Sem variável socioambiental, empresas não são rentáveis
2006-03-24
A Companhia Vale do Rio Doce, maior empresa de mineração das Américas, integra um restrito grupo de indústrias escolhidas pelo governo federal para fazer uma espécie de “ponte” entre as decisões e medidas concretas propostas pela Convenção da Diversidade Biológica (CDB) para a preservação da vida no globo.
Por conta dessa tarefa, em junho passado a Vale e a companhia brasileira Natura, da área de cosméticos, foram convidadas pelo Secretariado da Convenção da Diversidade Biológica a participar de um esforço para melhorar o diálogo entre ambientalistas e setor produtivo.
Há mais de 10 anos na mineradora, o seu diretor de Gestão Ambiental, Maurício Reis, um dos mais tradicionais participantes do debate sobre capital privado e meio ambiente, garante que respeitar questões socioambientais é decisivo para a competitividade dos negócios em qualquer lugar do planeta. Criada em 1942, a Vale hoje é global – mantém escritórios no Rio de Janeiro, Nova Iorque, Tóquio, Xangai e Suíça.
Navegando em um mar repleto de empresas que apenas alardeiam investimentos em responsabilidade social e ambiental, a Vale se propõe a reduzir os impactos de seus empreendimentos e melhorar a imagem junto a clientes, fornecedores, consumidores e ambientalistas. E, talvez por isso, Reis ostenta um crachá com “tarja verde”, que o credencia como parte da delegação oficial brasileira, Reis condenou a destruição de experimentos transgênicos pela Via Campesina no Rio Grande do Sul e afirma que a sociedade brasileira precisa decidir que tipo de geração de energia o País precisa.
A Vale realmente atuará como ajuda para a CDB?
Maurício Reis - A Vale foi escolhida, com a anuência do governo brasileiro e por ser uma empresa global, para atuar na “operacionalização” da convenção.
Então o que a Vale fará junto ao setor privado?
MR - Primeiro propagar. Veja a nossa revista Biodiversidade, que já virou best-seller. Integramos o Conselho Nacional Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, que congrega as maiores empresas brasileiras. Há todo um instrumental para informar o que é a convenção e seus princípios. Mas é preciso também difundir as técnicas necessárias para a implantação da qualidade ambiental, e fazemos isto entre prestadores de serviço e fornecedores.
Qual a importância da participação das empresas nesta convenção?
MR - Qualquer que seja a decisão da convenção, uma “coletividade global”, ela depende do setor empresarial. Sem o setor empresarial engajado, dificilmente seria implantado o Protocolo de Quioto sobre Mudanças Climáticas ou a Convenção da Biodiversidade. Empresas globais como a Vale têm uma postura uniforme em qualquer lugar que estejam, com elevado padrão de operação. Não é porque um país não tem uma legislação tão rigorosa como a brasileira que iremos atuar em um patamar inferior. Isto faz com que empresas globais sejam aliadas privilegiadas das Nações Unidas na efetivação de convenções internacionais.
Isso já acontece na prática?
MR - Isto já vem acontecendo com o Protocolo de Quioto. Sou dirigente de uma organização internacional de comércio de carbono para viabilizar esta transição, do que prevê o protocolo para o mundo empresarial. O mesmo acontece com a Convenção da Biodiversidade. O entendimento entre empresas e a ONU para a implantação das convenções é fundamental.
O que a Vale considera fundamental para a discussão sobre biodiversidade?
MR - O conhecimento científico como a base para nortear as decisões de investimentos no que tange ao meio ambiente. A empresa tem se notabilizado em vários fóruns desta natureza por ter inserido a “variável ambiental” na sua
estratégia de negócios, com grande conhecimento científico e técnico.
Esta interlocução está em bom nível ou precisa avançar?
