Carlos Dayrell manifesta apoio à Via Campesina e relata sua experiência com monoculturas
2006-03-29
Sensibilizado com o problema, o engenheiro agrônomo, ambientalista e pesquisador do Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas Gerais (CAA NM), Carlos Dayrell, enviou na última segunda-feira (27/03) manifestação de apoio à Via Campesina. Em carta endereçada ao governador do Estado, Germano Rigoto, o engenheiro – que atualmente reside em Minas Gerais, mas que já morou na capital gaúcha – relata sua história e sua experiência com essas plantações de monoculturas. “Há 22 anos resido e trabalho no Norte de Minas Gerais, e tive a oportunidade de conhecer in loco os resultados da região ter sido selecionada para a expansão das monoculturas de eucalipto e pinus, o que aconteceu em duas oportunidades: no final dos anos 1970 até final dos anos 1980 e, a partir do ano 2000 até o presente”.
De acordo com ele, em menos de 15 anos um milhão de hectares de cerrado nativo foram rapidamente transformados em plantios monoculturais de eucalipto e pinus. “A dinâmica deste processo, nos primeiros anos, provocou euforia e trouxe esperanças a muitos. O que mais se apregoava naquele momento era a possibilidade da oferta de empregos; a dinamização da economia que iria beneficiar a todos. O que vimos, entretanto, foi muito diferente: assistimos um processo de devastação em grande escala contra a rica biodiversidade dos cerrados, contra a economia local que ficou totalmente destroçada e dependente de decisões que eram tomadas ao sabor dos interesses dos grandes conglomerados agroindustriais”, comenta.
Ele ressalta que a mecanização, resultante dos processos de inovação tecnológica, rapidamente tomou conta dos postos de trabalho. “Primeiro pela motos-serra que substitui cada uma o lugar de pelo menos dez trabalhadores machadeiros. Em seguida pelas máquinas que cortam, descascam, empilham e carregam os caminhões, cada uma delas substituindo o trabalho de 80 trabalhadores por turno”, explica, acrescentando que em poucos anos apenas uma das máquinas ocuparia o lugar de pelo menos 2.400 empregos diretos.
Dayrell vai além e cita outros problemas que afetam a vida do cidadão comum, e não apenas aqueles que vivem no entorno das áreas de expansão das monoculturas. Trata-se do problema relacionado com os recursos hídricos. “Em todas as pequenas bacias hidrográficas onde os plantios monoculturais foram implantados observou-se um processo crescente de alteração do balanço hidrológico dos recursos hídricos superficiais e dos lençóis subterrâneos. Estudos pouco divulgados de pesquisadores idôneos demonstraram o déficit ocasionado pelo decréscimo na recarga nas áreas de chapadas reflorestadas da ordem de 164 mm/ano a 230 mm/ano”. Este volume anual, sinaliza, significa duas vezes ao equivalente armazenado pela maior barragem da região, situada nas cidades de Janaúba e Porteirinha, – a Barragem do Bico da Pedra, que tem capacidade total de armazenamento de 750.000.000 de m³ de água.
Além disso, de acordo com o engenheiro florestal, anualmente toneladas do agrotóxicos são utilizados pelas empresas reflorestadoras para controlarem a disseminação de pragas e doenças. “Cupins, formigas, lagartas, doenças fúngicas, ervas consideradas invasoras são controladas com a aplicação de inseticidas, fungicidas, herbicidas, contaminando os solos, as águas, os trabalhadores e as populações humanas que vivem no seu entorno, além de provocarem sérios desequilíbrios nas cadeias ecológicas”, afirma.
Por fim, em seu relato ao governador do Estado, o ambientalista deixa claro que todos estes fatos não são do passado. “São atuais, que se repetem em todos os recantos do nosso país onde os maciços monoculturais avançam estimulados pela atual política florestal brasileira. Em Minas Gerais, milhares de hectares de terras públicas continuam nas mãos das empresas reflorestadoras, expropriando as populações nativas e degradando os recursos naturais. No Espírito Santo, comunidades de indígenas e de quilombolas sofrem com os mesmos impactos, assim como no sul da Bahia as populações locais e os remanescentes da Mata Atlântica”.
E faz um apelo: “Por tudo isso, precisamos procurar entender o ato das mulheres da Via Campesina quando elas são obrigadas a realizar gestos extremos a fim de chamar a atenção da sociedade para o drama que vivem há muito tempo. Sociedades nativas que tiveram seus direitos sociais, econômicos, culturais e ambientais negados e que encetam lutas de resistência pela visibilização no sentido de serem reconhecidas como cidadãos brasileiros e também de verem respeitado o direito ao desenvolvimento de suas sociedades”, finaliza Carlos Dayrell.
Por Tatiana Feldens