Debates sobre benefícios para quem conserva ainda são difusos
2006-03-30
Os benefícios gerados para a sociedade pela natureza e seus ecossistemas, pela sua própria existência e pelos seus ciclos de funcionamento, vem sendo introduzidos no debate sobre formas de conservação como um elemento ainda frágil mas premente para os países megadiversos. Ou seja, mesmo que ainda bastante restrito aos meios acadêmicos, o conceito de serviços ambientais e pagamentos pela sua prestação está se colocando, cada vez mais, como um desafio aos governos e às
instâncias internacionais que definem as regras de compensação e incentivo à proteção da biodiversidade.
Do ponto de vista conceitual, define Gilberto Schittini, assessor do ministério do Meio Ambiente, como serviços ambientais pode-se considerar desde bens produzidos pela natureza como alimentos, combustíveis, água potável e medicamentos, passando por "serviços" como regulação de processos de clima, controle de doenças, regulação de inundações e provisão de bens não materiais (como benefícios culturais, estéticos e educacionais), até suporte para formação do solo, ciclo de nutrientes, produtividade primária etc.
Neste sentido, este tipo de serviço ambiental, por não se configurar em produto de mercado, não tem valoração econômica, explica Schittini. "Estes serviços são não-exclusivos, já que não se pode evitar que consumidores desfrutem do bem, como por exemplo a qualidade do ar; ou são não-competitivos: por exemplo, a beleza da paisagem pode ser apreciada por todos. E não há mercado para este tipo de serviços. A qualidade ambiental e os serviços ecossistêmicos são externalidades de mercado e bens públicos", exemplifica.
Por outro lado, a intervenção humana que possibilite e/ou melhore esta prestação de serviço da natureza, através principalmente de
seu manejo sustentável, pode sim ser compensada de alguma forma, não apenas para incentivar a preservação dos ecossistemas e suas funções como, principalmente, para recuperar o que ainda é recuperável.
Apesar de, na Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), este debate ainda estar em fase embrionária e poder ser aplicado tanto às questões referentes às Unidades de Conservação quanto à discussão sobre repartição de benefícios da utilização dos patrimônios naturais e conhecimentos das comunidades tradicionais, Schittini, um dos debatedores do seminário "Remuneração de serviços ambientais de comunidades locais", promovido nesta segunda (27) pelo Fórum Global da Sociedade civil no âmbito da 8a Conferência das Partes (COP-8) da CDB, acredita no desenvolvimento do tema, principalmente
a partir de experiências exitosas de países individuais.
O importante, frisa, é que se leve em consideração, neste debate, que o pagamento por serviços ambientais deve pressupor a ação de comunidades tradicionais ou outras formas de organização de pequenos produtores sobre os ecossistemas, e não apenas a sua preservação em Unidades de Conservação intocadas, como são muitas das imensas áreas verdes adquiridas por grandes grupos e ONGs preservacionistas.
Este aspecto, explica Schittini, é essencial se se considerar o pagamento por serviços ambientais um mecanismo para diminuir o ritmo de destruição
ambiental e promover a sua recuperação. E por que comunidades tradicionais?
"São os que residem nas áreas onde estão os grandes remanescentes florestais e de elevada biodiversidade, dependem diretamente dos recursos naturais e dos serviços ecossistêmicos para a subsistência e detém o conhecimento tradicional associado ao manejo sustentável dos ecossistemas", explica.
COMPENSAÇÕES
Em temos internacionais, existem algumas formas de benefícios por serviços ambientais, como pagamentos públicos da Comunidade Européia para proprietários privados pela manutenção ou aprimoramento de serviços ecossistêmicos, marcos regulatórios como os mecanismos de desenvolvimento limpo (MDL, onde o mais conhecido é o seqüestro de carbono para combate ao aquecimento global) ou as certificações, como as emitidas para produtos orgânicos ou para formas adequadas de manejo de florestas para retirada de madeira, por exemplo.
Segundo Schittini, estes pagamentos teriam como meta a melhoria da renda das comunidades, o estabelecimento de sistemas mais sustentáveis e de maior produtividade, o aporte de recursos para garantia da subsistência ou para reinvestimento, a restauração de
serviços ecossistêmicos locais e o fornecimento de treinamento, assistência técnica e acesso a informação, entre outros.
Um exemplo de mecanismo de pagamento por serviços ambientais no Brasil é a adoção pelo governo, desde 2003, de um trabalho desenvolvido por uma série de organizações sociais da Amazônia, o Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produção Familiar Rural (Proambiente), que havia sido criado em 2000 como resultado do Grito dos Excluídos da Amazônia daquele ano.
Considerando serviços ambientais intervenções como a redução de desmatamento, recuperação de áreas desmatadas,
conservação do solo, da água e da biodiversidade, a adoção progressiva da agroecologia (com redução gradativa do uso de agroquímicos), redução de queimadas e adoção de matrizes de energia renovável, o Proambiente tem, entre outros, fechado acordos com famílias de agricultores familiares de R$ 100 por mês para projetos que atendam estes requisitos.
"É requisito também que os agricultores respeitem a legislação ambiental brasileira, e como esta é muito rígida, a implantação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais no país é mais complicada. Na Costa Rica, por exemplo, projetos neste sentido são muito mais amplos por falta de legislação ambiental".
Segundo a presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), Maria de Aquino, a principal demanda das comunidades tradicionais em relação ao pagamento por serviços ambientais é a valorização de seu papel como agente de preservação da biodiversidade, ao mesmo tempo em que estes benefícios devem ajudar no fortalecimento das comunidades e na sua permanência nos locais de origem.
Como o tema é novo e ainda pouco desenvolvido pelos movimentos sociais, Maria reconhece que ainda não foi construído um consenso sobre o seu tratamento em fóruns internacionais como a CDB. Ao mesmo tempo, porém, levado como demanda ao Ministério do Meio Ambiente, estão
sendo seus representante, em especial a ministra Marina Silva, os principais porta-vozes das demandas sociais nos debates internacionais.
(Agência Carta Maior, 28/03/06)