MR - Esta interlocução ocorre em vários níveis. No nível formal, como no ambiente da conferência, e no nível operacional, que é a implementação dos princípios da CDB. As empresas tendem a ser muito pragmáticas: temos tomadas de decisão de investimentos em função de resultados econômicos. Quando sentamos na mesma mesa com a Convenção, discutimos princípios, que possam levar ao melhor desenvolvimento de projetos. A interlocução numa convenção deste porte ocorre numa velocidade diversa daquela da tomada de decisão do setor empresarial, já que há muitos interesses, como os interesses geopolíticos das nações. No setor empresarial, na implementação, as coisas têm fluido bem, pois, como empresa global, não precisamos necessariamente ficar esperando a conclusão de um determinado acordo entre governos do mundo inteiro para adotar certos princípios.
No início do ano, a Vale se reuniu com outras grandes empresas do País para debater as críticas que têm recebido de ambientalistas. O que foi concluído?
MR - Na verdade, não debatemos as críticas que recebemos, mas as agressões de alguns setores e reafirmamos a necessidade de mobilização. Movimentos políticos que a sociedade realiza de pressionar os políticos e empresas por valores que considera como justos são legítimos, agora, quando se envolve a comunidade indígena para querer retirar um dirigente de um órgão governamental, invade-se e interrompe-se uma ferrovia que presta serviço público por mais de dez dias, isso é um crime. Os índios xikrin invadiram Carajás e, antes de qualquer negociação, exigiram uma indenização milionária. O que se fez na Aracruz, no Rio Grande do Sul, não se pode fazer, é um crime. Há um fronteira entre a crítica construtiva, que devemos estar sempre prontos e abertos a receber, e a falsa acusação que temos de refutar. Para isto está aí a lei.
As empresas se sentem representadas aqui na 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica? Qual o papel das ONGs?
MR - As ONGs têm um papel fundamental na discussão. Existem ONGs das mais sérias, com foco muito específico neste campo, com conhecimento enorme e com contingente enorme de membros. Da mesma forma as empresas também têm seus contingentes enormes de conhecimento e associados, que são seus acionistas espalhados pelo mundo. Vejo uma participação muito ativa por parte das empresas, embora bastante diferente da atuação das ONGs, mais com uma interlocução junto aos governos onde elas estão sediadas, que são quem as representa junto à convenção.
Como se pode conciliar os interesses de milhares de acionistas da Vale, por exemplo, com a preservação da biodiversidade? São interesses antagônicos?
MR - Muito pelo contrário. O interesse maior do acionista é lucro. Como uma empresa pode ser rentável e continuar a ser rentável se não incluir a variável ambiental em seu negócio? Empresa de qualquer setor não tem condição alguma, em qualquer país do mundo, de continuar a ser rentável se as variáveis ambiental e social não forem incluídas. A Vale do Rio Doce é uma mineradora por definição, além de ter outros negócios, na área de logística e indústria. Como abrir uma mina numa região Amazônia, como fizemos em Carajás, com extremo cuidado ambiental? Encerrada a exploração, vai acabar a usina, vai acabar o minério. Deixa-se o buraco lá? Não, vai ter que reintroduzir a biodiversidade, a empresa tem que melhorar a tecnologia de inserção da sua atividade no ecossistema. Isso não é conflitante, absolutamente, com o interesse do acionista. É condição indispensável à competitividade da empresa.
Isto reduz o risco de prejuízos à imagem pública da empresa?
MR - Você tem que fazer a coisa certa desde o início, para não ter risco de imagem. Se não se conhece adequadamente a “realidade ecossistêmica”, a probabilidade de se investir errado e ter custos é muito maior. É preciso ter em mente que é sempre mais barato fazer a coisa certa desde o início do que consertar depois. Poluição é sempre um defeito do processo produtivo: está se perdendo matéria e energia.
Como mitigar os danos à biodiversidade frente a grandes projetos que acabam tendo impacto ambiental? Quais são as fórmulas?
MR - É impossível não ter o impacto. As fórmulas não são mágicas. A formula é ciência, é conhecimento. A fórmula implica um investimento imenso de recursos sobre os ecossistemas das áreas em que se opera. Só na área de reprodução de espécies, a Vale tem o maior banco genético do Brasil, com o domínio do conhecimento da reprodução de quase mil espécies. Não é só a questão de mitigar, mas de fazer uma intervenção de forma controlada, para impactar o
mínimo e gastar menos.
