Apesar dos fracassos, administrador de fundos do PNUD se mantém otimista - Entrevista Frank Pinto
2006-03-30
As medidas em favor do meio ambiente, aprovadas em convenções internacionais da ONU, obtiveram resultados importantes, como a redução nas emissões de CFC, gases prejudiciais à camada de ozônio da Terra. Mas, por terem sido analisadas de maneira isolada, acabaram resultando, em alguns casos, em retrocesso ambiental. A avaliação é do indiano descendente de portugueses Frank Pinto, responsável pela administração dos recursos do GEF (Fundo para o Meio Ambiente Mundial, na sigla em inglês) utilizados em projetos do PNUD em todo o mundo. O GEF é a maior fonte de financiamento global do meio ambiente: concedeu mais de US$ 20 bilhões desde 1991, incluindo projetos co-financiados com outros parceiros.
“O que se descobriu nos últimos anos foi que projetos que não levassem em conta as outras áreas acabariam talvez ajudando a reverter as mudanças climáticas, mas atrapalhando a proteção da biodiversidade. Isso gerou uma série de conseqüências negativas, que estão aparecendo agora”, afirmou ele em entrevista em Curitiba, durante a COP 8 (Oitava Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica). Um exemplo: para substituir os CFC, foram usados os HFCs, que não prejudicam a camada de ozônio, mas agrava o superaquecimento do planeta. “O que precisamos fazer agora? Estamos criando novos programas para eliminar os HFCs. A custos altos”, observou.
O lado positivo, destaca Frank Pinto, é que as ações desencontradas estão diminuindo. “Nos últimos anos, mas especialmente em 2005 e agora em 2006, cada secretariado de cada convenção está recebendo uma instrução de seus membros que diz: "por favor, prestem atenção nas sinergias entre cada convenção". Acredito que, conforme essas sinergias forem sendo melhor observadas, teremos uma chance muito maior de atingir nossas metas”.
Essas metas incluem tanto os rumos traçados na Convenção sobre Diversidade Biológica quanto os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. O GEF é o mecanismo que financia as ações da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Embora avalie ser “muito difícil” cumprir Objetivos do Milênio no prazo estabelecido (2015), ele não vê nisso um grave problema. “A força em torno da meta é muito mais importante que ela em si. E nisso, temos progresso”.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
A Convenção sobre Diversidade Biológica faz 14 anos em 2006. Mesmo com tanto tempo, ainda há assuntos em que nenhum tipo de consenso parece estar próximo. Há uma meta de reduzir a perda da diversidade biológica até 2010, por exemplo, e é difícil dizer que ela vá ser cumprida. O que é preciso fazer para acelerar as ações de proteção à natureza?
Frank Pinto — Acredito que parte do problema, até dois ou três anos atrás, era que cada área olhava apenas para si mesma. Então, a Convenção sobre Mudanças Climáticas olhava apenas para as mudanças climáticas. A Convenção sobre Diversidade Biológica apenas para a diversidade biológica. A sobre Degradação do Solo apenas para a degradação do solo. O que se descobriu nos últimos anos foi que projetos que não levassem em conta as outras áreas acabariam talvez ajudando a reverter as mudanças climáticas, mas atrapalhando a proteção da biodiversidade. Isso gerou uma série de conseqüências negativas, que estão aparecendo agora.
O sr. pode dar um exemplo?
Frank Pinto — Eu trabalhei no Protocolo de Montreal [que visa a diminuição da emissão de gases nocivos à camada de ozônio, como os CFCs] de 1991 a 2000. Nós não sabíamos, por exemplo, que algumas das alternativas aos CFCs tinham grande potencial de fortalecimento do aquecimento global. Mas eles eram a opção mais barata. O Comitê do Protocolo de Montreal, os doadores, nos disseram: usem a opção mais barata. Nós usamos. A opção mais barata eram os HFCs, os hidrofluorcarbonetos. O que precisamos fazer agora, no programa do GEF de Mudanças Climáticas? Estamos criando novos programas para eliminar os HFCs. A custos altos. E são os mesmos doadores que estão pagando por isso. Por isso, nos últimos anos, mas especialmente em 2005 e agora em 2006, cada secretariado de cada convenção está recebendo uma instrução de seus membros que dizia: “por favor, prestem atenção nas sinergias entre cada convenção”. Acredito que, conforme essas sinergias forem sendo melhor observadas, teremos uma chance muito maior de atingir nossas metas.
As decisões da Convenção sobre Diversidade Biológica são tomadas por consenso. Esse é o modo como a ONU faz as coisas. Há pessoas que criticam esse critério dizendo que ele atrasa a tomada de decisões. Durante a reunião do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, aqui em Curitiba na semana passada, por exemplo, a falta de um acordo com apenas um país, o México, quase colocou todo o Protocolo abaixo. Qual é a sua opinião sobre as decisões por consenso?
