COPTRIX: uma abordagem crítica da Convenção sobre Diversidade Biológica
2006-03-28
As siglas são esquisitas e de difícil compreensão para o público em geral. COP-8. CDB. Para traduzi-la, a imprensa tem apresentando a 8a Conferência das Partes (COP-8) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) como a mais importante conferência ambiental da Organização das Nações Unidas (ONU) que está sendo realizada no país desde a Rio-92.
A Conferência das Partes (COP), que acontece a cada dois anos em diferentes partes do planeta, é a instância decisória da CDB, convenção criada com o objetivo de garantir a conservação e uso sustentável da diversidade biológica do planeta e a repartição justa e equitativa dos beneficios gerados pelo acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados.
Eventos como esses envolvem realmente números grandiosos. Durante a COP-8, cerca de 5 mil pessoas circulam pelos corredores da Expotrade – um centro de convenções localizado em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba, e cercado por um posto de gasolina, um Carrefour e pouco verde.
Além das discussões oficiais, serão realizados até o fim da conferência mais de 150 eventos paralelos sobre temas e iniciativas ligadas à CDB e organizações internacionais e nacionais expõem diferentes materiais de divulgação e produtos em estandes montados em uma ampla área anexa as plenárias, assim como estão sendo promovidos por governos e sociedade civil dezenas de outros eventos socioculturais – o Fórum Global da Sociedade Civil, o Fórum Internacional Indígena para a Biodiversidade, a Taba Comunitária, a Feira de Produtos Sustentáveis, entre outros.
Outra cifra impressionante está relacionada ao custo da realização de um evento desse porte, estimado em milhões de dólares, à quantidade de lixo gerado, especialmente de papel, à quantidade de gases de efeito estufa emitidos, à elevada poluição visual etc...
O público é bem variado, ainda que muito do de sempre. De ministros de Estado, passando por representantes de diversos órgãos governamentais, do movimento socioambientalista, da imprensa, da academia, do setor privado e curiosos. Em menor escala e com participação limitada, como sempre, povos indígenas e comunidades locais. Gente de diversas partes do planeta. Gente que define e acompanha as decisões oficiais. Gente que tenta influenciar e alterar o rumo dos temas em discussão. Gente que veio para Curitiba com prioridades e agendas próprias. Gente que está fazendo “negócios”. Gente que posa para fotos e busca aspas na imprensa. Gente que produz eventos. Gente que está lançando estudos, relatórios, livros. Gente que está organizando coquetéis. Gente com vontade de apreender algo. Gente que está circulando pelo Expotrade sem saber exatamente o que isso tudo quer dizer.
Pois bem, parece que acontece muita coisa. Coisas importantes. Mas o que efetivamente foi colocado em prática pelos países signatários da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)?
Pouco. Muito pouco. Quase nada.
É justamente por isso que gente como a gente, que está fazendo um pouco do que foi colocado anteriormente, tenta também fazer alguma diferença, provocando, cutucando e balançando coreto, ou melhor, as estruturas do Expotrade com uma série de atividades intituladas “COPTRIX – Bem-Vindo ao Mundo Real”.
Na trilogia de filmes de ficção científica Matrix, a personagem Neo descobre que o mundo em que julga viver, na verdade, faz parte de uma realidade virtual mantida por robôs e computadores controlados por um cérebro de inteligência artificial – a Matrix. Depois de vencer uma grande guerra contra a humanidade e tomar o poder no planeta, as máquinas subsistem mantendo milhões de pessoas em hibernação permanente para retirar energia das reações bioquímicas de seus corpos. Alguns seres humanos resistem e, usando programas-piratas, como hackers, tentam acordar aqueles que estão sob o controle da Matrix.
Fazendo uma alusão a Matrix, essa iniciativa pretende, por meio de intervenções, debates e desse hotsite explicitar, analisar e refletir sobre o que vem ocorrendo no mundo real com a conservação e uso sustentável da biodiversidade e a repartição dos benefícios gerados pelo acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais.
Como parte dessa crítica, a [falta de] implementação da CDB será relacionada ao complexo cenário sociopolítico em que vivemos, onde as grandes corporações ditam as regras, a ciência está cada vez mais atrelada a interesses privados, pouco tem sido dito à sociedade sobre os verdadeiros interesses por trás das chamadas inovações tecnológicas e a capacidade de organismos da ONU para responder pela agenda de desenvolvimento e meio ambiente é colocada em xeque. Enquanto isso, esses e outros temas são dirigidos de forma perniciosa por outros organismos internacionais como a Organização Mundial do Comércio (OMC), ou em acordos regionais e bilaterais, e trilhões de dólares originados do uso da biodiversidade e da apropriação de conhecimentos tradicionais de populações indígenas e locais são movimentados por ano por empresas transnacionais farmacêuticas, cosméticas e de agricultura.
Como dito no fim do manifesto da COPTRIX, “nossa luta é pelo direito ao meio ambiente saudável, mas no mundo real estimula-se a contaminação. Nossa luta é pelo acesso livre às sementes convencionais, mas o mundo real privilegia a mercantilização da biodiversidade. Nossa luta é pelo respeito às populações tradicionais e suas culturas, mas o mundo real coopta e vende povos e saberes. Nossa luta é pela democracia de direitos e o mundo real estimula a democracia do consumo. Nossa luta é pelo direito de nos fazer escutar, mas o mundo real grita soberba e tapa seus ouvidos com credenciais e protocolos. Nossa luta é por ações concretas mas a COP recomenda, convida e estimula a decidir nas próximas COPs. Nossa luta é por uma CDB comprometida com seus objetivos, mas as delegações se perdem em colchetes e declarações mudas”.
(COPTRIX, 27/03/06)