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2006-03-27
Um possível corte de cerca de 50% nas verbas destinadas pelos Estados Unidos ao Fundo Mundial do Meio Ambiente (GEF, na sigla em inglês) está ameaçando a implementação das determinações da Convenção da Diversidade Biológica (CDB). Apesar de não ter ratificado a Convenção e não fazer parte dela, o governo estadunidense é o maior dos doadores do Fundo, sendo responsável por 22% de seus recursos. O GEF financia a CDB e outros tratados internacionais sobre meio ambiente da Organização das Nações Unidas (ONU), como a Convenção sobre Mudanças Climáticas, bancando centenas de programas e projetos ambientais em todo o mundo.

O projeto do orçamento federal enviado ao Congresso pelo presidente George W. Bush, em janeiro, prevê para o GEF apenas US$ 224 milhões para os próximos quatro anos, contra os US$ 428 milhões doados para o período entre 2002 e 2006. Mesmo que precise ser aprovada pelos congressistas, em Washington, a proposta complica as negociações sobre o orçamento do Fundo para o próximo quadriênio. Para se ter uma idéia, as conversas deveriam ter sido finalizadas no final do ano passado, mas, por falta de consenso entre os negociadores, estão paralisadas e não devem ser fechadas antes de junho. A demora já está atrasando o encaminhamento e a aprovação de alguns projetos. Os representantes dos 32 países que compõem o GEF reúnem-se, de quatro em quatro anos, para definir o valor dos recursos transferidos pelo grupo de nações doadoras.

A informação sobre a possível diminuição dos investimentos estadunidenses já era de conhecimento público, mas vem sendo divulgada apenas nos meios diplomáticos, entre especialistas e técnicos de instituições multilaterais. A notícia também já começou a causar apreensão e pessimismo entre os participantes da 8ª Conferência das Partes (COP 8) sobre a CDB, que vai até 31 de março, em Curitiba (PR). Ainda não se sabe ao certo quais iniciativas poderiam ser afetadas pelo corte, caso venha a ser confirmado, mas não há dúvida de que ele reduziria bastante a capacidade de implementação da CDB. Além disso, o clima pouco favorável a concessões criado por uma eventual queda nos aportes de recursos dos Estados Unidos também pode estimular outros países-doadores a diminuir sua oferta de verbas.

É consenso entre os países que fazem parte da Convenção a necessidade de aumentar os investimentos em meio ambiente para alcançar a meta fixada pela própria CDB de reduzir a taxa mundial de perda de biodiversidade até 2010. "Precisamos realizar um esforço sem precedentes conseguir alcançar a meta. Nossas três prioridades devem ser: implementar, implementar e implementar", afirmou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na abertura da COP 8.

Balde de água fria
A notícia de que o principal financiador do GEF pode reduzir pela metade os seus gastos cai, portanto, como um balde de água fria em quem ainda acredita ser possível alcançar os objetivos fixados para 2010. O Relatório de Avaliação Ecossistêmica do Milênio, divulgado pela ONU, no ano passado, revela que a perda da biodiversidade nos últimos 50 anos foi maior do que em qualquer outra época da história da humanidade. O estudo afirma que as projeções e cenários indicam a manutenção ou mesmo o aumento das taxas de degradação ambiental.

"Estamos preocupados. O impacto dessa informação é grande. Os Estados Unidos são o país mais rico do mundo", admite Bráulio Ferreira de Souza Dias, gerente de Conservação da Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Ele confirma que existe a possibilidade de alguns países-doadores resolverem não cobrir o rombo deixado pelos americanos ou até reduzirem sua oferta de recursos. Dias explica que, além da necessidade de alcançar a meta de 2010, a CDB está tentando reorientar várias de suas linhas de atuação. "Precisamos investir mais em uso sustentável e repartição de benefícios, em capacitação e transferência de tecnologias. Está na hora de conferir escala a uma série de projetos-piloto. Tudo isso exige mais dinheiro do que temos agora. A questão é: quem paga a conta?"

Desde sua criação, em 1991, o GEF já investiu US$ 5 bilhões nas convenções internacionais sobre meio ambiente e ajudou a disponibilizar, como co-financiador, outros US$ 16 bilhões. Só para a CDB, o órgão transferiu US$ 2 bilhões e alavancou outros U$ 4,4 bilhões. O Brasil já recebeu US$ 188,2 milhões do Fundo. Com este dinheiro, são financiados, por exemplo, o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), o Programa de Conservação e Utilização Sustentável da Diversidade Biológica Brasileira (Probio) e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio).

O chefe do setor de Biodiversidade do GEF, Gonzalo Castro, admite que há um clima de preocupação em meio as negociações sobre o orçamento do órgão, mas afirma, com um sorriso, que está “sempre otimista”. “Nossa esperança é de que o pedido do presidente Bush ao Congresso não represente a posição final dos Estados Unidos e de que eles mantenham, pelo menos, os mesmos valores disponibilizados em 2002”. Ele conta que a manutenção, para o período de 2006-2010, do mesmo orçamento estabelecido há quatro anos seria o “mínimo necessário” para a continuidade das iniciativas previstas pela CDB. Gonzalo considera que uma manifestação oficial da COP pedindo uma reposição da carteira do Fundo coerente com as metas da CDB seria importante para pressionar os países-doadores a chegar a um consenso.

"O cenário já era muito sombrio e acho que pode piorar", lamenta Nurit Bensusan, consultora e autora do livro Conservação da Biodiversidade em Áreas Protegidas, lançado durante a COP 8. Ela avalia que a redução de recursos do GEF também pode forçar uma “aproximação sem critérios” do órgão financeiro e da CDB ao setor privado, o que poderia aumentar a influência do poder econômico e da lógica do mercado sobre os programas ambientais. "Isso pode acentuar a tendência de privatização e de monetarização da biodiversidade". A consultora duvida que as metas para 2010 possam ser alcançadas.

Como aponta Nurit Bensusan, a atitude dos Estados Unidos pode trazer, no entanto, ao menos uma conseqüência positiva: uma maior independência do GEF em relação ao seu maior mantenedor. Muitas vezes, os representantes dos Estados Unidos jogam com o peso de sua contribuição para vetar propostas. Uma crise política no sistema de financiamento do Fundo pode forçar uma mudança na correlação de forças em seus processos internos de tomada de decisão. Já está sendo aventada a possibilidade, por exemplo, de se aprovar as deliberações no conselho do GEF por voto e não mais por consenso. Isso diminuiria o poder de veto de um único país.

O problema é que ainda não se sabe ao certo como reagiria a uma possível crise o grupo dos principais doadores formado pelos países desenvolvidos, como Japão, Alemanha, Reino Unido e França. "As decisões mais importantes da COP são as diretrizes para novos investimentos. Sem dinheiro, isso fica comprometido", alerta o secretário-executivo do Funbio, Pedro Leitão. Ele considera que a proposta do presidente Bush aponta para o descrédito da CDB. "Trata-se de uma mensagem geopolítica clara".
(Envolverde, 24/03/06)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=15372&edt=34

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