Piada antiga sobre o vento volta a fazer sucesso em Osório
2006-03-27
Dita como queixa e ouvida como piada, a frase com que os habitantes da cidade justificavam o histórico marasmo municipal — “Osório só irá pra frente no dia em que engarrafar vento para vender” — começa a ganhar um novo sentido diante dos primeiros resultados do trabalho dos empresários alemães e espanhóis que constroem nos campos vizinhos a primeira grande usina eólica brasileira, com 75 cata-ventos e potência de 150 MW.
Às vésperas de completar 150 anos, o município sofre uma reviravolta. Pela primeira vez o vento vai fazer girar mais rápido a economia do município, que vive tradicionalmente de três atividades de ciclos longos: o cultivo de arroz, a criação de gado e o plantio de eucalipto.
Mesmo sabendo que não vai haver redução na conta da luz, a maioria dos 36 mil habitantes está animada por saber que a prefeitura vai dobrar seu orçamento graças aos impostos incidentes sobre a produção de energia elétrica. A cidade já recebeu novas placas de sinalização de trânsito, está com asfalto novo nas ruas e ganhou dez veículos de serviços.
Na realidade, a obra do século no litoral norte do Rio Grande do Sul beneficia um círculo restrito de pessoas. Quando os 700 trabalhadores forem dispensados, na virada do ano, restarão 90 felizardos na operação da usina e apenas 15 fazendeiros passarão a receber royalties pela geração da nova modalidade de energia em suas terras. “Cada torre vai render apenas 800 reais por mês”, minimiza Marcos Bolzan, um dos beneficiários da novidade. Essa é, de fato, a estimativa mínima; o valor pode ser duas a três vezes maior.
Além disso, acredita-se que o parque eólico vai gerar um bom movimento turístico, fundado no interesse em conhecer detalhes da nova tecnologia, incipiente no Brasil. Além de turistas, esperam-se excursões estudantis. Em conseqüência, deverão ganhar alentos certos serviços, como o transporte, a hotelaria e a gastronomia, gerando empregos e um ar de nostalgia.
De certa forma, a cidade poderá reviver a época em que era ponto de pouso dos viajantes da capital para Torres e vice-versa. Eles saíam cedo de barco do cais de Porto Alegre, embarcavam num trenzinho em Palmares do Sul (no extremo norte da Lagoa dos Patos) e chegavam ao entardecer a Osório, com a maria-fumaça soltando carvão incandescente sobre os trilhos que cortavam a cidade.
Os passageiros pernoitavam nos hotéis, pensões e pousadas do centro de Osório. Na manhã seguinte tomavam os barcos que seguiam por lagoas, canais e rios para diversos destinos no litoral norte, com destaque para Tramandaí, Capão da Canoa e Torres, ponto final da viagem. Essa rotina só se alterava quando o vento nordeste soprava muito forte, prejudicando a navegação rumo ao interior.
Ainda que o movimento de passageiros fosse mais intenso no verão, esse sistema intermodal de transporte combinando ferrovia e hidrovia funcionava o ano inteiro, pois sempre havia cargas – pinga, açúcar, rapadura, farinha de mandioca, banana e outros produtos da terra.
Inaugurado em 1922, o negócio parou de funcionar em 1960. O máximo que a ferrovia transportou foram 18 mil toneladas de cargas em 1942 e 38 mil passageiros em 1947.
Desde que o rodoviarismo forçou a aposentadoria dos trens e barcos em trajetos curtos, Osório explora a vocação para o abastecimento de viajantes que trafegam pelas rodovias BR-101, BR-290, RS-030 e Estrada do Mar. Não por acaso um dos principais negócios do município é o comércio de combustível em 15 postos de serviços. Outro, o abastecimento alimentar, terá um reforço patrocinado pelos empresários do vento.
No mirante que será construído no alto do Morro da Borússia (a 360 metros de altitude) para favorecer a contemplação do parque eólico de Osório e das belezas naturais da região, haverá um restaurante-lanchonete com pratos temáticos como o pastel de vento. Dispensada a licitação porque os recursos foram doados pela construtora da usina, dá-se como certo que o local será explorado por um primo do prefeito Romildo Bolzan Junior com experiência na gestão de uma das pizzarias da cidade.
Por Geraldo Hasse, de Osório, para O Diário dos Ventos, série exclusiva do Ambiente Já e Jornal Já – www.jornalja.com.br.