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2006-03-27
“Deserto Verde”! Nada tem provocado mais calafrios na indústria brasileira de celulose e papel do que a acusação da organização Via Campesina de que o setor tem transformado glebas e glebas no Brasil em terras inférteis e secas. Foi o que justificou a marcha de 2 mil mulheres ligadas à Via Campesina sobre uma área da Aracruz, em Barra do Ribeiro, município distante 56 quilômetros de Porto Alegre, no dia 8 de março.

Não foi o dano material o problema principal, mas sim a publicidade que a ação provocou exatamente no momento em que o setor prepara uma expansão sem precedentes. A indústria somará aos 1,6 milhão de hectares de eucalipto mais 1 milhão de hectares até 2012. O motivo de tal avanço está numa descoberta, numa invenção brasileira. Assim como fez com a soja, a ciência brasileira conseguiu dar competitividade à produção de fibra curta de celulose a partir do eucalipto. As exportações já chegam a US$ 3,5 bilhões.

“O Brasil inventou a produção competitiva de fibra curta de celulose. Foi um mérito do Brasil, criado pela ciência brasileira”, diz Walter de Paula Lima, pesquisador do Laboratório de Ciências Florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (LCF/Esalq).

O Brasil verá nos próximos anos um crescimento sem precedentes das florestas plantadas de eucalipto. A passos largos, o País pode se converter em poucos anos de 7º em 1º produtor mundial de celulose. Para isso, o plano decenal do setor prevê aportes de US$ 14,4 bilhões – dinheiro injetado em fábricas e em novas florestas que, sozinhas, terão uma fatia de US$ 1,9 bilhão do investimento total. Mas a expansão das áreas de eucalipto no Sul da Bahia, Norte do Espírito Santo, no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso do Sul é uma ameaça ambiental?

Para o pesquisador da Esalq é, mas não pelas razões que justificaram a ação da Via Campesina. “Qualquer monocultura plantada em extensas áreas traz problemas. Mas a acusação de que onde há eucalipto não há vida, há apenas um deserto verde, é um grande absurdo”, diz. Especialista em eucalipto e em hidrologia, Lima afirma que estudos criteriosos mostram que a necessidade de água do eucalipto chega até a ser ligeiramente menor que a de outras espécies.

Segundo ele, o consumo de água num dia quente de verão é de 5 litros por metro quadrado por árvore, 6 vezes menos que o anunciado pela Via Campesina, 30 litros por árvore. No inverno, a demanda pode cair a 1,2 litro. A ciência brasileira também conseguiu ganhos ainda mais expressivos. O eucalipto plantado no País tem produtividade até quatro vezes superior à obtida há 40 anos. É menos recurso natural utilizado. Segundo Luiz Estraviz Rodriguez, pesquisador do LCF/Esalq, a produção passou de 15 m³ por hectare/ano para 60 m³/ha/ano. A melhora provocou a revolução no setor e tornou o País uma opção mundial para a produção de celulose.

Para os pesquisadores, a contribuição da Via Campesina não está na invasão de área ou destruição de laboratórios de pesquisa, mas na vigilância em relação ao avanço da cultura. “A acusação de que o eucalipto consome mais água é mito. Mas é óbvio que se for plantado em regiões de pouca oferta hídrica pode trazer problema”, diz Lima.

MUDANÇA
É isso que aos poucos muda a estratégia da indústria de celulose. Segundo Boris Tabacof, presidente do Conselho da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a indústria tem deixado de concentrar o plantio em poucas áreas. Além disso, adota modelos de manejo florestal capazes de criar corredores ecológicos, para o trânsito de animais.

O modelo de manejo florestal, que no Brasil é quase todo certificado, tem dado resultado. Numa das áreas da Klabin, uma das maiores fabricantes de embalagens, pesquisa mostrou que ocorre na área uma espécie de felino, o Puma concolor. A população é de 100 animais no mosaico de floresta plantada e nativa no Paraná. A descoberta não deixa de ser um trunfo. O animal está no topo da cadeia alimentar, o que significa que existe certo equilíbrio de fauna em áreas de eucaliptos.
(O Estado de S. Paulo, 26/03/06)

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