Mas isto não é uma realidade comum de outras empresas no Brasil.
MR - A Vale faz estes investimentos não porque seja uma empresa rica e poderosa. Mas porque quem não estiver fazendo isto na dimensão competitiva de sua realidade econômica vai ficar fora do mercado. Indo ao mercado, você compraria um produto sabidamente sem qualidade ambiental? Mais dia menos dia, este produto será rejeitado. Não é uma questão de benemerência, é uma estratégia de negócio.
Como vê o deslocamento de plantas produtivas de países desenvolvidos para países em desenvolvimento? Isso está fomentado também pelo enorme crescimento de economias como a da China.
MR - Existem 6,5 bilhões de pessoas no mundo. Algumas têm padrões de consumo e qualidade de vida bem superiores aos outros. Nós queremos ficar por cima ou por baixo? Todos têm direito ao meio ambiente equilibrado, à qualidade de vida. O nível de consumo que o mundo consiga suportar é o que o se estuda nestes eventos patrocinados pela ONU. É o que se busca saber, independentemente das mudanças geográficas circunstanciais que possa ocorrer em mercados que ora acontece. Quando se fala de biodiversidade, mudanças no clima, estamos falando de movimentos que vão muito além da temporalidade da vida humana e são questões muito mais delicadas. Temos dificuldade em saber como a sociedade futura será. Estamos praticando um nível de consumo que o planeta não tem capacidade de suportar. Tomemos a atuação da Vale. Não há muita diferença entre as legislações ambientais européia e brasileira. Em alguns casos, a nossa é muito mais repressiva. Não estamos, sob a ótica de um licenciamento ambiental, fragilizados quando um investimento internacional vem para o Brasil. Acabamos de realizar os estudos ambientais para uma nova siderúrgica da Vale e da Thiessen no Rio de Janeiro, e a Thiessen estava licenciando um alto forno na Alemanha. As exigências tanto na Alemanha como no Brasil era praticamente as mesmas, na tecnologia, nos órgãos ambientais e da sociedade.
Mas os EUA, país que mais consome recursos naturais no mundo, recusa-se a assinar acordos como o de Quioto. Isso não prejudica quem no fim gostaria de agir de forma mais correta do ponto de vista ambiental?
MR - Não podemos colocar isso no mesmo cenário. Pelo protocolo de Quioto, as nações estabeleceram mecanismos para pôr em prática a Convenção sobre Mudanças Climáticas. O governo americano, por razões inerentes a eles, decidiu não celebrar o Protocolo de Quioto, no que tange a implantação dos mecanismos, e implantaram outros. As metas de Quioto são implantadas no âmbito da ONU, mas se os EUA se consideram acima, vai ter que se defrontar. Se os EUA não seguiram Quioto, não significa que o resto do mundo não deverá fazê-lo. Europa está trabalhando com metas superiores a Quioto. A idéia de que o mundo não vai se mover porque um dos principais atores decidiu não assinar não procede.
Que avanços a Vale espera na área energética brasileira em 2006? Como está o andamento da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, por exemplo?
MR - Ao setor elétrico o governo vem dando um tratamento todo especial. Não é razoável pretender um ou outro empreendimento no setor elétrico. Isto é uma matéria extremamente complexa. A sociedade está tentando discutir isso melhor. O Brasil é um país que tem um notável diferencial no mercado mundial por causa da matriz energética limpa, oriunda das hidrelétricas. Se a sociedade brasileira considerar que hidrelétrica não é bom, vai ter de dizer o que é bom: nuclear, termoelétrica ou o quê? Biodiesel atende a um pedacinho disto, no que tange a substituição de combustível fóssil. Mas para a geração de energia elétrica na quantidade que o indispensável desenvolvimento brasileiro demanda,
tem que sair de algum lugar. A matriz energética brasileira pela via limpa é uma vantagem competitiva que o Brasil tem. Claro que a implantação das hidrelétricas requer todo cuidado. Acho que a sociedade vai ter que discutir mais isto.
Por Aldem Bourscheit, Assessoria de Imprensa COP8/MOP3