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2006-04-07
O preço do barril de petróleo bruto triplicou em menos de três anos. Está em torno de US$ 60,00. Analistas avisados prevêem escalada para um múltiplo disso. Engdahl e Roberts esperam US$ 100,00 por barril, antes de 2010, e há prognósticos acima de US$ 300,00 dentro dos próximos 10 anos. A curva do consumo prossegue em ascensão, e a da descoberta de novas jazidas em declínio. O problema, portanto, não é só econômico. É estratégico, pois haverá colapso energético, quando a produção de petróleo não mais atender parte substancial da procura global.

Biomassa: solução, mas para quem?
Por isso, países consumidores prodigalizam subsídios para promover energias renováveis. Por um paradoxo que só o modelo econômico do Brasil explica, nossa produção de óleos vegetais não chega a 1% da realizada pela Alemanha, cujos recursos naturais são infinitamente menos favoráveis.

De qualquer forma, a inigualável combinação, existente no Brasil, de terras utilizáveis, água e dias de sol tropical por ano, levará a explorar nele a biomassa indispensável para suprir grande parte da demanda mundial de energia. Corporações transnacionais sabem que produzir no Brasil e exportar derivados da biomassa é a saída para escapar ao colapso e para obter elevados ganhos, graças aos altos rendimentos e ao baixo custo das matérias-primas aqui cultiváveis.

Em suma, a questão não é fazer ou não fazer um programa de produção de biomassa em grande escala. A questão é quem vai fazer, ou, antes, quem vai comandar esse programa.

Salvo óbices políticos, nada impede o Brasil de produzir por ano, ao fim de 10 anos, 30 bilhões de litros de etanol e 45 bilhões de litros de biodiesel - o que supera o atual consumo interno de gasolina, álcool e óleo diesel. Os investimentos requeridos são modestos: R$ 4 bilhões por ano. Uma bagatela para um país em que a formação bruta de capital fixo passa de R$ 300 bilhões anuais, e cujo Tesouro Nacional mantém inúteis no Banco Central R$ 235 bilhões, só para dizer aos beneficiários das taxas de juros mais altas do Mundo que fiquem tranqüilos.

O modo pelo qual será realizado o programa da biomassa determinará a futura condição do Brasil: uma sociedade próspera, se adotar o desenvolvimento autônomo, ou um mega-Haiti, se investidores não-residentes assumirem o controle da produção e da comercialização. Foi ruim a partida para essa corrida, dada há muito tempo, e o Brasil precisa mudar de atitude, se ainda quiser ter alguma chance. O País facilitou e subsidiou a apropriação por capitais forâneos do principal dos meios de produção e do grosso dos bancos, a ponto de tornar inusitada no Brasil a figura do executivo não subordinado a uma empresa transnacional. Poucos setores são exceção a esse respeito.

A submissão irrestrita à globalização foi sinalizada pela adesão, em 1995, à Organização Mundial do Comércio, seguida das emendas à ordem econômica da Constituição. Daí, a legislação brasileira foi banindo a possibilidade de o Estado intervir no domínio econômico em favor da sociedade. Agora só intervém para decretar as taxas de juros mais altas do Mundo, o que não decorre do mercado. Nem mesmo sendo esse mercado oligopolizado por grandes bancos.

Enquanto o culto à globalização for religião oficial, e o mercado divindade intocável, não será possível ao Brasil assentar sua economia em bases sólidas, com a biomassa ou com qualquer outra indústria. Sob essa religião não há como: 1) impedir a morte no ovo de tudo que se poderia tornar grande empresa produtiva; 2) criar as condições socioeconômicas para que o desenvolvimento possa ocorrer.

O quadro político-institucional não tolera que o governo impeça a compra de empresas de capital local por transnacionais. Inúmeras firmas brasileiras, até pequenas, mas inovadoras, têm sido adquiridas por corporações mundiais, por ser irresistível a pressão para vender. Primeiro, porque a demanda interna é fraca, em função da míngua de investimentos no País, tributário, desde 1982, do serviço da dívida pública, inflada pela dinâmica dos juros compostos. Segundo, porque os juros são proibitivos, e os tributos, dilapidados no serviço da dívida.

