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2006-04-03
A invasão da serra da Cantareira por condomínios residenciais de médio e de alto padrão tem agravado os impactos ambientais em uma das principais áreas verdes da cidade de São Paulo.

Centenas de novos moradores são atraídos a cada ano por empreendimentos em busca de ar puro, silêncio e segurança, por detrás de muradas fortificadas. Na bagagem, trazem um progresso que degrada o ambiente, ameaça a rica biodiversidade da região e piora a qualidade de vida de outros paulistanos.

Somente a Polícia Ambiental tem flagrado duas irregularidades por mês nesse tipo de condomínio. Mesmo os que estão regulares são motivo de preocupação devido às brechas na legislação. O residencial Village Palmas, da Bancoop, é um dos alvos de contestações pelos impactos ambientais.

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente cita a "supressão de vegetação, interferência em APP (Área de Preservação Permanente), maus tratos na vegetação arbórea e inadequada preservação da vegetação", irregularidades encaminhadas à Promotoria. A pasta diz ter firmado um termo de ajustamento de conduta com os empreendedores, cujas exigências ainda não foram "integralmente" atendidas.

Mas cerca de cem casas do Village Palmas já foram entregues - e outras dezenas permanecem em obras, "no meio do verde", como exalta a sua propaganda.

O condomínio The House é outro alvo de reclamações ambientais. A placa publicitária anuncia: "Um jeito único de viver". E já atraiu 21 compradores, que pagaram entre R$ 469 mil e R$ 545 mil por uma casa, ainda em construção, perto da mata da serra da Cantareira, tombada pelo patrimônio histórico e parte do cinturão verde da reserva da biosfera.

A Polícia Ambiental já chegou a multar os empreendedores em R$ 6.745, no ano passado, pelo corte de 46 árvores. Hoje ele está regular e os acertos ambientais estão sendo cumpridos, segundo a prefeitura. Mas os troncos despedaçados seguem no local.

Não muito longe dali outro condomínio sobe rapidamente: o Itatinga 2, em frente ao Itatinga 1, que abriga há alguns anos cerca de cem casas de alto padrão. Fica tão próximo da floresta que moradores instalaram rede de proteção para que gambás e outros animais não entrem nas casas.

O Itatinga 1 foi motivo de reclamações pela construção de residências próximas a um córrego. Baseado no código florestal, o Ministério Público cobrava uma distância mínima de 30 metros para evitar poluição e interferência no curso d´água. Os empreendedores defendiam 15 metros, com base numa lei mais antiga.

"Fizemos um acordo para que eles ampliassem a distância para 30 metros onde fosse possível e doassem área verde para a prefeitura", afirma Carlos Salles, que é promotor do Meio Ambiente.

Uma comissão da Câmara Municipal começou uma investigação no mês passado. Listou mais de 20 condomínios recém-inaugurados ou ainda em construção nos entornos da Cantareira. E dezenas de imóveis velhos em grandes terrenos à venda -um prato cheio para as imobiliárias que estão descobrindo essa região.

Preocupação - Para Fernando Délcio, administrador do Parque da Cantareira, empreendimentos ilegais, que não possuem alvará de construção da prefeitura ou licença do Estado para cortar mata nativa, e os legalizados, que se aproveitam de brechas na lei, são preocupantes. A maior brecha é a falta de uma regulamentação rígida para a chamada zona de transição entre a mancha urbana e a área de preservação.

"O Itatinga 1 é uma aberração. Produz impacto direto na mata e não cumpre a função de transição", afirma Juscelino Gadelha (PSDB), vereador que preside a comissão da Câmara. O loteamento Parque Itaguaçu, na Freguesia do Ó, beneficiou-se da falta de rigor na ocupação dos entornos da Cantareira. Numa área equivalente a metade do parque Ibirapuera serão construídos vários condomínios, alguns com prédios de até cinco andares. A intenção é atrair 20 mil moradores.

Mesmo com licenças expedidas pelo Estado, o Itaguaçu foi alvo de blitz da polícia, que flagrou lenhadores com motosserras em área protegida. "Não desmatamos de forma generalizada, mas numa área tão grande como essa é possível que tenha ocorrido alguma infração", admite Gilda Mendes, diretora do loteamento.

De um lado, aumenta a quantidade de condomínios que tentam se regularizar. Em 2004, foram feitos 169 termos de averbação de área verde no Departamento Estadual de Proteção dos Recursos Naturais -quando os compromissos de preservação passam a constar da matrícula do imóvel. Em 2005, eles somaram 290.

