemplo, dados de Tocantins. O Estado, segundo ela, não teve, em 2004, área e volume explorado no Plano de Manejo Florestal autorizado pelo Ibama. Assim como o Acre, que também não teve autorização de desmatamento pelo Instituto. Veja tabela no endereço http://www.imazon.org.br/publicacoes/publicacao.asp?id=377, nas páginas 83 e 84.
Mercado interno
Do total produzido em 2004 pelo setor na região – cerca de 24,5 milhões de m³ de madeira em tora ou 10,4 milhões de m³ de madeira processada (tábuas, produtos beneficiados, laminados, compensados), “64% ficaram para o mercado doméstico”. De acordo com Lentini, a maior parte do produto consumido no Brasil tem baixo valor agregado, sendo usado na construção civil. “Desta forma, podemos dizer, infelizmente, que o mercado doméstico não estimula maior agregação de valor à madeira, o que poderia fazer com que os consumidores criassem algum tipo de conscientização da necessidade de exigir madeira certificada ou pelo menos legal”.
A região Sul do país e os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo são responsáveis pela compra de 27% do total da madeira direcionada ao mercado interno. São Paulo ficou de fora desta porcentagem por que sozinho absorveu 15% desta fatia, embora tenha apresentado baixa em relação a 1998, quando somou 20% do total. A madeira destinada às exportações respondeu por 36% do total. “Foi um incremento extremamente significativo”, avalia Marco Lentini, “por que passou dos US$ 381 milhões em 1998 para US$ 943 milhões em 2004”. Dois fatores contribuíram para esta mudança: o câmbio favorável e o aumento da demanda por madeira amazônica no mercado europeu, norte-americano e asiático.
De acordo com o livro, o consumo de madeira em tora caiu 28,3 milhões de m³ em 1998 para 24,5 milhões de m³ em 2004. A equipe de pesquisadores trabalha com uma margem de erro de 0,78 milhão de m³. Essa redução de 3,8 milhões de m³ de madeira em tora estaria, segundo eles, associada a três causas principais.
“Primeiro, houve o acirramento da fiscalização por parte do Ibama contra a exploração ilegal. Ao mesmo tempo, agravou-se a crise fundiária na Amazônia, o que levou ao cancelamento de centenas de planos de manejo a partir de 2003. Finalmente, houve a melhoria no rendimento industrial, ou seja, aumento da eficiência na conversão de toras em madeira processada”.
Mesmo com esta queda, a Amazônia Legal ainda figura como o segundo maior produtor de madeira tropical do mundo. Está atrás apenas da Indonésia, país onde o consumo anual tem superado os 30 milhões de m³.
O Pará é o principal produtor, com 45% do total produzido. O estado concentra também 51% das empresas madeireiras e gera 48% dos empregos da indústria na Amazônia. Em seguida, está o Mato Grosso com 33% da produção, enquanto Rondônia ocupa o terceiro lugar, com 15%.
Lucratividade, expansão e sustentabilidade
Segundo avaliação do pesquisador sênior do Imazon, Paulo Barreto, a exploração de madeira e a pecuária constituem os principais usos do solo na Amazônia. A contribuição dessas atividades para o desenvolvimento sustentado da região, entretanto, tem sido controversa. Segundo Barreto, que publicou recentemente estudo intitulado “Pecuária na Amazônia, tendências e implicações para conservação ambiental”, isso se reflete devido aos impactos sociais e ambientais negativos. “O lucro da pecuária tende a ser maior do que o da exploração de madeira sustentável. Por isso, a exploração predatória de madeira, seguida da pecuária, predomina em vastas áreas da região”, comenta.
A fragmentação da vegetação nativa e os desmatamentos em áreas sensíveis, como margens de rios e terrenos acidentados, vêm causando danos severos. Para evitar os passivos ambientais, duas medidas principais são necessárias, segundo avaliação de Barreto. “Primeiro, no curto prazo, os governos federal e estadual devem transformar vastas florestas devolutas em unidades de conservação públicas. Essas áreas seriam destinadas à produção de bens e serviços florestais, equilibrando demandas por preservação e por desenvolvimento econômico local. Além disso, é necessário reforçar a aplicação da legislação ambiental nas propriedades privadas”.
Por Tatiana Feldens