Assim, empresários aceitam a troca de valiosos ativos reais e intangíveis por moedas inflacionadas. Pior que índios trocando terras por espelhinhos! O dólar vem sendo aviltado, não só por emissões do Tesouro dos EUA para cobrir colossais déficits de conta corrente, mas, ainda mais, para sustentar a proliferação de ganhos financeiros mal lastreados, como os dos derivativos. Embora com data incerta, é evento certo a queda do dólar para fração mínima de seu valor presente.

Capital e tecnologia ou recursos naturais e trabalho
Entrar com uma coisa ou entrar com a outra faz diferença vital. Condena-se ao subdesenvolvimento todo país que não comanda sua produção, por meio do capital e da tecnologia. E, mesmo que, de início, tenha esse comando, termina por perdê-lo, se a comercialização e o financiamento ficam a cargo de centros estrangeiros. Em sua obra clássica, Civilisation Matérielle, Économie et Capitalisme, Braudel fala da Polônia, país que se tornou, no Século XVIII, fornecedor de cereais para o mercado europeu, controlado por mercadores holandeses. O declínio resultante foi tal, que a Polônia reinstituiu o regime de servidão, antes abolido.

Situação semelhante se dá aqui e hoje, quando se apela para reduzir o "custo-Brasil", uma senha para a eliminação dos direitos trabalhistas. As exportações baseadas em baixos custos de mão-de-obra é receita segura para a piora das condições econômicas e sociais. Quem atribui a essas exportações o crescimento do PIB chinês, ignora que esse se deve, em primeiro lugar, a investimentos públicos nas infra-estruturas econômica e social e, em segundo, a indústrias locais intensivas de tecnologia.

Confirmando, contrario sensu, a lição sobre a Polônia, a Dinamarca, na 2ª metade do Século XIX, viu-se alijada do mercado mundial de bens agrários com a entrada de novos produtores dotados de extensas terras férteis (EUA, Austrália, Argentina). Na ótica do agronegócio, isso seria ruim. Não foi. A perda desse mercado levou a Dinamarca a diversificar sua economia com capital nacional, construindo máquinas e tecnologia para aproveitar suas modestas matérias-primas. Foi o ponto de partida para o desenvolvimento.

Em suma, se brasileiros não controlarem a produção e o comércio da biomassa, esta se somará a outros setores do agronegócio e à extração mineral como mais um a desperdiçar recursos naturais sem proveito para o capital nacional nem para o trabalho. A quem tiver preconceito contra o primeiro, deve-se lembrar que, se ele não se acumular no País, não haverá nem investimentos nem empregos decentes para os brasileiros.

Exemplos gritantes são o nióbio e o quartzo, minérios cuja oferta mundial está quase toda no Brasil, e em relação aos quais: 1) o preço oficial de exportação do minério é uma ínfima fração do preço no exterior, já de si subavaliado; 2) as quantidades que figuram na estatística são pequena fração do consumo aparente mundial; 3) as matérias-primas são processadas e transformadas no exterior, havendo aí imensa agregação de valor, desproporcional aos custos dessas operações.

É de tal ordem de grandeza a dilapidação dos recursos naturais do País, que a receita das subfaturadas exportações brasileiras supera a das importações, malgrado o superfaturamento destas. Esse é o caminho do Haiti, que muita gente imagina ter sido sempre pobre. Grande engano.

Derrotada em batalhas ultramarinas, a França foi posta, durante a negociação do tratado de paz, em 1763, na contingência de perder ou o Haiti ou o Québec (Canadá). Fez a escolha natural: ficou com o Haiti, rica colônia exportadora de produtos tropicais. Também os bolivianos sabem hoje que, do Eldorado da prata de Potosi, do Século XVII, não restaram senão buracos em suas montanhas.

O declínio do Brasil foi desencadeado por dois processos interligados - e intensos de 1955 a 1975 -, a desnacionalização e o aumento do grau de concentração. Estudo de Newfarmer e Mueller para a Comissão de Assuntos Estrangeiros do Senado dos EUA, publicado em 1975, constatava, já na 1ª metade dos anos 70, a estrutura oligopolista do grosso da indústria e seu controle por empresas multinacionais. Esses processos radicalizaram-se com as privatizações dos anos 90 e não são estranhos ao serviço da dívida. Tudo resultou na estagnação econômica e no desastre das condições sociais. A participação dos salários no PIB caiu de 60% em 1964 para 30% em 2005.

