Alterações inconstitucionais no Plano Diretor de Florianópolis beneficiam donos de índices de potencial construtivo
2006-03-27
As alterações inconstitucionais no Plano Diretor de Florianópolis, que foram embutidas em projeto que pretendia somente alterar o zoneamento do bairro Córrego Grande e resultaram na Lei Complementar n° 215/2006, terão grande repercussão no mercado imobiliário da Capital. Haverá privilégio a quem detém índice de potencial construtivo à venda e o custo dos imóveis deverá sofrer elevação de 15% a 30%, segundo estudos realizados por entidades da construção civil. Da forma como a mudança foi inserida no projeto referente ao bairro Córrego Grande, não foi respeitada a exigência constitucional de que a alteração no Plano Diretor fosse debatida com a comunidade e com os órgãos da administração pública responsáveis pela questão urbanística, como a Fundação Municipal do Meio Ambiente (Floram), Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis (Ipuf) e outros.
As mudanças no Plano Diretor foram apresentadas sob a forma de uma emenda às vésperas da votação do projeto de lei sobre o Córrego Grande. Em tese, seu objetivo era limitar a construção de imóveis para preservar o meio ambiente. Mas na prática as alterações inverteram a finalidade do chamado "índice de potencial construtivo", ou "transferência do direito de construir", já previsto no Plano Diretor. Este índice foi criado como um direito adicional de construção, além do limite em cada região previsto no Plano Diretor, concedido ao empreendedor que fizer melhorias em ruas, equipamentos urbanos e urbanísticos ou investir na conservação do patrimônio histórico, artístico e natural. Não sendo utilizado, é um título que possui registro imobiliário e pode ser comercializado para outro portador, que poderá usar este direito de construção em outra obra.
Partindo de um exemplo hipotético, numa região onde anteriormente o limite de construção era de 10 pavimentos, segundo ilustra o Promotor de Justiça Alexandre Herculano Abreu, agora o limite passa a ser de dois andares, mas o empreendedor poderá construir outros oito pavimentos, alcançando os mesmos 10 permitidos antes pelo Plano Diretor, desde que utilize índice de potencial construtivo para isso. A diferença é fundamental: ser portador do título deixou de ser um adicional na obra e passou a se constituir num pré-requisito para que ela tenha a mesma dimensão que era permitida anteriormente.
"Não se aumentou em nada a preservação ambiental e não houve nenhum benefício à comunidade. Como estes títulos são caros, isso elitiza o perfil do construtor de imóveis em Florianópolis e aumenta os custos do mercado. E de mero adicional o índice foi substancialmente valorizado, tornando-se imprescindível para edificar além do limite previsto no Plano Diretor, desde que seja comprado a peso de ouro por quem não é portador", observa o Promotor de Justiça, que ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra os artigos da Lei Complementar nº 215/2006 que alteram o índice de potencial construtivo.
Além de não respeitarem o necessário debate, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) aponta na Adin que as alterações relativas ao índice também ferem outros três princípios das Constituições Federal e do Estado: da impessoalidade e da moralidade, pois a legislação aprovada não atende ao interesse público e beneficia apenas detentores de índices de potencial construtivo, em desfavor dos que não o possuem e dificultando a compra de um imóvel para a maioria da população, e o princípio da finalidade, pois desvirtua o objetivo do índice de potencial construtivo.
(MPSC, 24/03/06)