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2006-04-03
Porto Alegre tornou-se o 29° município a integrar o programa Cidade Amiga da Amazônia – projeto lançado nacionalmente pelo Greenpeace. A bordo do navio My Artic Sinrise, o prefeito José Fogaça assinou na última sexta-feira (31/03) termo de compromisso com a entidade. De acordo com o prefeito, um decreto será publicado do diário oficial, passando a ter efeito para todas as atividades da prefeitura que envolvam a compra de madeira. “Isso que estamos fazendo é apenas um tijolo dentro de um edifício, um pedaço que ainda tem que ser concluído com muitas outras ações que virão posteriormente”, aponta Fogaça.

A iniciativa tem como finalidade incentivar prefeituras brasileiras a adotar leis que evitem o consumo de madeira nativa de origem criminosa nas compras e licitações públicas. No Estado, a capital gaúcha foi a quarta cidade a aderir ao projeto (no cenário nacional, figura como a terceira capital do país). Santa Maria, Rio Grande e São Leopoldo já estavam engajadas na campanha. Na avaliação de Valdeci Oliveira, prefeito de Santa Maria, “a Amazônia não é apenas dos moradores daquela região, nem do Brasil. É do mundo. E por isso, a cidade, que é o coração do Rio Grande do Sul, vai pulsar energia em favor desta causa ambiental”.

Fogaça também assinou decreto que cria um grupo técnico de trabalho, com representantes de diversas secretarias da administração municipal e entidades civis. A intenção é estudar a elaboração de uma política de consumo responsável de madeira para o município. "Essa é uma forma eficaz adotada pelo Greenpeace para a valorização do papel dos governos locais nas políticas públicas ambientais. Não podemos esquecer que os municípios são unidades gestoras da vida, grandes agentes de transformação, portanto devemos trabalhar todos juntos para a preservação da floresta Amazônica e do meio em que vivemos" disse o prefeito.

Além de Fogaça e Oliveira, esteve presente na cerimônia o prefeito de São Leopoldo, Ary Vanazzi, o representante da prefeitura de Rio Grande, Glênio de Freitas Júnior, o presidente da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Humberto Goulart e representantes das ONGs Amigos da Terra, NEMA, UPAN, Fundação Mola e Movimento Roessler.

“Quase um parto”, avalia Coordenadora da Campanha
Embora Porto Alegre tenha aderido ao programa, Rebeca Lerer, coordenadora do Cidade Amiga da Amazônia conta ter se surpreendido com a “lentidão” da cidade. “Eu tinha uma expectativa quando decidimos trazer o programa para cá. Muito pela força do movimento ambientalista gaúcho, do próprio nível cultural da cidade e do pioneirismo do Estado, que sempre sai na frente mostrando mobilização”. De acordo com ela, entretanto, demorou cerca de nove meses para desenrolar a adesão. “Percebemos que havia uma falta de informação muito grande sobre esse tema dentro da própria prefeitura. Algumas resistências também do ponto de vista jurídico, que contribuíram para o atraso do engajamento”, analisa.

Após a assinatura na sexta-feira, Rebeca comemorou, sintetizando “que ao fechar suas portas para madeira de origem criminosa, a prefeitura de Porto Alegre está agindo concretamente para deter o desmatamento da Amazônia”. Ela acrescenta ainda esperar que a adesão da capital gaúcha motive outros municípios do Estado a fazer o mesmo, inspirando a sociedade a consumir produtos florestais de forma consciente e legal.

A Organização não-governamental frisa, em todos os momentos, o fato de a Amazônia não conseguir ser salva apenas pela sua população local. Segundo o Greenpeace, é preciso que todos os cinco mil municípios brasileiros assumam esse papel, já que 33% da madeira irregular extraída da Amazônia é consumida por prefeituras e órgãos públicos, além de entre 60% a 80% de toda madeira amazônica ter origem ilegal. A região sul do país e os Estados do Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo são responsáveis pela compra de 27% do produto direcionado ao mercado interno. “As prefeituras consomem grandes volumes deste material em obras como construções de escolas e postos de saúde”, informa o Greenpeace.