O Eldorado da biomassa
A biomassa pode trazer as vantagens de um verdadeiro Eldorado. No estado atual da técnica são possíveis preços de produtor dos combustíveis de biomassa inferiores em, pelo menos, R$ 0,50 aos dos derivados de petróleo. A vantagem da biomassa independe, pois, de subsídios. Além disso, seu uso fará elevar as exportações de petróleo e a taxa de conservação deste.

Os ganhos crescerão com a tecnologia a ser desenvolvida com a produção, embora já haja rendimentos excelentes: a cana-de-açúcar e a mandioca, com de 6.000 litros por hectare/ano ou mais. No caso dos óleos, o dendê, com 6.000 litros e os pinhões, 3.000 litros ha./ano.

Completada a substituição, em 10 anos, far-se-á economia, no 10º ano, de, no mínimo, R$ 37,5 bilhões, além da acumulada nesses 10 anos, de mais de R$ 200 bilhões. Esses formidáveis valores crescerão em função do aumento dos preços do petróleo. Os subprodutos da biomassa valem outro tanto: a) da cana-de-açúcar: o bagaço, o vinhoto, as folhas, a palha; b) das oleaginosas: o farelo, proteína para alimentação animal.

Os investimentos totais nas culturas e na indústria da biomassa exigem, no máximo, R$ 4 bilhões por ano, o que implica rentabilidade altíssima, atraente para o setor privado. Essa quantia é apenas 1,3% do investimento de capital fixo feito no País, onde, de resto, se desperdiçam mais de R$ 200 bilhões/ano no excesso das taxas de juros. É modesto o custo da conversão de motores para combustíveis de origem vegetal, e os ganhos para o consumidor crescem com o pleno aproveitamento da octanagem do álcool, da qual cerca de 35% se perdem no esquema flexfuel.

A produção de biomassa é intensiva de trabalho, enquanto a do petróleo o é de capital. O que toca ao trabalho do valor agregado pela Petrobrás não passa de 7,5%. Além disso, serão criados empregos para quadros qualificados, na pesquisa de espécies e modos de cultivo, bem como nos processos de transformação industrial e novos usos. Há, ainda, o novo campo da alcoolquímica e da bioquímica das oleaginosas.

A coleta destas não comporta mecanização e sua expansão exigirá área 4 vezes maior que a usada para a cana-de-açúcar e o etanol, segmento que, só no Estado de São Paulo, emprega 400 mil trabalhadores organizados e ocupa menos de 3 milhões de hectares.

Dobrando-se a área, no caso do etanol, o incremento nos empregos é de 400 mil. Para as oleaginosas, são 1,2 milhões, multiplicados por 1,5 (dada a maior intensividade de mão-de-obra). Isso resulta em 1,8 milhões de empregos nos óleos e 2,2 milhões no total. Estimando-se três empregos indiretos para um cada desses, são 8,8 milhões, o suficiente para eliminar quase todo o desemprego computado nas estatísticas oficiais.

Meio ambiente
Além da captação do CO2, as culturas da biomassa trarão benefícios ao meio-ambiente e à saúde, em função de seu efeito sobre a cobertura vegetal de extensas áreas. As áreas preservadas ou reflorestadas pelo plantio de árvores oleaginosas serão um múltiplo das ocupadas pelas lavouras de cana-de-açúcar e de mandioca.

Mais notável, os subprodutos permitirão recuperar cerca de metade das terras desmatadas para pastagens, as quais ocupam área cinco vezes maior que a de todas as lavouras. Poder-se-iam, assim, reflorestar 40% das áreas de pastagens, ou seja, 100 milhões de ha.

Exportação
Os impressionantes ganhos econômicos, de geração de emprego, ambientais, bem como as terras recuperáveis para reflorestamento, que se podem obter com a produção de energia para o mercado interno, serão multiplicados por 2, por 3, ou por fator ainda maior, desde que se façam os investimentos para atender a ilimitada procura existente pela energia da biomassa, não só por seus custos serem inferiores aos dos derivados de petróleo, mas também pela falta deste.
Por Adriano Benayon* Doutor em Economia. Autor de "Globalização versus Desenvolvimento".
(Amauta, 06/04/06)
http://www.amauta.inf.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1330&Itemid=27

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