IEA abre ciclo de conferências sobre a "Civilização da Biomassa"
2006-04-07
“O que não foi conseguido em 30 anos de discurso ambientalista, foi
feito por um ano de petróleo caro: os biocombustíveis entraram na pauta
da economia mundial”. Com esta idéia, o ecossocioeconomista Ignacy Sachs
(Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, França) abriu nesta
quinta-feira o "Ciclo Temático sobre a Civilização da Biomassa”, no
Instituto de Estudos Avançados da USP. O primeiro colóquio abordou o
tema “Tristes Trópicos ou Terra de Boa Esperança? Obstáculos ou
Vantagens Comparativas para o Desenvolvimento da Civilização da Biomassa".
O evento, idealizado e coordenado por Sachs, reúne geógrafos,
historiadores, sociólogos e outros especialistas para debater os
preconceitos e concepções errôneas sobre as áreas tropicais do planeta -
sobretudo o Brasil - e analisar a inversão de valores que agora se opera
diante das possibilidades de produção agrícola e bioenergia, graças ao
regime de águas dos Trópicos, insolação e disponibilidade de áreas
agricultáveis.
A palestra de Sachs enfocou o futuro de uma civilização moderna de
biomassa e definiu o Brasil como um dos grandes global players nesta
nova fase que se inicia em termos de energia. Para ele, a mudança de
matriz energética é incontornável. “Brecar as mudanças climáticas já
seria razão suficiente para se reduzir o consumo de energias fósseis –
mas isso não era levado em conta enquanto a agroenergia não era
competitiva. Agora tanto o etanol quanto o biodiesel são competitivos”.
Quase todos os cientistas que trabalham sobre o tema concordam, segundo
Sachs, que o fim da era do petróleo já começou. “Um fim que vai durar
décadas, mas estamos naquilo que eles chamam de depressão. As novas
reservas recém-descobertas não são suficientes em relação ao volume de
proudcção. Estamos numa fase longa de aumento do preço do petróleo”.
Para o Brasil, as perspectivas de agroenergia abrem um novo ciclo de
produção rural, de acordo com o professor. Mas é preciso que o país “não
sacrifique a segurança alimentar no altar da agorenergia”. O mesmo vale
para as florestas nativas, que não podem ser devastadas em nome da
agroenergia. “Seria o enorme desperdício de uma oportunidade social se
essa nova fase de agroenergia enveredasse pelo caminho de uma
agricultura predatória”.
O professor explica que estamos numa fase que os demógrafos chamam de
desindustrialização: a indústria já não gera empregos como antes,
ocasionando um grave problema em escala mundial de necessidade de gerar
trabalho. “Por isso devemos aproveitar essa nova fase de desenvolvimento
rural e fazermos dela não só o instrumento de solução do problema
ambiental, mas também do problema social, com geração de trabalho e renda”.
Mudar o perfil da demanda energética
A agroenergia, explica Sachs, não é uma solução do problema energético
em si mesmo, mas apenas uma dimensão dessa solução - a biomassa pode
originar um amplo elenco de produtos. “É fundamental mudar o perfil da
demanda por energia e repensar maneiras de uso mais eficiente. A
agroenergia é parte de um conceito mais amplo que chamo de ‘civilização
de biomassa’ – que inclui o adubo verde, materiais de construção,
matéria prima industrial, fármacos e cosméticos, por exemplo. Temos que
considerar esta complexidade sempre dentro do trinômio biomassa,
biotecnologia, biodiversidade”.
Entrando no cerne da discussão do dia – a oposição entre os “Tristes
Trópicos” de Claude Lévi-Strauss e o Eldorado dos colonizadores – Sachs
propõe que a civilização moderna da biomassa tem diante de si um
problema fundamental: qual o grau de dependência deste desenvolvimento
baseado no trinômio biomassa-biotecnologia-biodiversidade em relação às
condições em que esta produção ocorre? “O impacto de estarmos num país
tropical é um obstáculo, ou uma vantagem para este novo modelo de
sociedade?”, questiona o professor. (USP Online, 7/4)