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2006-03-24
A afirmação de que o acesso à água é um direito humano ficou fora da declaração ministerial do IV Fórum Mundial da Água, que terminou na quarta-feira (22/03) no México, data em que se comemora o Dia Internacional da Água. Embora todos os delegados dissessem concordar com este postulado, alguns argumentaram que não era factível incluí-lo no texto final, pois poderia gerar problemas jurídicos nacionais e internacionais. Esta atitude foi criticada por ativistas que encontraram na negativa uma “indicação clara” de que as companhias multinacionais e os países ricos não querem ceder um ápice em seu desejo de “mercantilizar” os recursos hídricos.

A “água é uma garantia de vida” para todas as pessoas foi a fórmula encontrada pelos delegados governamentais presentes ao IV Fórum para reconhecer o status de direito humano ao acesso a um recurso ao qual 1,1 bilhão de pessoas no mundo não têm acesso. Os delegados dos 148 países presentes aceitaram assinar a declaração (sem efeitos obrigatórios), na qual também prometem trabalhar para que a água potável e o saneamento cheguem a todos, depois de negociarem a inclusão de um documento anexo, no qual alguns expressaram outras posições. Nesse apêndice, Cuba, Bolívia e Venezuela expressaram pontos de vista semelhantes aos apresentados por ativistas. “O acesso à água em qualidade, quantidade e igualdade constitui um direito humano fundamental”, diz o documento.

Esses países, que têm governos de esquerda ou progressista, também assinalaram uma “profunda preocupação” sobre os possíveis “impactos negativos que qualquer instrumento internacional como os tratados de livre comércio e investimentos podem ter sobre os recursos hídricos”. Também a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) declarou nesta quarta-feira no México que o acesso à água é “um direito fundamental dos seres humanos”. O diretor-geral da Unesco, Koichiro Matsuura, disse que ao aderirem a diferentes convênios da Organização das Nações Unidas, os países-membros têm “a obrigação moral” de ver a água como um direito humano.

Segundo ativistas que se reuniram na capital mexicana no alternativo Fórum Internacional em Defesa da Água, a discordância presente no IV Fórum demonstrou que aos seus organizadores só interessa fazer da água um negócio. “Não esperávamos algo diferente ou melhor, sabíamos que seria assim”, disse à IPS Claudia Campero, porta-voz da não-governamental Coalizão das Organizações Mexicanas pelo Direito à Água, responsável por coordenar os atos e as reuniões paralelas ao IV Fórum. A reunião no México foi convocada pelo Conselho Mundial da Água, entidade não-governamental criada em 1996 e integrada por cerca de 300 membros de grupos acadêmicos, empresariais, agências financeiras multilaterais e de desenvolvimento, especialistas da ONU e autoridades locais.

O Conselho foi criado, entre outros, por empresários de multinacionais que manejam a água em vários países, como a francesa Suez. Essa origem irrita os ativistas que vêem representados nos fóruns mundiais da água apenas os interesses das multinacionais e dos países industriais. Segundo a Declaração Conjunta dos Movimentos em Defesa da Água, emitida pelo fórum alternativo e subscrita por cerca de 300 ongs de 40 países, “a água em todas suas formas é um bem comum e o acesso a ela é um direito humano fundamental e inalienável. A água não é mercadoria. Por isso rejeitamos todas as formas de privatização, inclusive a associação pública-privada que mostrou seu total fracasso em todo o planeta”, diz o texto.

O secretário de Meio Ambiente da Argentina, Atílio Armando Sabino, considerou que a exclusão explícita do acesso à água como direito humano na declaração ministerial não ofuscou o consenso obtido pelos governos. Indicar que a água é uma “garantia de vida para todos os habitantes do mundo” demonstra que existe em todos os governos uma preocupação sincera pelo assunto, afirmou. Era “algo difícil” expressar o direito à água na declaração ministerial porque poderia comprometer muitos países a modificarem suas legislações nacionais e os organismos internacionais a formular novas ferramentas jurídicas, explicou o ministro, apesar de estes encontros não emitirem declarações obrigatórias.

Segundo o documento, a água e os serviços de saneamento devem ser considerados prioritários nos processo de desenvolvimento e é necessário impulsionar e dar prosseguimento à meta de reduzir a quantidade de pessoas que não dispões deles. A comunidade internacional está comprometida a reduzir pela metade o número de pessoas sem água potável segura até 2015, como parte dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio adotados pelos países da ONU em 2000. Para Eugênio Barrios, um dos porta-vozes da organização conservacionista WWF, o encontro do México foi decepcionante.

“Esperávamos avanços e que a declaração ministerial fosse muito mais contundente e propusesse medidas práticas a favor da água, mas isso não ocorreu, e lamentamos”, disse Barrios à IPS. O WWF participou dentro do Fórum com várias conferências e reuniões com delegados. A opção de privatizar os serviços hídricos, que segundo vários ativistas é o objetivo final do Fórum, não esteve no centro dos debates, e foram promovidas posições sobre o recurso como um bem público, disse Barrios. Por sua vez, David Boys, porta-voz da federação sindical Internacional de Serviços Públicos, com sede na França, concordou com essa opinião. “Aqui, até o Banco Mundial reconheceu que as privatizações da água fracassaram, o que foi uma novidade diante dos fóruns anteriores”, disse à IPS.

Mas a declaração ministerial foi “muito fraca”, disse Boys. Sua organização quer que o Fórum não volte a convocar ministros, pois o encontro não é realizado pela ONU nem por governos. ‘As Nações Unidas é que deveriam fazer os encontros sobre a água, não um organismo privado”, afirmou o delegado da Internacional de Serviços Públicos, à qual estão filiados cerca de 600 sindicatos estatais de 140 países. O IV Fórum contou com mais de 13 mil delegados de empresas privadas, governos, agências da ONU e alguns ativistas, que pagaram a cota de inscrição que variou de US$ 240 a US$ 600.

Embora não se trate de uma reunião intergovernamental, é considerada o principal âmbito de debate mundial sobre os recursos hídricos. O próximo encontro acontecerá em Istambul em 2009. A conclusão do IV Fórum coincidiu com o Dia Internacional da Água. Em um comunicado divulgado em Nova York, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, declarou que, apesar de sua importância, a água continua sendo desperdiçada e degradada em todo o mundo. Também recordou que cerca de seis mil pessoas, a maioria crianças, morrem diariamente vítimas de enfermidades relacionadas com a água.
(Envolverde/ 23/03/06)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=15254&edt=34

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