Florestas artificiais – Artigo
2006-03-29
João José Sady
A prioridade do uso de espécies nativas nas florestas plantadas tornou-se letra
morta na prática, na medida em que a minimização dos custos e a maximização dos
lucros induziu ao uso intensivo e massivo do eucalipto pelas grandes produtoras
de celulose. Aliás, o governo federal, ao invés de resistir e exigir a
prioridade fixada na lei, aderiu e é o dono de parte do negócio, eis que detém
12,5% (por meio do BNDES) da principal produtora (Aracruz).
A respeito de florestas silenciosas e homens desesperados.
Na Austrália, a devastação do meio ambiente está colocando o coala sob o risco
de extinção. Este animal alimenta-se das folhas de eucalipto, que são venenosas
para as demais espécies. Como as florestas de eucalipto são devastadas, os
coalas fogem para as cidades em busca de alimento, onde vêm a perecer trucidados
pelos automóveis ou devorados pelos cachorros.
O único animal na face da terra que se alimenta do eucalipto está desaparecendo
mas, enquanto isto, a árvore devastada pelos australianos vai fazendo enorme
sucesso em diversas partes do mundo. Em boa parte, por causa deste atributo
especial: o único predador que a incomoda ficou lá na sua terra natal e vai se
extinguindo pouco a pouco.
Outra peculiaridade desta árvore é o seu grande consumo de água, apresentando a
reputação de ser eficaz no ressecamento dos solos. Na Argélia, em vários países
da Europa e nos Estados Unidos, ela foi muito plantada para combater a malária,
uma vez que, sendo grande consumidora de água, ajuda a secar os brejos onde
vicejam os transmissores da moléstia. O caminho do sucesso, todavia, na maior
parte do mundo, vem se registrando no uso para a produção de celulose por causa
de seu ciclo rápido de crescimento e sua agressividade em direção à fauna e à
flora nativas aonde quer que seja implantada.
Por estas mesmas razões, num relatório do Pnud, vemos o seguinte comentário
sobre a planta: “Eucalyptus1 has remained a controversial tree and there has
been mounting criticism of its potentially harmful ecological (environmental),
economic and social costs”.
No Brasil, as florestas artificiais assim criadas produzem exportações de
bilhões de dólares, representando 30% da produção mundial de celulose. Somente
a principal empresa do setor abrange os estados do Espírito Santo, Bahia, Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, com aproximadamente 261 mil hectares de plantios. A
legislação florestal brasileira, contudo, não vê com simpatia a introdução de
espécies vindas de outras plagas (denominadas tecnicamente de exóticas).
Com efeito dispõe o artigo 19, parágrafo 3º do Código Florestal (Lei 4771/65,
com a redação dada pela Lei 11.284/06) que “no caso de reposição florestal,
deverão ser priorizados projetos que contemplem a utilização de espécies
nativas”.
A ordem jurídica faz restrição a este plantio que refoge ao uso de espécies
nativas porque2 “as denominadas plantas exóticas são aquelas não nativas, ou
seja, não possuem identidade com a floresta ou vegetação na qual são
introduzidas. Exatamente por isso, a probabilidade é que sejam de difícil
adaptação e de que causem alterações prejudiciais aos ecossistemas. Daí porque
o Código Florestal menciona a prioridade de utilização de plantas nativas quando
se tratar de reposição florestal”.
A prioridade do uso de espécies nativas nas florestas plantadas tornou-se letra
morta na prática, na medida em que a minimização dos custos e a maximização dos
lucros induziu ao uso intensivo e massivo do eucalipto pelas grandes produtoras
de celulose. Aliás, o governo federal, ao invés de resistir e exigir a
prioridade fixada na lei, aderiu e é o dono de parte do negócio, eis que detém
12,5% (por meio do BNDES) da principal produtora (Aracruz).
São imensas extensões de florestas de plantas exóticas que eliminam a
biodiversidade nativa porque competem pelos nutrientes, ressecam o solo pelo
seu intenso uso da água e afastam a vida selvagem. Florestas silenciosas pela
ausência de qualquer tipo de fauna que se dispersa em razão da venenosidade de
suas folhagens.
A implementação em escala global vem fazendo florescer estudos por toda parte,
com reflexões como aquelas registradas no seguinte trecho: 3“Os principais
impactos observados são: grande consumo de água, ocupação do espaço de espécies
nativas levando à perda de biodiversidade, transformação de ecossistemas abertos
em ecossistemas fechados, quando então as espécies nativas são expulsas do
meio natural por sombreamento. Sabe-se que Eucalyptus globulus causa efeitos
alelopáticos sobre plantas nativas, o que pode ocorrer também com outras
espécies. A matéria orgânica depositada pode ser extremamente inflamável, em
especial quando não ocorre formação de sub-bosque por espécies nativas,
aumentando o risco de incêndios.Impacto cênico sobre paisagens naturais, ao
longo de rodovias, bordadura de florestas nativas e campos naturais”.
