"Mar Doce" desvenda segredos da Lagoa dos Patos
2006-04-05
O Rio Grande do Sul é farto em águas. E essa generosidade geográfica é evidente
no mapa do estado, onde sobressai a Lagoa dos Patos - a maior do Brasil, com
cerca de 250 km de comprimento, verdadeiro oceano encravado na planície
costeira. A paisagem é cenário do filme "Mar Doce", dirigido por Werner
Schünemann, cuja edição de imagens e som está em fase de conclusão. Entre os
personagens, um homem de 83 anos é o guia de uma expedição naval pelos recantos
mais bonitos da região.
O personagem é real. Chama-se Geraldo Knippling. Piloto aposentado que comandou
aviões da Varig por mais de 40 anos, conhece a Lagoa dos Patos como a palma da
mão, por causa do hábito de velejar. Desde guri navega no "mar de dentro", como
os gaúchos chamam as águas doces que alcançam o horizonte. Viaja por hobby, mas
é cartógrafo experiente e também excelente fotógrafo. Por tudo isso foi
convidado a participar como ator e consultor do documentário que será lançado
no segundo semestre.
"O filme foi feito em oito anos", explica Carlos Peralta, da equipe da Novo 7
de Cinema e Televisão, produtora do longa metragem. "Fizemos várias produções,
entre 1999 e 2004, para conseguir imagens de diferentes estações do ano",
comenta ele.
Sem querer adiantar a história, Peralta conta que Mar Doce é um documentário
com um pouco de ficção e aventura, inclusive com imagens do naufrágio de um dos
barcos de apoio, que aconteceu de verdade. Os atores principais serão Werner e
Carlos Alberto Riccelli, narrador que também interpreta um personagem que é uma
espécie de anjo que antecipa fatos da viagem. "Ele é um querubim, numa história
de realismo fantástico", comenta o produtor.
Knippling vai fazer uma ponta no cinema como comandante do Magana, como de fato
foi na expedição de 40 pessoas da equipe de produção, que teve dois barcos de
apoio. O filme conta a história de uma viagem que parte de Rio Grande e avança
pela Lagoa dos Patos em direção a Porto Alegre, registrando belas imagens da
região de colonização portuguesa que teve grande importância na formação
sócio-econômica do Rio Grande do Sul.
Rio Camaquã
O melhores lugares para a produção de imagens foram, lógico, apontadas por
Geraldo Knippling. "Indiquei lugares como o rio Camaquã", relata o navegador,
que participou das filmagens em 2001. Ele guarda as fotos do acampamento montado
na época. "Uma noite, no delta do rio, houve um temporal que destruiu todas as
barracas. Foi uma correria".
Morador na capital gaúcha, Geraldo Knippling costuma navegar durante o ano todo,
mas principalmente no verão. Viaja sozinho com a mulher, Regina, que o auxilia
ao leme. Durante os meses de calor, o casal praticamente mora no Magana, barco
criado especialmente para singrar a Lagoa dos Patos. Foi construído com
capacidade de operar em águas rasas. Em geral a lagoa tem pouca profundidade.
Geraldo Knippling já fez várias cartas de navegação detalhadas, determinando
rotas de acesso aos mais recônditos lugarejos da região. Ele mapeia ilhotas,
portos, arroios, barras, molhes, tudo com indicações de latitudes, longitudes,
e com alertas sobre os bancos de areia que podem se modificar de acordo com
enchentes ou vazantes.
Geraldo sempre viajou com duas câmaras fotográficas Nikon de modelos diferentes,
teleobjetivas, filtros e muitos filmes. Hoje usa uma Sony 7.2, digital. O
resultado são fotos belíssimas. Inclusive aéreas, algumas clicadas em companhia
do filho Guilherme que viajava no comando de aviõezinhos próprios para as
experiências do fotógrafo pesquisador. A princípio eles usaram um velho PA-18,
do Clube de Planadores de Osório, uma aeronave de asa alta, com possibilidade
de voar com a janela aberta. "O problema era que tinha pouca autonomia.
Levávamos gasolina em bujões plásticos".
Livros
O hobby acabou resultando em livros. Um deles - O Guaíba e a Lagoa dos Patos -
está sendo ampliado e Knippling pretende reeditá-lo pela quarta vez. Produção
independente, diga-se, resultado de 15 anos de expedições. A obra tem 176
páginas, com cerca de 140 fotos e de 30 mapas. E com conteúdo crítico. O autor
apresenta belas imagens, mas destaca nos textos os danos ambientais. "Muitas
praias de infinita areia branca, onde sequer se avista qualquer ser humano, são
atingidas por óleo lançado de navios ou águas poluídas por defensivos agrícolas
e dejetos plásticos", conta ele.
As belezas registradas pelo fotógrafo são pouco conhecidas pela maioria dos
gaúchos. Uma de suas obras-primas é a foto da Ilha do Junco, ao sul da Vila de
Itapuã, que Knippling considera a mais bela do rio Guaíba, justamente no ponto
em que se encontra com a Lagoa dos Patos. Antigamente chamava-se Ilha das
Cobras. "Mas as cobras não existem mais, pelo menos não em maior número do que
qualquer outro lugar nas margens do rio. É que para lá foram levados alguns
lagartos que se procriaram e acabaram com as cobras", conta.
Sobre o filme, ele comenta com entusiasmo. "Foi um trabalho maravilhoso. O
Werner Schünemann é um cara fantástico. Extremamente meticuloso. Ele transmite
o entusiasmo que tem pelo trabalho". Nisso, Geraldo Knippling também está longe
de ser marinheiro de primeira viagem. Nos anos 60 arrematou o primeiro lugar em
um concurso nacional de cinema amador. Operava uma câmara 16 mm e fez um
documentário sobre aeromodelismo.
(Cristina Ávila, Ecoagência, 04/04/06)
http://www.ecoagencia.com.br/index.php?option=content&task=view&id=1516&Itemid=2