Por Alexandre Harkaly *
A agricultura orgânica no Brasil, que apresenta um crescimento estimado de
30% ao ano, reúne, atualmente, um número aproximado de 8.000 produtores e
900.000 hectares cultivados, com um potencial de 3.000.000 hectares em curto prazo. O mercado de orgânicos é o que mais cresce no mundo inteiro,
impulsionado principalmente por consumidores que buscam melhores condições
de saúde aliadas a preocupações ecológicas e sociais.
Os alimentos orgânicos brasileiros são reconhecidos e valorizados em todo o mundo e, no ranking dos orgânicos, o Brasil ocupa hoje a 6ª posição. Nossos produtos são exportados para a Alemanha, Holanda, EUA, Japão, Reino Unido, Suíça, Bélgica, França, Áustria, Dinamarca, Suécia e Canadá, entre outros. E no Brasil, é cada vez maior o número de consumidores conscientes dos benefícios deste método de produção.
Neste cenário, cabe destacar a participação dos pequenos agricultores, para os quais este ascendente mercado vem representando um forte estímulo. É importante dizer que cerca de 90% dos produtores orgânicos são agricultores familiares, sendo eles os grandes responsáveis pelo abastecimento interno de alimentos livres de pesticidas, herbicidas, fungicidas, hormônios e antibióticos. Além disso, são os potenciais mantenedores dos ecossistemas, conservando e preservando matas, rios, bosques e animais silvestres, e contribuindo significativamente para a melhoria da saúde da população.
A liberação da produção e comercialização de transgênicos em nosso país
representa, para o desenvolvimento da agricultura orgânica, e notadamente
para o pequeno agricultor, uma séria e grave ameaça, pois a contaminação de lavouras, inevitável, levará à conseqüente desvalorização dos produtos,
acarretando perda de status de certificação e recuo no processo de
reconstrução ambiental que vem sendo realizado.
Durante o processo de tramitação do projeto de lei que aprovou a competência da CNTBio para dar o parecer final sobre a liberação comercial de transgênicos, o Instituto Biodinâmico esteve presente junto a diversas
instâncias governamentais, defendendo os direitos dos agricultores orgânicos que desejam a liberdade de escolha, que querem continuar a produzir suas sementes e ter os seus direitos e o seu espaço garantidos, sem risco de contaminação. Os pontos a seguir resumem os principais argumentos dos orgânicos contra a livre produção e comercialização de organismos geneticamente modificados.
As sementes são um patrimônio da humanidade. A patente transgênica é inadmissível do ponto de vista ético, pois serve apenas ao interesse comercial de grupos específicos que manipulam a opinião pública e a crença dos agricultores.
A tecnologia transgênica pereniza o uso de agrotóxicos, em nada contribuindo para melhorar as condições ambientais e as condições de saúde da população. Estudos e pesquisas recentes constatam que há um aumento do uso do glifosato sobre as culturas geneticamente modificadas a partir do terceiro ano de plantio, devido à resistência das ervas daninhas.
A engenharia genética não é solução para a fome no mundo. A fome é um problema político, e não um problema de técnicas de produção. Atualmente há no mundo alimento suficiente para todas as pessoas. Melhorar a renda e o acesso da população a bens de produção é o único caminho possível para se eliminar a fome.
Não existem estudos que garantam que nossa saúde não será afetada pelos alimentos transgênicos. Estudos científicos alertam para a possibilidade de reações alergênicas, reações do sistema imunológico e patogenias resistentes a antibióticos. Além do mais, novos genes poderiam alterar a expressão de genes nativos e assim provocar efeitos secundários inesperados.
Não é possível a co-existência de transgênicos e orgânicos. Prova disso é a quantidade de cultivares sendo contaminados em todo o mundo. A contaminação em larga escala das variedades tradicionais de milho no México é um exemplo clássico. É ali, onde se encontra a maior diversidade de cultivares de milho e de espécies nativas. Este banco de germoplasma, considerado de fundamental importância para a segurança alimentar do mundo, já está contaminado. No Brasil já existem casos de cultivares convencionais contaminados (soja no RS). Recentemente a CNTBio decidiu autorizar a comercialização de sementes de algodão com até 1% de contaminação por transgênicos. Isto significa que, na próxima safra, possivelmente não haverá estoque de sementes convencionais suficiente levando nossos pesquisadores a aceitar e a elevar, cada vez mais, os níveis aceitáveis de contaminação.
A quem compete a responsabilidade por possíveis contaminações de lavouras
orgânicas por organismos geneticamente modificados e todas as decorrentes
conseqüências, legais e comerciais? Países europeus vêm discutindo este
assunto e a Alemanha já editou uma lei garantindo o direito de co-existência entre culturas agrícolas, prevendo penas severas aos contaminadores. Enquanto isso, no Brasil, paralelamente ao imenso lobby das multinacionais dos transgênicos, assistimos importantes iniciativas como as de um pequeno número de parlamentares e organizações não-governamentais que continuam envidando esforços junto aos órgãos de decisão e junto à população, alertando para os riscos da livre produção e comercialização de OGMs e defendendo os direitos dos agricultores orgânicos e da população brasileira, que vê no cultivo e no consumo de alimentos sem agrotóxicos e sem modificações genéticas a possibilidade de uma vida mais saudável, e de um legado positivo para as futuras gerações. Outro movimento importante é o do Governo do Paraná que continua tentando convencer o Governo Federal a reconhecer aquele Estado como zona livre de transgênicos.
As boas práticas agrícolas são as únicas capazes de restituir à terra sua
fertilidade e a capacidade regenerativa dos meios de produção. E nosso país, com seu imenso potencial agrícola, deveria aproveitar esta oportunidade única de oferecer ao mundo um produto diferenciado. Sabemos que pelo menos 70% dos consumidores da Europa, Japão, China e EUA preferem alimentos não transgênicos.
*Alexandre Harkaly é Diretor da Associação de Certificação Instituto
Biodinâmico. ibd@ibd.com.br - www.ibd.com.br. Artigo publicado originalmente em
Estação Vida