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2006-04-05
Falhas nos diagnósticos de pacientes com câncer e outras doenças de pulmão podem estar encobrindo centenas ou milhares de casos de duas patologias graves, a asbestose e a mesotelioma, causadas pela inalação de poeira contendo fibras de amianto. O contato com o produto se dá nas minas ou nas indústrias de beneficiamento de amianto para fabricação de telhas, caixas dágua e alguns produtos automotivos, como lonas de freio. Apenas recentemente começou-se a adotar no Brasil medidas de extração e beneficiamento controladas, o que, na opinião de muitos especialistas, não é suficiente para se evitar as doenças.

Em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a 2ª Vara da Justiça do Trabalho iniciou ontem (4) o julgamento de uma ação de indenização movida pela família de Nélson Vieira de Souza contra a empresa Brasilit, que fabrica telhas e caixas d´água de amianto e de polietileno. Ele morreu em junho do ano passado, aos 77 anos, vítima de um mesotelioma. Entre 1960 e 1964, Nélson Vieira trabalhou como servente de pedreiro na Brasilit, mas a doença só se manifestou 40 anos depois. Este é primeiro caso, que se tem conhecimento, a ser julgado em Minas Gerais. A assessoria de imprensa da Brasilit informou que a empresa não iria comentar o assunto.

Há também poucos relatos de casos de asbestose e mesotelioma. O médico pneumologista da Santa Casa de Belo Horizonte e membro do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador da Faculdade de Medicina da UFMG, José Geraldo Félix de Seixas Maciel, afirma que as doenças são subdiagnosticadas porque falta capacitação dos profissionais de saúde para detectá-las.

O médico ressalta ainda que deveria ser feita uma pesquisa da vida pregressa do paciente, para verificar se em algum momento houve contato com amianto. Mas a principal orientação que José Geraldo Maciel deixa às pessoas que já trabalharam com o produto é procurar um serviço de saúde para realização de exames, relatando isso ao médico.

O especialista explica que a asbestose está diretamente ligada à exposição prolongada à poeira de amianto, enquanto o mesotelioma depende mais da predisposição da pessoa do que do tempo de exposição. Em ambos os casos, as doenças podem demorar muitos anos para se manifestarem. Para tranqüilizar a população, José Geraldo Maciel garante que não há nada que comprove risco de se contrair as doenças apenas utilizando caixas d´água e telhas de amianto. Uma das filhas de Nélson Vieira, Maria do Carmo, 38, conta que o pai não sentia nada de anormal até abril do ano passado, quando teve uma dor no abdome e desmaiou. Levado para o hospital, seu estado de saúde se agravou rapidamente e, em junho, faleceu. Exames realizados pela Santa Casa detectaram um câncer no pulmão, que era o mesotelioma.

A decisão da família de tornar pública a doença do pai e de entrar na Justiça requerendo indenização, conforme Maria do Carmo, tem o objetivo de alertar a população para os riscos, ainda pouco conhecidos. Segundo ela, a família não procurou a empresa para tentar negociar, seguindo orientações dos médicos e da advogada.

Contato com o produto já teria contaminado cerca de 3,5 mil
Em todo o Brasil, a estimativa é de que cerca de 3,5 mil pessoas tenham doenças pulmonares causadas pela exposição ao amianto. As empresas que trabalham com o produto procuram fazer acordo com os ex-funcionários, pagando indenizações. Porém, parte prefere entrar na Justiça, requerendo valores bem mais altos que os oferecidos nos acordos, segundo informações da Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto (Abrea), que tem sede em Osasco (SP).

O diretor da Abrea, João Batista Momi, 76 anos, conta que já ganhou ação em três instâncias em São Paulo, mas a empresa para a qual trabalhou durante 32 anos recorreu da decisão judicial. “Eles querem fazer acordo, porque se perderem na Justiça abrirão um precedente", revela.

João Batista ficou sabendo que adquiriu a asbestose quando foi realizar exames pulmonares. Ele diz que, por demorar a se manifestar, a doença ataca pessoas mais velhas, e muitos já morreram com câncer sem receber nenhuma indenização. “Muitas pessoas estão aceitando os acordos, mesmo em condições desfavoráveis, porque preferem ter pouco nas mãos do que correr o risco de morrer sem receber", diz.

A engenheira do trabalho e auditora fiscal do Ministério do Trabalho de São Paulo, Fernanda Giannasi, 48, pesquisa o amianto e fiscaliza as empresas desde 1985. Ela foi uma das fundadoras da Abrae e defende que o Brasil adote o fim da utilização do produto, como já fizeram 42 países do mundo. Segundo ela, existem no país 210 empresas que declaram utilizar o amianto, sendo que 153 estão em São Paulo.

A auditora ressalta que existem regras a serem seguidas pelas empresas para o uso do amianto no Brasil, como possuir lavanderia, trocar uniformes, realizar exames nos funcionários até 30 anos depois de encerrarem as atividades, entre outras medidas. O médico pneumologista José Geraldo Félix de Seixas Maciel acrescenta que a indústria de amianto encontrou como solução formas de exploração e beneficiamento controlados e isso não acaba com os riscos. Assim como os membros da Abrea, o médico também é a favor do banimento do produto do país.
(Hoje em Dia – MG, 04/04/06)

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