Sem oxigênio, rio Pinheiros (SP) agoniza
2006-04-03
Depois de um investimento pesado, o Rio Tietê conseguiu passar, na quarta-feira, no teste da primeira grande chuva depois de quatro anos em obras. A intervenção consumiu R$ 1,1 bilhão e parece ter deixado para trás enchentes que atormentavam os paulistanos. Enquanto isso, o Pinheiros, rio tão importante e extenso quanto o Tietê na capital, agoniza. Os projetos para ele são bem mais modestos e um deles ainda enfrentará uma batalha jurídico-ambientalista para ser posto em prática.
A proposta concreta e em andamento é a de despoluição do Tietê, que beneficia indiretamente o Pinheiros com a instalação de coletores-tronco e de captação de esgoto. A outra, que ainda depende do aval do Ministério Público Estadual (MPE), é a entrada em operação do sistema de flotação. O MPE liberou a realização dos testes e o Estado se dispõe a investir R$ 12 milhões na avaliação, caso isso não seja feito pela Petrobrás - que tinha uma parceria, hoje suspensa, com a Secretaria Estadual de Recursos Hídricos. "Ainda estamos negociando um acordo", diz o secretário Mauro Arce, que pretende iniciar os testes assim que começar o período de estiagem.
A iniciativa é polêmica, porque a água do Pinheiros, que recebe 4 mil litros de esgoto por segundo e tem zero de oxigênio, será bombeada para a Represa Billings - que abastece cerca de 1,5 milhão de pessoas. Segundo especialistas e o MPE, não há garantia de que a flotação garanta a qualidade da água.
Eles também criticam o valor do investimento, que poderia ser destinado à ampliação da coleta e tratamento de esgoto. A Petrobrás investiu até agora R$ 60 milhões na primeira estação de flotação, em Pedreira, zona sul. Ela seria usada em 2003 para testes, vetados pela Justiça. De lá para cá, o Estado gastou R$ 2 milhões na manutenção dos equipamentos. Estima-se que, se for liberado o início das operações, sejam investidos mais R$ 300 milhões para a construção de outras seis estações de flotação.
"O triste é que o sistema está pronto desde 2003 e não deixam fazer nem os testes", reclama Arce. Agora, a avaliação deve durar seis meses - a secretaria tenta reduzir o prazo para três - e foi liberada desde que o Estado cumpra severas exigências. O MPE quer indicar, por exemplo, técnicos para fazer o acompanhamento do projeto.
Arce aposta que, com o sistema ativo, o Pinheiros será o primeiro rio a ter peixes na capital. Diz que, com a flotação, o índice de oxigenação da água passará de zero para 4%, o rio perderá a cor escura e a grande quantidade de poluição difusa - como pneus, garrafas plásticas e móveis. "Estou bombeando até 300 metros cúbicos de água nos dias de muita chuva para a Billings sem tratamento, por que não posso fazer um teste?"
Durante os estudos, serão bombeados 10 m3/s para a Billings. Se os testes comprovarem a eficiência da flotação, a cota deve subir para 50 m3/s - 40 deles retirados do Tietê. Isso vai garantir o abastecimento da Usina Henry Borden, em Cubatão. O Estado conta com o dinheiro da venda de energia para bancar os custos da obra.
Por segundo, 4 mil litros de esgoto
A pequena contribuição natural de nascentes e córregos e a vazão limitada tornaram o Pinheiros um rio quase morto. Para piorar, ele recebe 4 mil litros de esgoto por segundo, lançados por 300 mil residências. A cor mais escura que a do Tietê é resultado da grande quantidade de detritos, aliada à ínfima vazão de 10 metros cúbicos por segundo ao longo dos seus 23 quilômetros.
Mesmo assim o governo do Estado quer reverter a água do rio para a Represa Billings. "O governo deixa de investir no manancial, importante para o abastecimento, e investe em outra coisa, que não vai resolver o problema", afirma o planejador ambiental Renato Tagnin, professor do Centro Universitário Senac e um dos coordenadores do Projeto Billings.
Tagnin elogia a técnica de flotação proposta para o Pinheiros, mas diz que ela é usada para tratar volumes pequenos. "Além disso, o tratamento do rio deve ser feito depois que todos os esgotos forem conectados. Não podemos correr o risco de receber essa água na Billings." Ele acredita que há outros interesses em jogo além da questão do abastecimento.
A reversão do rio permitirá aumentar a produção de energia da Usina Henry Borden, mas o promotor de Meio Ambiente Geraldo Rangel acredita que isso não justifica a adoção da flotação. "É besteira pensar em geração de energia, porque há excesso de oferta no País", diz Rangel, que fez uma pauta de exigências com mais de 70 páginas para o Estado cumprir antes de iniciar os testes.
O governo aposta tudo no projeto. "A idéia é devolver à cidade um dos rios mais importantes do Estado", diz o diretor de Geração da Empresa Metropolitana de Águas e Energia (Emae), Antonio Bolognese.
Tão importante quanto o Tietê na capital, só que mais poluído, o Pinheiros tem sido, desde os anos 30, um depósito de lixo. Só recentemente vem recebendo tratamento mínimo para despoluição. "Coletar esgoto já é um avanço, mas não é suficiente", diz João Francisco Soares, especialista em engenharia ambiental e sanitária do Instituto de Engenharia.
Soares é favorável ao início dos testes e diz que a comunidade acadêmica está ansiosa para saber os resultados. "Para ter o relatório (de impacto ambiental), é fundamental que sejam feitos os testes." Mas ele lembra que, mesmo com as duas obras, o rio vai continuar sofrendo com a poluição difusa. São tiradas anualmente 4 mil toneladas de garrafas plásticas do seu leito.
(O Estado de S. Paulo, 31/03/06)