Cerrado sofre devastação em três municípios goianos
2006-04-05
Três municípios goianos da região do Entorno apresentam índices altos de devastação do cerrado. Cabeceiras, Valparaíso e Abadiânia perderam mais de 60% de cobertura vegetal nativa. O desmatamento afeta diretamente os moradores do Distrito Federal. Vem dos municípios goianos a maior parte da água que os brasilienses consomem. A falta do verde também prejudica a fauna, já que os animais precisam de corredores naturais para se alimentarem e procriarem.
O alerta é da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) de Goiás. Com base em fotos aéreas e dados do Sistema Integrado de Alerta ao Desmatamento (Siad), atualizados em 2005, a secretaria mapeou toda a área verde dos 246 municípios goianos. Metade tem menos de 20% do bioma original. Na outra ponta, os números indicam que apenas seis cidades têm mais de 80% de seus territórios preservados, e 18 conservam entre 60% e 79,99% de sua área.
Apesar de estar em uma posição intermediária no ranking do desmatamento, com 64,42% de mata nativa preservada, Águas Lindas, distante 39km do Plano Piloto, é o município do Entorno que mais preocupa os técnicos goianos e os ambientalistas brasilienses. Os loteamentos da cidade estão muito próximos da Barragem do Descoberto, de onde sai a água que abastece 65% do DF.
Loteamentos irregulares
Diferente dos municípios do sul e oeste goiano, onde o grande vilão é a monocultura de grãos, a causa do desmatamento em Águas Lindas e na maioria das cidades do Entorno é a ocupação desordenada do solo. Fruto da proliferação de loteamentos irregulares, a população saltou de 5 mil moradores no início da década passada para 160 mil em 2005 – crescimento de 3.200%. Apesar das tímidas investidas do governo para conter a grilagem e da falta de infra-estrutura (pavimentação, esgotamento sanitário, etc), ainda há muita gente de malas prontas para se mudar para lá, atraída pela especulação imobiliária.
Os órgãos ambientais de Goiás e do governo federal tentam barrar novas construções próximas ao lago do Rio Descoberto. Os lotes em condomínios de classe baixa são oferecidos por meio de faixas nas ruas e avenidas da cidade. “O problema é que o município não tem rede de esgoto. Os moradores fazem fossas de 7m, 10m, que contaminam o lençol freático e a água que bebemos”, observa a geógrafa Mara Moscoso, diretora do Fórum das ONGs Ambientalistas do DF e Entorno.
O desmatamento provocado pelo crescimento desordenado também ameaça a saúde dos moradores do Entorno. A existência de clubes e chácaras às margens do Ribeirão Saia Velha pode comprometer o manancial, inviabilizando o seu uso para o abastecimento público de Valparaíso e Cidade Ocidental. A Empresa de Saneamento de Goiás (Saneago) considera que as margens e as nascentes do Ribeirão Saia Velha estão bastante degradadas.
Em Valparaíso, um dos afluentes do Saia Velha, o Córrego do Mangal, está sendo engolido por casas construídas em áreas invadidas. Alguns moradores levam o esgoto da residência direto ao córrego, por meio de precárias tubulações. Outros jogam o lixo nas margens e dentro do riacho. Eles destruíram toda a mata ciliar ao longo dos 300m de córrego que corta o bairro surgido na antiga Chácara Ipiranga.
Mau cheiro - Até 10 anos atrás, quando barracos começaram a ser erguidos a toque de caixa no morro ao lado, o córrego tinha água cristalina e pura. As poucas famílias de chacareiros bebiam dela. Também pescavam e lavavam suas roupas. “A gente tirava muito peixe daí, principalmente bagre. Hoje, não dá nem para chegar perto, por causa do mau cheiro”, reclama o servente de pedreiro Valdeci Cândido da Silva, 50 anos, que, há três décadas se mudou para uma das chácaras da região com os pais e sete irmãos. Hoje, mora em um dos barracos à beira do Mangal.
As agressões alteraram o curso do córrego. Afunilado pelo lixo, ele ameaça transbordar a cada chuva forte. “Um dia, ás águas vão subir tanto que entrarão nas casa daqui”, prevê o pedreiro Antônio Nilson Ferreira Soares, 37 anos. Ele conta que o Mangal já chega poluído ao bairro onde mora com a família. “Ele recebe todo o esgoto da Cidade Jardim (bairro de Valparaíso). Por isso não posso mais tomar banho nele com meus três filhos, como eu fazia quando cheguei aqui”.
Livres da soja -
O mapeamento dos técnicos ambientais de Goiás também mostra um aspecto positivo: dos 15 municípios com maior percentual de cobertura vegetal nativa no estado, três estão no Entorno. Santo Antônio do Descoberto, com 81,26% de área conservada, aparece em primeiro lugar, seguido de Cocalzinho, com 73%, e Planaltina (Brasilinha), 72,83%.
O Entorno ainda está em uma condição privilegiada porque não sofre tanta pressão dos plantadores de soja, segundo o superintendente de Biodiversidade da Secretaria de Meio Ambiente goiana, Emiliano Lobo de Godoi. “Ainda próxima da região há, por exemplo, o Vão do Paranã, a área mais preservada do estado”, destaca. Ele diz também que o governo estadual tem criado leis para frear o desmatamento.
Uma delas, que entrou em vigor em maio do ano passado, exige que os municípios destinem 10% de seu território como Área de Preservação Permanente (APP). Já os fazendeiros são obrigados a manter 20% da vegetação nativa em sua propriedade. “Com isso, temos pelo 30% de área preservada, o mínimo necessário”, comenta Godoi.
Extinção - Goianira, na região metropolitana de Goiânia, e Damolândia, no centro do estado, têm cobertura vegetal original próxima do zero. Com uma preservação abaixo de 10%, espécies que poderiam ter algum tipo de potencial econômico são eliminadas por serem endêmicas (ocorrem somente em determinado local).
Cidades com menos de 20% de área preservada são consideradas críticas para o bioma, que a partir desse índice começa a sofrer severos danos nos seus recursos genéticos. “A fragmentação do bioma provoca erosão genética. As espécies começam a se isolar, reduzindo o seu número e com isso iniciando um processo de extinção”, explica Emiliano Godoi.
(Correio Braziliense, 04/04/06)