Projetos de hidrelétricas no Rio Madeira afetam ambiente e desalojam comunidades
2006-03-27
Contestados por ambientalistas e acadêmicos e aguardando complementação por parte dos empreendedores, a pedido do Ibama, desde o início deste mês, os projetos das usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio – ambas projetadas para localização no Rio Madeira, no Estado de Rondônia – deverão afetar pesca, praias, áreas de garimpo e sítios arqueológicos históricos e pré-históricos, bem como sítios paleontológicos. Isto sem falar no desalojamento de milhares de pessoas e desvios de estradas que provocarão. As informações constam nos Estudos Prévio de Viabilidade de ambos os empreendimentos, disponibilizados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Os projetos são uma parceria das empresas Furnas Centrais Elétricas S.A. e Norberto Odebrecht S.A., as quais iniciaram os primeiros estudos de viabilidade em agosto de 2004 (para Jirau) e em abril de 2005 (para Santo Antônio).
O Ibama concluiu, no início deste ano, o parecer técnico de análise dos EIAs, e inclusive enviou técnicos, no final de janeiro último, para conferir os dados dos Estudos de Impacto Ambiental com a realidade local. Para o instituto, são necessárias informações adicionais sobre os meios físico, biótico e socioeconômico.
Conforme o relatório de viabilidade disponibilizado em fevereiro pela Aneel, a usina de Jirau ficará localizada a 1.197 quilômetros da foz do Rio Madeira – o que significa a 130 quilômetros de Porto Velho – e a de Santo Antônio, a 1.082 quilômetros da foz do mesmo rio – a apenas seis quilômetros da capital de Rondônia. O reservatório de Jirau terá 936 quilômetros de perímetro e 50 anos de vida útil, com 258 quilômetros quadrados de área alagada. Santo Antônio terá um reservatório com mais de cem anos de vida útil, perímetro de 1.071 quilômetros e 271,3 quilômetros quadrados.
A expectativa de vida útil dos reservatórios é um dos itens questionados pelo Ibama, que está preocupado com a necessidade de dragagens nas áreas e considera ainda a eficiência de retenção de materiais transportados por arrasto das águas. Os técnicos do Ibama também solicitaram a apresentação dos gráficos dos estudos das águas paradas em uma escala maior e mais nítida que a já apresentada.
A usina de Jirau atingirá 953 pessoas, distribuídas por 171 famílias urbanas e 101 rurais. A de Santo Antônio, 2.046 pessoas, sendo 106 famílias urbanas e 455 localizadas em áreas rurais. Em ambos os casos deverá haver desvios de estradas e pontes. Para a usina de Jirau, estão previstos 45 quilômetros de estradas e 500 metros de pontes realocados; para a de Santo Antônio, 10 quilômetros de estradas e 20 metros de pontes.
Os empreendedores alegam que o ganho energético será ímpar, pois Jirau produzirá 3,3 mil megawatts, e Santo Antônio, 3,15 mil megawatts – juntas, cerca de metade da energia gerada por Itaipu. O Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) dos projetos argumenta que a região terá um ganho energético, possibilitando reduzir a participação do uso de óleo diesel como combustível.
O levantamento do RIMA informa que, em Santo Antônio, 39% das casas são atendidas pela concessionária de energia elétrica, percentual um pouco maior em Jirau (54%). Contudo, a linha de transmissão de energia terá 1,5 mil quilômetros de extensão, indo de Porto Velho até Cuiabá, passando por 45 municípios. Críticos das obras apontam que tamanha extensão dará margem à abertura de caminhos ilegais para a exploração de madeira e garimpo, sendo beneficiados mais Estados de outras regiões do que Rondônia. Para Cláudio Sales, diretor da Câmara de Investidores da Energia Elétrica, o governo está superestimando a necessidade de energia, depois do trauma do apagão, em 2001. Ele acredita que megaprojetos como Jirau e Santo Antônio são um erro e “não são indispensáveis” e que uma opção energética seria a construção de pequenas centrais hidrelétricas.
São estimados de 13 mil a 20 mil empregos (no pico de construção) em cada obra, mais 50 mil indiretos. Outra vantagem assinalada por Furnas e Odebrecht é a possibilidade de iniciar-se a navegação de grandes embarcações nas áreas de represas, algo que atualmente não é possível. Isto poderia impulsionar a economia local, através da otimização do transporte, afirmam.
Conforme o documento disponibilizado pela Aneel, Jirau terá impacto sobre áreas de preservação do rio Madeira e do baixo curso de afluentes no leito do mesmo rio. Já Santo Antônio impactará diretamente os municípios de Teotônio, Amazonas, Morrinhos e Jaci-Pará, além da própria cidade de Santo Antônio. Serão afetados sítios arqueológicos (históricos e pré-históricos) e paleontológicos, além de reserva garimpeira no Rio Madeira e parte da praça da estrada de ferro Madeira-Mamoré, patrimônio histórico.
A atividade de pesca e o lazer – praias – estão na lista das maiores preocupações quando se trata de avaliar os impactos ambientais, uma vez que boa parte da população local vive da pesca. Técnicos do Ibama que cuidam do licenciamento das usinas requereram que as espécies existentes sejam melhor classificadas, principalmente as do fundo do rio, para que se possa fazer uma avaliação mais precisa sobre os impactos que serão causados e para que sejam apresentadas medidas mitigadoras.
As áreas de lazer e turismo também deverão merecer inclusões na complementação dos EIAs, de modo que os empreendedores apresentem um programa específico com ações mitigadoras e/ou compensatórias correspondentes. Nos estudos de viabilidade, são citadas especialmente as áreas de pesca na Cachoeira do Teotônio e as praias de Jaci-Paraná e Santo Antônio. Também foi solicitada a qualificação do impacto das obras na área tombada da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, de acordo com as diretrizes do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Para o professor da Universidade Federal de Rondônia, Artur Moret, doutor em planejamento energético pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o EIA-RIMA apresentado ao Ibama por Furnas Centrais Elétricas está incompleto. "Não está sendo considerada uma visão de bacia hidrográfica mais abrangente, que deveria pegar todo o estado de Rondônia e uma parte do Amazonas, além de outros países que também têm interferências no Rio Madeira", afirmou.
No último dia 15/03, Dia Mundial de Ação Contra as Represas e pelos Rios, a Água e a Vida, houve um protesto contra os empreendimentos, promovido por ONGs ambientalistas, cujos integrantes deslocaram-se em barcos pelo Rio Madeira, portando faixas. Na ocasião, o bispo de Porto Velho, Dom Moacir Grechi, realizou celebração religiosa para marcar a data. O religioso afirmou que não é contrário ao progresso: “Pelo contrário, eu gostaria de ver todo rondonense com condições de vida digna. Mas eu sou obrigado a tomar posição quando o progresso é duvidoso, quando a gente leva em conta todas as outras hidrelétricas do Brasil. Pelas informações que nós temos, muita coisa do ponto de vista social e ambiental deixa a desejar", disse.
Por Cláudia Viegas