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2006-03-30
Recomendado como purificador das águas em estações de tratamento de esgotos e indicado também como adubo orgânico, forragem animal e matéria-prima da fabricação de papel (na China), o aguapé desidratado está se revelando um excelente absorvente de óleos derramados em acidentes ambientais. Feita no Rio Grande do Sul, a descoberta é tão importante que já pressupõe até a seleção de variedades de aguapés visando ao seu cultivo sistemático.

Como a maioria dos inventos e descobertas, o sorvente de aguapé nasceu por acaso no Laboratório de Tecnologia Mineral da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O pai da criança é o professor chileno Jorge Rubio, que leciona no Brasil há mais de 20 anos. Ele pesquisava o mecanismo pelo qual os aguapés retêm substâncias poluentes, inclusive metais pesados. Em pouco tempo dois dos seus alunos – Ivo André Homrich Schneider e Tânia Maria Hubert Ribeiro -- chegaram a uma fórmula de aguapé desidratado e moído que mostrou extraordinária capacidade de sorção de óleos e gorduras. Ele é pelo menos duas vezes mais eficiente do que o similar canadense, produzido a partir de turfa.

Apesar do seu enorme potencial como material limpante, o novo produto ficou esquecido por mais de dez anos, até que em 2000 o engenheiro mecânico Carlos Alberto Kallfelz, aluno de um curso de mestrado de Rubio, interessou-se em produzi-lo em escala comercial a partir da disponibilidade de aguapé em banhados, lagoas e canais de irrigação agrícola do litoral norte gaúcho. Como base operacional, no interior de Osório, ele passou a usar a Fazenda Ponderosa, de 100 hectares, pertencente à família do agrônomo José Antonio de Alencastro, 43 anos, que mora ali com a mulher Terezinha e os dois filhos, Pedro e João.

Durante cerca de quatro anos, a Alencastro Kallfelz & Cia limitou-se a preparar amostras experimentais do sorvente para demonstrações junto a consumidores potenciais. “Nosso objetivo era simplesmente testar as possibilidades mercadológicas do produto”, diz Kallfelz, que mora em Porto Alegre e vive da aposentadoria e de consultorias. Nesse período, concluiu-se que a variedade mais adequada para absorção de óleos industriais é a Salvinia herzogii , que prolifera intensamente em corpos de água no Sul, onde é considerada inimiga dos produtores de arroz. Ao mesmo tempo, desenvolveram-se os métodos de preparo do produto. Por fim, estabeleceu-se um contrato que garante à UFRGS um royalty de 5% sobre as vendas do sorvente, registrado com um nome comercial que não deixa dúvidas quanto às suas origens: Supersorb-BR. Só faltava a prova de fogo para testar a força do novo produto.

A rotina da Fazenda Ponderosa foi alterada drasticamente na manhã de 3 de setembro de 2004. Às oito horas daquela sexta-feira, véspera do feriadão da Independência, o engenheiro Alencastro foi avisado de um grave acidente em Veranópolis, no interior do Rio Grande do Sul: às vésperas da inauguração, a usina hidrelétrica local tivera um dos túneis inundado por um vazamento de óleo dos transmissores. Os responsáveis pela segurança ambiental usaram o estoque disponível do sorvente canadense Peat Sorb, mas viram que ele não servia porque afundava ao embeber-se de óleo. A solução era testar o produto nacional.

Antes mesmo de transportar o estoque da fazenda para a usina, a cerca de 200 quilômetros, um esforço emergencial de socorro recolheu todo o Supersorb-BR disponível em empresas próximas de Veranópolis, permitindo a continuidade dos trabalhos de limpeza, sem interrupção, dia e noite. Em seguida, despachou-se uma camioneta cheia do produto. Nos dias seguintes, mais dois caminhões seguiram para o local do acidente. Em consequência, não sobrou amostra do produto na fazenda. Números finais da batalha: foi necessário usar três toneladas do sorvente nativo para absorver os 15 mil litros de óleo derramado. “Em cinco dias o acidente foi zerado”, afirma Alencastro. A Construtora Camargo Correa, responsável pela obra, ficou duplamente satisfeita: além de limpar suas instalações, salvando uma turbina de US$ 1,5 milhão entre outros equipamentos, a empreiteira livrou-se de uma pesada multa ambiental pois resolveu o problema sem contaminar o rio das Antas, onde fica a usina.

A partir desse episódio, que representou a maior venda individual até agora do sorvente orgânico nacional, o novo produto começou a aparecer como alternativa concreta aos similares disponíveis no mercado brasileiro. Além de ser mais barato (R$ 14 por quilo contra R$ 23 do concorrente canadense), o sorvente de aguapé oferece uma vantagem operacional: ao permanecer na superfície após a absorção do óleo derramado, facilita o recolhimento e o descarte posterior do material poluente.

