Via Campesina justifica ação na Aracruz como única saída para chamar atenção sobre “os prejuízos do deserto verde”
2006-03-29
Que o estrago provocado pela ocupação de duas mil mulheres da Via Campesina à Aracruz Celulose no último dia 8 de março foi grande, isso todo mundo sabe. A mídia nacional e internacional se encarregou de veicular imagens, reproduzir declarações e informar as cifras do prejuízo: mais de US$ 400 mil contabilizados apenas com a destruição do laboratório, segundo informações do gerente regional florestal, Renato Rostirolla. Os métodos usados no protesto podem ser questionáveis, mas segundo a Via, a única forma de tornar público o problema foi através desta ação.
“Participamos de ocupações de terras na Bahia, por exemplo. Tentamos dialogar com o governo, buscando o não financiamento público destas empresas, mas nada adiantou”, informa a assessoria de comunicação da Via Campesina. De acordo com a assessora que preferiu não se identificar, a escolha da Aracruz foi simbólica. “Poderia ser qualquer outra empresa multinacional instalada aqui. O que queríamos era chamar a atenção contra os prejuízos causados pelo deserto verde – essencialmente pela produção de eucalipto. Essas monoculturas, enquanto enchem o bolso desses empresários, provocam grande impacto social e ambiental para o país".
Na avaliação do movimento, a terra deve ser usada para Reforma Agrária e não para enriquecer pequenos grupos. “Não queremos uma terra de negócios e sim de geração de empregos. A Reforma Agrária deve ser um instrumento que proporcione uma relação sustentável entre os camponeses e o meio ambiente, não se limitando somente à conquista da terra”. Além disso, segundo o movimento, a terra é degradada rapidamente e em poucos anos será possível ver os reais efeitos deste descaso.
Pesquisador afirma que clima e solo da Metade Sul são impróprios para monoculturas
A Aracruz Celulose tem mais de 250 mil hectares plantados em terras próprias. No Rio Grande do Sul são 47.900 hectares de eucaliptos, além de 16.600 hectares de reservas nativas. Suas fábricas produzem 2,4 milhões de toneladas de celulose branqueada por ano. Geram, segundo a Via Campesina, “apenas um emprego a cada 185 hectares plantados no país. A agricultura camponesa, por outro lado, cria uma vaga a cada hectare”. “Não conseguimos entender como um governo que quer acabar com a fome patrocina o deserto verde ao invés de investir na Reforma Agrária e na Agricultura Camponesa”, analisam.
Soma-se a isso o constante desgaste ambiental e o alto consumo de água destas plantações. “Um pé de eucalipto chega a consumir 30 litros diariamente”, comenta a assessora da Via. O professor e pesquisador do Instituto de Biociências da UFRGS, Ludwig Buckup também manifesta preocupação. De acordo com ele, a Metade Sul do Estado – região escolhida pela Aracruz, Votorantim e Stora Enso para a plantação de monocultoras – não deveria abrigar essas plantações. “É um bioma de campo (Pampa), com solo, clima e vocação sócio-ambiental impróprios para florestamentos com espécies exóticas, como o eucalipto e o pinus”, disse em entrevista ao ClicRBS no último dia 19/03.
Buckup endossa sua intranqüilidade frente ao problema citando artigo publicado na revista Science, em dezembro de 2005. O texto se refere à atual situação dos pampas argentinos. As plantações de eucaliptos no país vizinho reduziram o fluxo de água dos rios em 52% e secaram 13% dos rios, córregos e arroios. No solo, pôde ser observado o aumento da salinidade, bem como a acidez da terra. “Tudo isso em apenas um ano de plantio”, observa, adiantando que “o mesmo pode acontecer no pampa sul-brasileiro”.
Solidariedade com os indígenas e “crime social”
As mulheres da Via Campesina não protestaram apenas contra as plantações de eucaliptos. O ato também teve como objetivo manifestar solidariedade aos povos indígenas que tiveram suas terras invadidas pela Aracruz no Estado do Espírito Santo no final do ano passado e início de 2006. De acordo com a assessoria do Movimento, a própria Funai provou que a terra pertencia às tribos. “A empresa foi violenta com a sociedade, não a Via Campesina”, classificam.
Hoje, a reivindicação da Via é contra a atitude policial. “Eles lidam o caso como se fosse um crime comum, mas trata-se de um crime social”. Como exemplo, citam os protestos realizados no início do ano em Viamão, cidade vizinha de Porto Alegre, onde os trabalhadores buscavam a isenção da taxa de pedágio. Esses manifestantes, acrescentam, também estavam lutando por um problema social e encontraram na ação a forma de diálogo com a sociedade e os governos.
A liberdade de expressão destas mulheres que organizaram e realizaram o ato também foi cerceada. Os advogados da Via aconselharam o grupo a não dar declarações. Como ainda não foram encontrados responsáveis diretos pelo ocorrido, todos aqueles que se manifestarem podem ser vistos potencialmente como culpados e, conseqüentemente, serem chamados a depor.
A assessoria informa ainda que inicialmente foi feita uma perseguição injustificável contra as lideranças do Movimento. “Eles procuravam uma figura masculina, que, segundo avaliação deles, seria o mentor do manifesto. Achavam que as mulheres não tinham capacidade para serem sujeitos da história. Que eram apenas massa de manobra de um líder individual”. Agora, acrescentam, buscam responsáveis entre as mais de duas mil representantes femininas que participaram do ato.
Por Tatiana Feldens