Capitalismo no coração da floresta
2006-03-23
Siderúrgicas e Companhia Vale do Rio Doce encontraram um bom negócio nas carências da reforma agrária. Resolveram misturar programa social com capitalismo legítimo. Mais de mil famílias assentadas no Pará terão apoio técnico e financeiro para plantar alimentos e florestas voltadas para a geração de renda. Em troca, os agricultores destinarão parte do assentamento para a produção de carvão vegetal - matéria-prima em escassez nos arredores de Carajás.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) indica para as empresas as áreas mais devastadas como prioritárias para o empreendimento. O Incra selecionou para a Vale 32 assentamentos, com cerca de 50 hectares cada. A Companhia Siderúrgica do Pará (Cosipar) já tem um projeto-piloto do negócio social, onde agricultores plantam árvores frutíferas, nativas e floresta industrial. O plano da siderúrgica é formar parceria com cerca de 100 famílias em 5 mil hectares.
- Todas as siderúrgicas da região estão buscando alternativas. Fica muito caro comprar terras para plantar eucalipto porque 80% da área tem de ser reserva ambiental - resume o supervisor de silvicultura da Cosipar, Moisés de Sousa.
Segundo ele, o governo tem fiscalizado com mais rigor a atividade das carvoarias, o que tem impossibilitado a depredação de mata nativa. Para o Incra, o desmatamento da Floresta Amazônica chegou ao limite.
- A parceria resulta da necessidade de produzir matéria-prima porque as reservas estão esgotadas; não têm mais nem mata nativa para se usar - analisa a superintendente do Incra no Sul e Sudeste do Pará, Bernadete ten Caten. Para ela, as siderúrgicas de Pará e Maranhão têm potencial para participar do programa.
O projeto da Vale sai do papel em setembro, como antecipa o diretor de Meio Ambiente da mineradora, Maurício Reis.
- A escolha do que será plantado dependerá da aptidão do solo. O que dizemos aos agricultores é que se eles quiserem participar terão de fazer recuperação ambiental e se comprometer com a plantação de eucalipto. É um negócio - diz.
A Vale entra no negócio com assistência técnica, apoio para financiamento e antecipação da receita com a venda de eucaliptos e outras árvores para fins energéticos. Para cada hectare de eucalipto, as famílias receberão 20% do salário mínimo.
O modelo madeireiro do Incra foi elaborado em parceria com organizações não governamentais e abrange sugestões do Movimento dos Sem Terra.
- O Incra não vai abrir mão do reflorestamento e das culturas para geração de renda. A Vale evoluiu muito ao longo das negociações - revela Bernadete, contando que enfrentou resistência das empresas no começo das conversas. - Elas só queriam plantar eucalipto.
(Jornal do Brasil, 22/03/06)