A preocupação com os impactos desta inversão de prioridades provocou a
realização de audiência pública na Câmara dos Deputados, na qual representantes
do Ibama sustentaram a necessidade de um zoneamento ecológico-econômico para a
eucaliptocultura. No entanto, a febre pela mesma continua intensa e a busca da
produtividade sem atenção ao meio ambiente gerou, inclusive, diversos
experimentos de organismos geneticamente modificados. No Japão, o eucalipto
transgênico foi desenvolvido com a inclusão do gene da cenoura e, no Brasil, há
anos que vem sendo desenvolvida uma espécie que incorpora o gene da ervilha.
Incentivada por um modelo de terceirização que incorpora grandes massas de
empresários rurais, as florestas artificiais vem assumindo proporções
gigantescas e despertando o alarme entre os ambientalistas, gerando a criação
de uma rede de mais de cem entidades, associadas no combate deste mercado da
árvore, denominada Rede Alerta contra o Deserto Verde que denuncia
repetidamente6: “o desastre sócio-ambiental causado nos últimos 35 anos pela
monocultura de eucalipto e pinus, integrado aos complexos siderúrgico e de
celulose, atingindo diversos ecossistemas e populações de nosso território,
empobrecendo nossa diversidade biológica, social e cultural, causando
expropriação, desemprego, êxodo rural e fome”.
Numa outra ponta, surgem novas (e perversas) perspectivas para a árvore em solo
brasileiro em razão das novidades trazidas pelo chamado Protocolo de Kyoto, que
pretende incentivar a redução das emissões de dióxido de carbono na atmosfera.
A tratativa inclui a possibilidade de que os países mais industrializados
escapem de promover as reduções necessárias compensando sua poluição pelo
incremento de mecanismos de desenvolvimento limpo, ou seja, comprando créditos
de carbono. O eucalipto passa a jogar, também, importante papel no chamado
mercado de carbono, de sorte a incentivar ainda mais a geração de formidáveis
áreas de florestas silenciosas. A fotossíntese é transformada em mercadoria,
com resultados duvidosos.
As florestas do deserto verde constituem excelente e poderoso negócio tanto para
o investimento na produção de celulose como para a negociação no mercado de
carbono. O povo do campo, contudo, vai sendo cada vez mais constringido. O
artigo 186 da Constituição Federal estabelece que a propriedade rural cumpre
sua função quando, entre outros requisitos, atende à “preservação do meio
ambiente” e “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores”.
O bem-estar dos trabalhadores rurais está sendo atingido pela amplidão da
monocultura do eucalipto da mesma forma que o bem-estar dos coalas foi atingido
pela redução da presença desta árvore. Os ambientalistas defendem por aqui o
equilíbrio ecológico e, por lá, lutam contra a extinção daquele simpático
marsupial. Diferentemente dos marsupiais, contudo, o trabalhador rural escolhe
influir em seu próprio destino. Assim, cada vez mais, vamos ver o campo
transbordar em conflitos de barbárie, na medida em que a ordem jurídica não dá
resposta a este tipo de desafio.
As chamadas instituições democráticas vêm tolerando esta inversão da prioridade
fixada na lei, bem como tratando com indiferença a agressão ao meio ambiente e
a redução dos espaços possíveis para a reforma agrária. O Estado em que a
vontade da lei amolda-se à vontade do capital, sonegando ao cidadão as
prestações devidas em razão de seus direitos constitucionais, não pode ser
pensado como Estado de Direito.
A legalidade, por aqui, somente é convocada no momento em que as vítimas destes
mecanismos perversos assumem o controle de seu próprio destino. Aí então,
todas as instituições do andar de cima clamam pelo respeito à legalidade,
relembrando ao andar de baixo que a prioridade do sistema é a paz entre
dominantes e dominados, cabendo a estes últimos o papel de caminhar bovinamente
para o (supostamente) inevitável. Nestes tempos, contudo, a miséria não é mais
aquela que dizia “obrigado sinhô” e as reações contrárias vão transbordar cada
vez mais da caldeira de pressão repressiva em que vem sendo confinadas.
* João José Sady é advogado e doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP
(Consultor JUrídico, 27/03/06)
http://conjur.estadao.com.br/static/text/43043,1