De outro, a Polícia Ambiental flagra cada vez mais irregularidades na região. Foram 18 autuações em 2004 e 23 no ano passado.

Residenciais afirmam estar regularizados
Os empreendimentos residenciais no entorno da Cantareira rebatem as críticas ambientais sob a alegação de que atendem às exigências dos órgãos responsáveis. Dizem que estão regulares. Citada pela Secretaria do Verde e do Meio Ambiente e pela Subprefeitura do Jaçanã/Tremembé por manter irregularidades ambientais no Village Palmas, a cooperativa Bancoop afirma atender a todas as exigências do Depave (Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo).

Segundo a Bancoop, a área considerada como APP (Área de Preservação Permanente) está murada e averbada no Cartório de Registro de Imóveis, bem como a limpeza e manutenção desse espaço.

A Gafisa, responsável pelo The House, informou que "todas as intervenções realizadas na área do empreendimento foram devidamente aprovadas pelas autoridades competentes". Questionada sobre a multa por corte de árvores aplicada pela Polícia Ambiental, a assessoria de imprensa da empresa informou não ter localizado quem poderia explicar as razões nem se houve recursos ou cancelamento posterior da autuação.

Alan dos Santos, um dos empreendedores do condomínio Itatinga 1, explicou já ter resolvido as pendências com a Promotoria em relação à proximidade de um córrego das casas construídas. O acordo foi firmado há quatro anos.

Gilda Mendes, do loteamento Itaguaçu, diz ter autorização para desmatar a área desde 1983. "Hoje o empreendimento está mais verde do que a área original. E ainda por cima protegemos o terreno da favelização que tomou conta dos morros ao redor", diz Mendes. (AI e FS)

Brecha na legislação causa prejuízo à serra
Um dos maiores problemas na preservação da serra da Cantareira é a falta de uma regulamentação mais rígida que defina o que pode e o que não pode ser feito no entorno da área verde.

Em 2000, foi aprovada a lei do Snuc (Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza), que estabelece critérios para a criação, implantação e gestão dessas áreas a serem preservadas.

Mas a lei não alterou resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente) de 1990 que demarca zonas de proteção especiais no entorno das unidades de conservação num raio de 10 km.

Pense em uma linha imaginária de 10 km a partir da serra da Cantareira (que tem 95 km de perímetro) em direção à zona sul de São Paulo -chegaria até o centro da capital. Pela lei, é toda essa área que deve ser conservada.

Quem deveria regulamentar as atividades e usos nessas áreas são os planos de manejo. "E o plano para a Cantareira foi elaborado nos anos 70, quando não havia essa ocupação de hoje. Então, ele é muitas vezes omisso em situações como a desses condomínios", afirma Maria Cecília Wey de Brito, diretora do Instituto Florestal.

Fernando Délcio, administrador do Parque da Cantareira, diz que na área protegida não há invasões. "Mas uma onda de condomínios está chegando na beirada do parque e ocupando todos os espaços verdes", afirma Délcio.

Para o promotor de Justiça do Meio Ambiente, Geraldo Rangel, a regulamentação dessas zonas de amortecimento são essenciais na preservação dos entornos. Ele já instaurou inquérito civil para analisar essa omissão do Estado.

"A Cantareira é um oásis de biodiversidade e fonte essencial de água para o abastecimento da Grande São Paulo. Não é possível que grupos isolados se aproveitem de uma propriedade em detrimento da maioria", afirma.

Maria Cecília diz que o Instituto Florestal já está elaborando novos planos de manejo para as unidades de conservação do Estado, que terão instrumentos que permitirão o pagamento de compensações financeiras para quem explorar a área.

O ideal é que cada região seja regulamentada de acordo com suas potencialidades, diz Antônio Queiróz, da Coordenadoria de Licenciamento Ambiental e Proteção de Recursos Naturais. "Se a mata for original e abrigar espécies ameaçadas de extinção, o plano de manejo tem de ser mais restritivo", afirma.

Biodiversidade - A serra da Cantareira abrange quatro municípios -São Paulo, Guarulhos, Mairiporã e Franco da Rocha- numa área de 24 mil hectares. Abriga nascentes de rios e uma variedade imensa de espécies de flora e fauna, como suçuaranas, jaguatiricas e macacos, além de dezenas de aves. A área é tombada pelo patrimônio histórico e faz parte do cinturão verde da reserva da biosfera.
(Folha de S.Paulo, 02/04/06)

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