Seca é problema histórico em Bagé
2006-04-11
A repetição sistemática do fenômeno da estiagem provocou, além dos transtornos decorrentes, uma detalhada coletânea de notas da imprensa da cidade que tratam do assunto.
Preocupado com o problema da falta de água e atento às iniciativas que, ao longo dos anos, foram tomadas no sentido de resolvê-las, o professor aposentado, Gesner Carvalho, estuda profundamente o assunto e pretende, com isso, contribuir de alguma forma com a comunidade. De acordo com as afirmações do estudioso, a seca incomoda a coletividade bajeense desde o ano de 1884.
A edição de 16 de março do ano de 1884 do jornal Cruzeiro do Sul, publicou a manchete que chamava a atenção ao problema: “Com a rigorosa seca que atravessamos, já está se tornando sensível a falta de água. Escasseando esse indispensável elemento de vida, muito terá de sofrer a população, flagelada pelos horrores da seca. A água posta à venda em pipas é insuficiente para o consumo público e muitas pessoas queixam-se de que os aguadeiros negam-se a vender poucos barris pretendendo terem freguesia certa”.
Gesner coleciona as notícias de jornal que são o documento histórico e testemunhal da ação danosa das estiagens na comunidade e do que se fez para combatê-la. Segundo Carvalho, o primeiro projeto de implantação de “água encanada” em Bagé remonta ao ano de 1888. “Por curioso que possa parecer, o projeto já previa o aproveitamento racional dos mananciais do Piray, mas não foi aprovado”, ressalta o professor, “obrigava, também, em uma de suas cláusulas, aos contratantes fazerem a instalação de torneiras nas praças públicas”.
A primeira hidráulica
Foi oficialmente entregue à população em 26 de junho de 1913 a primeira “Hidráulica” do município que, a partir daí, teria a tão sonhada “água encanada”.
Em dezembro de 1917, a forte seca que fazia obrigou a administração municipal a procurar remédios para a redução da água dos arroios que abastecem a cidade que, com o sistema de consumo por torneiras livres, chegou por vezes a ter falta de água. “Mais uma vez a natureza nos pregou uma peça”, comenta Gesner.
A Grande Barragem
Em outubro de 1921 iniciaram as obras da grande barragem das pontas do arroio Pirayzinho. Erros no projeto e, por conseqüência, no contrato firmado, causaram atraso no reinício das obras. Em maio de 1922 são retomadas as construções mas as chuvas torrenciais que se abatiam sobre a região causaram grande estrago, devido ao transbordamento do arroio, atrasaram mais ainda as obras. “E em 12 de junho novas chuvas e novas cheias determinaram a suspensão das obras e, logo após, a rescisão do contrato entre a Intendência e a empreiteira”, revela Gesner.
O espectro do racionamento
Conforme os artigos colecionados pelo professor, os racionamentos de água passaram a ser constantes para a coletividade bajeense. Em janeiro de 1926 a água só era liberada das 7h às 12h e das 17h às 22h.
Gesner conta: “Enquanto a grande barragem do Pirayzinho não entrava em funcionamento, a população sofria com a falta de água. Somente em 1929 o sonho de ter um sistema de abastecimento perfeito parecia se tornar realidade. A barragem entrara em funcionamento e sua água descia por gravidade à adutora”.
Mais de 20 anos se passaram e o triste fenômeno volta a se repetir. “Na década de 50 recomeçam as reclamações por falta de água. Ainda que existisse em abundância na grande represa, o problema agora era de distribuição”, relata Gesner, “erros na implantação da adutora não permitiam a chegada de água suficiente para os reservatórios da hidráulica”.
O problema crônico do abastecimento
Nos anos que se seguiram a falta de abastecimento hídrico ocupou regularmente os espaços jornalísticos até que, em 1973 iniciou-se o novo traçado da rede ferroviária que causou danos à barragem do Piray. Em 1976 são concluídas as obras da ferrovia e, no início de 1977, anuncia-se o começo das obras da construção da barragem da Sanga Rasa.
O prefeito da época, Camilo Moreira, anunciou na imprensa: “Em 1977 e 1978 serão os últimos verões em que os bajeenses passariam com racionamento”. Ledo engano, com uma constância assustadora a seca e o racionamento foram se repetindo na vida da cidade até o ano 2000, com maior ou menor intensidade mas sempre presente.
A análise do pesquisador
"O que se nota no Daeb, atualmente, é uma salutar tecnificação da autarquia, o que tende a produzir resultados eficientes. Porque as providências tomadas até um passado recente não foram suficientes e, em alguns casos, até equivocadas”, analisa o professor, “a hidrometria que precisa ser implantada nas economias sem medição irá favorecer muito”.
No entendimento de Carvalho, a resolução dos problemas passa por uma análise mais ampla. Redes sub-dimensionadas eram uma constante, perdas no sistema de distribuição e necessidade de recalque são quesitos que necessitam de maior reflexão. “Criticar, somente, não adianta! Nosso papel, como cidadãos, é oferecer sugestões”, sentencia, “acho que a colocação de hidrômetros é fundamental mas acho que as nossas reservas devem ser aumentadas”.
Pela ótica do professor os mananciais do arroio Pirayzinho seriam os mais indicados para se aumentar os nossos reservatórios. “O estímulo à construção de algibes e cisternas é uma boa alternativa. E se a cidade tivesse uma reserva de água que lhe permitisse atravessar 12 meses de estiagem seria muito bom”, concluiu.
(O Minuano, 06/04/06)