Frank Pinto — As decisões por consenso são importantes. Vamos imaginar que não há consenso e comece uma votação. Digamos que o placar é de 120 a favor e 45 contra. Se os 45 contra são todos os doadores, eles simplesmente não vão liberar o dinheiro. Você pode tomar quantas decisões quiser com votação e todas elas serão decisões oficiais, mas não vai haver dinheiro para pagar a sua implementação. Sem consenso, com tudo através de votação, se chegarmos a um ponto em que as coisas girem em torno de países desenvolvidos versus países em desenvolvimento, vamos matar a Convenção. O consenso é muito difícil, mas sem ele fica muito pior.
Um dos principais pontos em discussão aqui na COP 8 é a criação de um sistema internacional para regular o acesso a recursos naturais e a repartição de benefícios obtidos com esses recursos. Qual é a sua avaliação desse sistema?
Frank Pinto — Eu acho que é um processo bastante difícil, mas que está melhorando. Acredito que, finalmente, está crescendo a compreensão — não entre as multinacionais, mas entre os governos doadores — de que o direito a esses recursos genéticos é dos países em desenvolvimento. Não se pode apenas expropriá-los, roubá-los. Porque senão a coisa vai chegar a um ponto em que vão falar: “ok, você rouba meus recursos genéticos? Eu vou roubar todos os seus softwares e piratear todos os seus filmes. Tente me acusar na OMC [Organização Mundial do Comércio] e eu vou falar que você roubou minhas plantas, meu material genético.” Acredito que, em relação ao acesso e à repartição de benefícios, esta é a primeira reunião, das últimas três, em que a discussão está indo para um lado mais positivo. Acho que ambos os lados estão percebendo agora que é preciso “jogar bola”. Senão eles vão ficar um atacando ao outro e ninguém vai ganhar.
Há pouco, nós falávamos da meta da redução da perda da biodiversidade, em 2010. Outra meta importante é a dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, de 2015. Faltam menos de dez anos para essa data e até agora não há sinal de que a meta será cumprida. O mundo cumprir esse compromisso a tempo?
Frank Pinto — Vai ser muito difícil. A minha visão pessoal, não a do PNUD, é que será muito difícil cumprir essas metas. Uma das razões é que muitos países e muitas organizações não sabiam nem que essas metas existiam até pouco tempo atrás. Elas não estão embutidas na sociedade: foram criadas pela ONU, circularam nos níveis mais altos, mas demora anos para que elas cheguem até as pessoas. A meta de 2010 é muito difícil e muitos estudos nos mostram que também a meta de 2015, de reduzir a pobreza pela metade, dificilmente será cumprida. Isso é um grande problema? A maioria das pessoas diria que sim, incluindo as do PNUD. Eu digo que não. E não porque não quero que a meta seja alcançada, mas porque acredito que o conhecimento dessa meta e a força cinética em torno dela precisam ser construídos. Mesmo que essa força tenha sido fraca nos últimos anos, ela está aumentando. Se conseguirmos manter esse aumento, isso já é muito importante. Porque não podemos acabar em 2015. As coisas precisam continuar. Mesmo que consigamos reduzir a pobreza pela metade até 2015, ainda precisaremos lidar com a outra metade. E isso vai ser pelo menos tão difícil quanto. Eu acho que a força em torno da meta é muito mais importante que ela em si. E nisso, temos tido progresso. Provavelmente não vamos atingir a meta, mas a vontade de atingir precisa continuar forte.
Mas se nós chegarmos em 2015 sem cumprir a meta, essa força não se perde de qualquer maneira?
Frank Pinto — Não. Muitos países têm planos de cinco anos. Depois desses cinco anos, você pode não ter cumprido a meta, mas pelo menos andou um pouco. Sem esses planos, estaria bem pior. Como seres humanos, precisamos de metas. Cada um de nós. Podemos ter metas de sermos os melhores seres humanos possíveis. É claro que não seremos perfeitos, mas tentamos. A mesma coisa deve acontecer com países. E com a preservação da biodiversidade. Precisamos dessas metas. Mesmo que não as alcancemos.
Como fazer para reverter essa situação e ter progressos nas avaliações dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio nos próximos anos?
Frank Pinto — De nossa parte, estamos tentando. O GEF investiu US$ 2 bilhões na biodiversidade e obteve outros US$ 4 bilhões através de co-financiamento. Isso teria acontecido dez anos atrás, sem os Objetivos do Milênio? Acho que não. Desde 1992, quando tivemos a conferência no Rio, tivemos imensos progressos. Todos os projetos tiveram sucesso? Não. Mas aprendemos. Alguns pontos em que erramos serviram para nos ensinar um caminho melhor. Um exemplo? Entre 1995 e 2000, o pensamento geral era de que a melhor maneira de criar áreas protegidas era colocar uma cerca em volta e contratar guardas armados. Depois de cinco anos fazendo isso, todos percebemos que não estava dando certo. Não dava certo porque as comunidades locais odiavam os guardas, odiavam o projeto e tentavam retomar a área. Desde 2001, o GEF mudou completamente. Temos áreas protegidas, mas as comunidades fazem parte delas. Procuramos ajudar com ecoturismo, com atividades sustentáveis. Dessa maneira, a própria comunidade se sente participante do projeto e tem o maior interesses em ajudar a proteger a área.
