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2006-04-05
"Pode comer peixe na Amazônia sossegado. Só não coma garimpeiro", brinca o bioquímico José Dórea, da UnB (Universidade de Brasília). O pesquisador e seus colegas dizem ter colhido dados suficientes para demonstrar que, ao menos nos níveis atuais, a presença de mercúrio no pescado amazônico não afeta a saúde.

Dórea faz questão de frisar que o garimpo de ouro, no qual se usa o mercúrio, é um problema ambiental sério para a Amazônia. Também ressalta o perigo da exposição direta a esse metal pesado, altamente tóxico ao sistema nervoso, para quem trabalha no garimpo (daí a brincadeira sobre o risco de "consumir" um garimpeiro). No entanto, segundo o pesquisador, as pessoas que absorveram o elemento ao comer os vários tipos de peixe na região não estariam correndo riscos.

A conclusão é o resultado final de 15 anos de estudo, que começaram com as preocupações ligadas à contaminação de rios como o Madeira e o Tapajós, ambos na bacia amazônica, pelo garimpo. Como a principal fonte de proteína das populações da região são os peixes, temia-se que elas sofressem as conseqüências da concentração desse metal na dieta. As espécies do Madeira e do Tapajós pareciam ter níveis preocupantes de mercúrio em seu organismo.

"O problema é que havia níveis tão altos ou maiores de mercúrio nos peixes do rio Negro [outro dos principais afluentes do Amazonas], embora lá não tivesse havido garimpo de ouro", diz Dórea. Para o pesquisador, a explicação vem da própria abundância natural de mercúrio nas rochas da região do rio Negro.

Ao estudar as populações ribeirinhas que comiam esse pescado, constatou-se que o mercúrio se acumulava no cabelo das pessoas e acabava sendo eliminado, sem sinais aparentes dos problemas de saúde associados ao metal. E isso apesar de ele aparecer em concentrações de 0,5 ppm (partes por milhão) em peixes como as piranhas (por serem carnívoras, elas acumulam o mercúrio dos peixes que comeram no organismo). Esse valor é considerado o limite do risco à saúde humana.

"Já no caso dos garimpeiros, o mercúrio estava presente na urina", com um impacto palpável na saúde, diz o pesquisador da UnB. Dórea e seus colegas também examinaram dois grupos indígenas, os caiabis e os mundurucus, que consomem boas quantidades de peixe e vivem em áreas onde houve atividade garimpeira.

Além de não encontrar problemas associados ao mercúrio nas tribos, os pesquisadores ainda verificaram que os caiabis, os quais consomem, em média, cerca de quatro vezes mais peixe que os mundurucus, tinham menos incidência de doenças cardiovasculares entre a população idosa.

Cautela

Outros especialistas que estudam a contaminação por mercúrio pediram cautela diante das conclusões. "É inaceitável, na minha opinião não considerar a hipótese de contaminação de populações ribeirinhas devido ao consumo de peixes", diz Ciro Oliveira Ribeiro, da UFPR (Universidade Federal do Paraná). "É sabido que existe um background [nível básico] de mercúrio na Amazônia, assim como existe no Canadá, mas lá isso não impediu o surgimento da "doença dos peixes", encontrada nos índios que, em determinados períodos, eram forçados a se alimentar mais de peixes."

Wanderley Bastos, do Laboratório de Biogeoquímica Ambiental da Universidade Federal de Rondônia, concorda que não há risco no consumo de peixe no rio Negro. Mas ainda restam perguntas, segundo ele. Por exemplo, "poderiam ocorrer efeitos neurológicos que necessitariam de avaliações mais específicas para serem observados".

Para Dórea, a ação incessante de microrganismos da Amazônia sobre o mercúrio ajudaria a modificá-lo de forma a evitar sua ação negativa. Além disso, a inexistência de outros metais pesados e poluentes diminuiria o risco. "Para perder essa proteção, só acabando com a floresta", diz. (Folha Ciência, 5/4)

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