Com a credibilidade conquistada em Veranópolis, os produtores de Osório intensificaram o esforço de demonstração junto a consumidores potenciais que antes não lhes abriam as portas. Atualmente o produto está estocado em dezenas de empresas do Rio Grande do Sul, já que toda firma com ISO 14000 (certificado de excelência em gestão ambiental) é obrigada a manter um volume de sorvente para o atendimento de emergências. A administradora Concepa, por exemplo, mantém três postos de estocagem do Supersorb-BR ao longo dos 100 quilômetros da Free Way, como é chamado o trecho Osório-Porto Alegre da rodovia BR-290. Antes, a Concepa usava serragem como absorvente de óleos derramados em acidentes na estrada.

A longo prazo, o objetivo dos produtores do novo sorvente nacional é estabelecer contratos de fornecimento com grandes consumidores como redes de distribuição de combustíveis, empresas de navegação, administradores de rodovias e fabricantes de máquinas e motores. Há também perspectivas de uso em empresas de saneamento, administradoras de portos e indústrias de petróleo.

Apesar do grande potencial de consumo, o Supersorb-BR permanece ainda numa encruzilhada mercadológica – sem ter, por exemplo, um plano de produção e comercialização bem definido. Até agora, toda a receita obtida com as vendas foi aplicada no desenvolvimento do produto. Por enquanto nenhum dos sócios recebeu qualquer remuneração da empresa. Essa fase experimental parece próxima do fim.

A Alencastro Kallfelz & Cia cogita obter um financiamento junto ao BNDES para aquisição de um forno industrial avaliado em US$ 60 mil. Concretizado o projeto, o Supersorb-BR deixará de ser produzido em escala artesanal, tornando-se apto a competir em todo o território nacional com os similares importados, abrindo-se inclusive para atuar nos países do Mercosul. Na Argentina, por exemplo, há uma norma segundo a qual toda embarcação precisa ter absorvente de óleo a bordo.

“Um dos problemas é que esse mercado é bastante prostituído”, reconhece Alencastro. Ele tentou em vão quantificar o volume importado de sorventes industriais. Embora se saiba que a Petrobras mantém um contrato de longo prazo com uma empresa que utiliza o sorvente de turfa, não há um registro de importações no órgão competente.

Atualmente, o aguapé usado para produzir o Sorb-BR é colhido por um fornecedor avulso, que recebe R$ 1,20 por saco de 20 quilos. A massa vegetal chega à fazenda com umidade acima de 90%. Iniciada ao ar livre, a secagem é concluída em estufas agrícolas (de plástico). A última etapa antes da embalagem é a moagem. No verão, o ciclo completo de produção dura cerca de 30 dias; no inverno, pode ser um pouco mais longo, pois há mais umidade no ar e os dias são mais curtos.

Após chegar ao nível ideal de umidade (15%), o sorvente pode ser usado a granel ou sob duas formas: em almofadas ou barreiras tubulares (salsichas) de algodão, fabricadas por costureiras profissionais. Contendo um quilo de sorvente, cada almofada ou uma salsicha podem absorver oito litros de óleo.

No futuro, pretende-se que todas as etapas da produção sejam realizadas na Fazenda Ponderosa, situada entre os municípios de Osório e Tramandaí, numa região onde existem muitos banhados, lagoas e canais de irrigação.

Aprovado pela NASA
Consta nos meios acadêmicos que o uso dos aguapés (macrófitos aquáticos, no jargão botânico) como purificador de águas servidas em estações de tratamento de esgotos foi difundido inicialmente pela NASA, a agência de estudos espaciais dos Estados Unidos, que pesquisou essas plantas especialmente na Flórida, onde está sediada. Já nos anos 80 o agrônomo brasileiro José Lutzenberger recomendava o uso de aguapés na limpeza de ambientes contaminados por poluentes orgânicos e inorgânicos.

Um dos aguapés mais usados em estações de tratamento de efluentes é a Eichhornia crassipes , muito eficiente na retenção de matéria orgânica, sólidos suspensos e até metais pesados. Extremamente prolífico, esse aguapé de flores azuis pode produzir até 300 kg/ha/dia, transformando-se em “praga” só controlável mediante remoção mecânica.

Para a sorção de óleos e outros contaminantes orgânicos, recomenda-se especialmente a Salvinia herzogii , planta aquática que prolifera na superfície dos corpos d’água; perene, ela chega a produzir 123 kg/ha.dia.
(Globo Rural, edição de março)

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