O GEF financia as atividades da Convenção sobre Diversidade Biológica. E a Convenção possui diversos temas diferentes, defendidos por pessoas diferentes, que nem sempre entram em acordo. E todas essas pessoas querem mais financiamento para suas causas específicas. Como o GEF faz para selecionar quanto dinheiro vai para cada área?
Frank Pinto — É muito difícil. O secretariado da convenção e as conferências devem aconselhar o GEF a esse respeito. Em nenhum lugar está escrito que o GEF tem que financiar tudo, e o GEF não foi criado para financiar tudo, mas para suprir os gastos suplementares. Então, digamos que há um projeto que precisa de US$ 1 milhão. Se o GEF não existisse, o governo e outros conseguiriam reunir US$ 700 mil e faltam US$ 300 mil. É isso que o GEF deveria cobrir, o financiamento extra. Isso nem sempre é compreendido totalmente. O que freqüentemente os governos querem é um financiamento total de todas as atividades. Isso posto, acredito que existem outras fontes a serem procuradas.
Por exemplo?
Frank Pinto — Por exemplo, o setor privado. Em geral, as empresas querem ajudar governos nessa área. Elas querem ajudar as comunidades, porque elas já foram acusadas tantas vezes de explorar a terra e os recursos naturais. Como elas fazem? Elas dizem que vão ajudar com 75% do dinheiro, mas que querem colocar lá na área uma placa que diz “a área protegida da empresa x”. Eu digo, tudo bem. Deixe que o lugar se chame “a área protegida da empresa x”. É bom para a empresa, que faz propaganda, mas é bom para o país, que mostra que empresas e multinacionais estão fazendo a sua parte. Acredito que há muito espaço para novas formas de inovação nessa área.
Como o GEF estimula isso?
Frank Pinto — Com o PNUD, nós temos o mecanismo de co-financiamento, que traz muitos diferentes parceiros. Infelizmente, nessas COPs nós temos que lidar com delegações que muitas vezes ainda estão muito desconfortáveis a respeito da idéia de trabalhar com o setor privado. Precisamos trabalhar nisso. Boa parte do dinheiro está com o setor privado. Se não o trouxermos, não vai funcionar.
Então, o setor privado não pode ser dispensado?
Frank Pinto — Não, não pode. Nós precisamos do setor privado ou não vamos atingir meta nenhuma nunca. Sem o setor privado, muitos dos nossos esforços seriam desperdiçados. Se nós queremos proteger um pedaço de terra e uma empresa que explorar aquele pedaço de terra e pode pagar mais do que nós, não vai dar certo. Realmente precisamos trabalhar em conjunto.
O PNUD tem um programa com o GEF de financiamento voltado a pequenos projetos. Qual a importância desse trabalho?
Frank Pinto — O programa de pequenos financiamentos foi criado há pouco mais de dez anos. Naquela época, muitas pessoas, inclusive o então chefe do GEF, achavam que era um desperdício de dinheiro. Imaginava-se que tudo o que as comunidades sabiam fazer era destruir o meio ambiente. Hoje, o programa ocupa cerca de 5% do orçamento, mas é responsável por 90% da nossa visibilidade. E agora, os líderes adoram falar do programa de pequenos financiamentos. Por quê? Por que não ir para os grandes projetos? Porque com o programa de pequenos financiamentos, com US$ 25 mil, US$ 30 mil — o financiamento máximo é de US$ 50 mil — podemos mostrar que comunidades locais trabalhando à sua maneira ajudaram a proteger o meio ambiente. Descobrimos que é possível fazer isso em pequenas áreas de um país e daí reaplicar essas iniciativas em outras áreas do mesmo país, e ter um impacto positivo muito maior. As pessoas nas comunidades sabem da importância dos recursos naturais. Sabem que, se esses recursos forem degradados, são elas que irão sofrer. O que elas não sabem é como protegê-los. E é isso que o GEF faz.
Como o sr. avalia a participação brasileira na COP 8 e as políticas ambientais do Brasil?
Frank Pinto — Acredito que o Brasil está se movimentando, muito rapidamente, em direção a um desenvolvimento ambientalmente sustentável. O trabalho brasileiro para conter as mudanças climáticas tem caminhado muito bem. O trabalho de conservação da biodiversidade também. Ainda há problemas, como o desmatamento e a presença de empresas estrangeiras na floresta. Há preocupações com o desenvolvimento rodoviário, com estradas que vão em direção à Amazônia. Mas em geral, o Brasil tem sido bastante dinâmico. Uma coisa que me deixa muito feliz em relação à delegação brasileira e ao governo brasileiro é que eles determinam o que querem. E só então pedem ajuda às agências internacionais. Temos países que perguntam às agências: “o que vocês acham que o nosso país precisa?”. O Brasil não. O Brasil sabe o que quer.
(Jornal do Meio Ambiente, 28/03/06)
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=9693