Iniciado em 2003, o programa não tem previsão de encerramento. “Estamos trabalhando para que a campanha cresça. Queremos que seja auto-suficiente e que no futuro não dependa mais do Greenpeace para continuar acontecendo”, afirma Rebeca. Para isso, há um projeto previsto para o final deste ano, onde será criado uma rede que envolveria todas as cidades e ONGs participantes. “Queríamos que tivessem idéias próprias de políticas públicas, eventos, seminários de capacitação, etc. Que permaneçam em contato e possam trocar informações, criar iniciativas, sem a nossa mediação”, avalia.

Adriana Imparato, que também é coordenadora do Programa, justifica a escolha deste caminho de “independência” futura do programa, afirmando não ser o “Greenpeace o dono da história. O programa é dinâmico e as pessoas nos ajudam muito, principalmente quando trazem idéias e soluções que a gente sequer havia pensado”.

Amazônia em decadência
Entre 2001 e 2004, mais de 70 mil km² de floresta amazônica foram destruídos pela exploração criminosa de madeira e pelo avanço descontrolado da fronteira agropecuária. Trata-se de “uma área equivalente a ¼ do Estado do Rio Grande do Sul, ou 145 vezes a cidade de Porto Alegre”, segundo o coordenador de campanha do Greenpeace, Marcelo Furtado.

A Organização luta pela criação de uma rede de áreas protegidas e o uso sustentável da região, trabalhando, assim, pela proteção da floresta Amazônica no chamado “arco do desmatamento”. A intenção é construir um “muro verde” de unidades de conservação governamentais para impedir o avanço da fronteira agropecuária. Rebeca Lerer conta como se dá o processo de desmatamento. “Primeiro queimam áreas da floresta. Em seguida, colocam o gado para pastar, por que ele acaba comendo as raízes e fazendo a limpeza do local. Mais tarde, entra a agricultura, quando ocorre a plantação da soja, o nosso maior problema hoje”.

A exposição do Artic Sunrise – ancorado no Armazém do Cais do Porto e que ficou aberto ao público durante o final de semana – retratou essa realidade brasileira através de 72 painéis. As fotos, tiradas sob vários ângulos e através de diversos olhares, choca alguns e motiva outros. É o caso de Elson Sempe, fotógrafo da Câmara de Vereadores e professor da PUCRS, que disse ter ficado impressionado com as imagens.

Muitas delas mostram áreas já tomadas pela agricultura, essencialmente pela plantação de soja. Outras retratam imensas áreas desmatadas. Há fotos de reivindicações, como uma das últimas realizadas pela Organização, no Cristo Redentor, localizado na cidade do Rio de Janeiro. Um dos ativistas contou que diversas pessoas participaram da ação. Após estender a faixa, tirar as fotos do protesto e retirar o pano, foram abordados pela polícia e levados a depor. A ONG, processada pela Igreja, responde por crime ambiental.

O objetivo dos painéis, segundo Rebeca Lerer, é trazer o debate sobre a real situação da Amazônia para mais próximo das cidades. “Queremos que as pessoas se sintam mais relacionadas com essa discussão. Por que na nossa percepção, o brasileiro tem uma relação de amor e orgulho pela Amazônia, mas no seu dia-a-dia faz muito pouco em prol da floresta”, comenta. Na sua avaliação, trazer esse debate para um nível local seria o primeiro passo para conseguir mudar e sensibilizar a sociedade.

Para Adriana, o consumo é a outra ponta do problema e precisa ser freado, pois quem adquire madeira ilegal da região acaba também financiando o desmatamento. “Não apenas pessoa física, mas também o poder público, já que quando compram madeira ilegal, estão financiando com dinheiro público a derrubada ilegal de florestas”, finaliza.
Por Tatiana Feldens

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