PL quer impedir consulta a indígenas para a construção da hidrelétrica de Belo Monte
2006-04-07
Cerca de nove comunidades indígenas serão atingidas caso a usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu (PA) seja construída. Um PL tenta excluir a participação indígena do processo consultivo, contrariando determinação constitucional
No final do mês de março (29), a Justiça da cidade de Altamira, Pará, acatou o pedido do Ministério Público (MP) do estado, determinando a suspensão do processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte a ser construída no rio Xingu, no Pará. No dia seguinte à determinação judicial, o deputado federal Nicias Ribeiro (PSDB-PA) apresentou na Câmara dos Deputados um projeto de lei que tenta reverter essa situação.
Segundo o PL 6841/06, qualquer autorização seria dispensada para a realização de estudos de impacto ambiental, antropológico e qualquer outro para a exploração de recursos hídricos, minerais e energéticos em terras indígenas. O deputado afirma que o seu projeto de lei regulamenta e esclarece o que o artigo 231, parágrafo 3º, da Constituição Federal, segundo a sua opinião, já defende: “não precisa de autorização [dos indígenas] para fazer estudo, só depois da conclusão desses estudos”.
No entanto, o artigo determina exatamente o contrário: “O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei”.
O procurador Marco Antônio Delfino de Almeida, do Ministério Público do Pará, confirma a lei, dizendo que a Constituição determina que qualquer empreendimento energético em terras indígenas deve ser feito mediante consulta às comunidades. Ele explica que no caso da usina de Belo Monte isso não foi feito. E, mesmo assim, houve um decreto de 2005 que autorizava o estudo de viabilização da hidrelétrica. Por esse motivo, o MP julgou que a construção de Belo Monte é ilegal e entrou com a ação civil pública, pedindo a interrupção do processo de licenciamento ambiental. “O MP tentou impedir um desperdício de dinheiro público de uma obra que futuramente poderia ser embargada”, explica.
“O decreto legislativo que permitiu os estudos para implantação de Belo Monte passa por cima da Constituição. Ele foi aprovado a toque de caixa no Senado”, afirma Carlos Rittl, coordenador da campanha de clima do Greenpeace. “O que se espera é que se respeite o preceito constitucional das terras indígenas”.
Com a determinação judicial, o projeto está parado, já que os estudos de impacto foram interrompidos. A previsão inicial para o começo das obras seria em 2007. A legislação ambiental determina que obras do porte de Belo Monte só podem começar a ser construídas após a conclusão dos estudos.
“Só no Brasil se proíbe estudo. Isso é um extrapolo acima do nível da absurdez. Suspender estudo é suspender a atividade da inteligência”, protesta o deputado Ribeiro.
Sobre o projeto de lei, Rittl diz que, se aprovado, vai rasgar a Constituição Federal e vai atender a quem defende Belo Monte por questões meramente econômicas, ignorando os impactos sociais e ambientais. “Se aprovado, a população vai ser ignorada como se tenta fazer hoje”.
No final de 2005, o secretário de Pesquisa e Desenvolvimento Energético do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmerman, afirmou que seriam feitos estudos antropológicos na região e não necessariamente consulta direta às comunidades atingidas. “O estudo antropológico é algo que pode ser preciso com consulta às populações, mas pode ser uma avaliação de especialistas sem grande contato com os índios e ignorando o cerne da questão que é: as comunidades aceitam ou não a implementação da hidrelétrica?”, explica Rittl.
“Indígena entende o quê de impactos ambientais?”, questiona o deputado sobre a legitimidade dos índios de serem consultados sobre a hidrelétrica e seus impactos. “A comunidade tem que ser ouvida sobre a sua sobrevivência e, se houver prejuízos, estudar compensações e não impedir a implantação de Belo Monte. O país necessita de energia”.
De acordo com Ribeiro, as comunidades indígenas que forem prejudicadas pela construção da usina poderiam se beneficiar dos royalties. “Isso acabaria com o empobrecimento das comunidades”, afirma. Essa compensação, segundo ele, está também garantida no seu projeto de lei.
“O que tem sido muito comentado é o fato de que a população indígena não tem competência para autorizar os estudos ou não. Mas isso não impede que eles sejam ouvidos, porque eles vão informar quem decide e tem direito ao voto. É uma questão de respeito à diversidade que tem em nosso país. O fato de desrespeitar as comunidades indígenas é profundamente lamentável”, afirma o procurador.
Desde o início da proposta da construção de Belo Monte na década de 80, a oposição das comunidades indígenas e das entidades locais é grande devido ao impacto a ser gerado com as obras e o funcionamento da hidrelétrica. “Muitas famílias teriam que ser deslocadas”, diz Rittl.
Segundo Almeida, a população indígena vai ser profundamente afetada. “Terras indígenas não é apenas a terra, porque a terra mesmo é o menos relevante. Vai ter mudanças culturais, no clima, no regime de pesca... Todos esses pontos têm que ser observados”, explica Almeida.
Lobby
“Existe um lobby muito grande, principalmente de empreiteiros interessados nos bilhões que serão investidos e empresas de mineração, na instalação da usina. As conversações estão adiantadas. Há acordos de investimentos da China”, afirma Carlos Rittl, coordenador do Greenpeace.
De acordo com o procurador Marco Antônio Almeida, existe pressão econômica e política para o empreendimento ser acelerado. “A questão não é ser a favor ou contra. Eu não sei a quem interessa, mas [Belo Monte] viola a Constituição. Nós apenas estamos zelando pela Constituição”.
Segundo o coordenador do Greenpeace, apesar dos argumentos de que a energia a ser gerada supriria as carências energéticas do Brasil, grande parte seria aplicada na indústria de mineração, principalmente a de alumínio. “O absurdo é que a energia não vai beneficiar as populações locais e os atingidos, que são os povos indígenas e as famílias da região de Altamira que terão que ser permanentemente deslocados. A energia vai beneficiar a indústria. O que move não são interesses em prover energia para o Brasil. Existe sim a necessidade [energética], mas não entra na balança os custos ambientais e sociais”.
Eficácia duvidosa
“Será o terceiro maior aproveitamento hidrelétrico do mundo, com 11.182 MW de potência instalada. É considerada uma obra estratégica para o Setor Elétrico Brasileiro, pois proporcionará a integração entre bacias hidrográficas com diferentes regimes hidrológicos, resultando em um ganho da energia garantida no sistema Interligado”. Essa é a descrição de Belo Monte no site do governo.
Ainda que as afirmações dos defensores de Belo Monte seriam de que ela geraria alta capacidade energética, um estudo feito por Oswaldo Seva, professor da Universidade de Campinas (Unicamp), coloca em dúvida essa capacidade de geração durante os meses de seca.
De acordo com o procurador Almeida, “não há ainda uma especulação e divulgação da área a ser afetada, dos impactos e de quanto de energia será produzida”. Ele menciona que o estudo independente, feito por Seva, é o único até então, e não houve um outro feito por parte da Eletronorte que servisse de contraponto. “Há a predisposição de aceitar [o estudo de Seva] até que eles contraponham. Há uma presunção, pelo princípio da precaução usado no âmbito do meio ambiente, de que uma obra não deve ser implementada se houver dúvidas sobre ela”. (Carta Maior, 7/4)