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2006-03-23
O governo brasileiro quer aproveitar o vasto potencial dos rios Madeira e Xingu em projetos hidrelétricos destinados a evitar a repetição da crise energética de 2001, mas, com isso, ameaça um formidável acervo de animais e plantas na região de maior biodiversidade do mundo, segundo ambientalistas.

O projeto vai contra os conselhos da Comissão Mundial de Barragens (CMB), órgão independente de especialistas, para os quais essas obras deveriam ser evitadas em áreas ricas em espécies, como a Amazônia, onde vivem 30% dos animais e plantas da Terra. "As bacias do Amazonas, do Congo, do Nilo, do Paraná e do Yangtze são as mais ricas em espécies, sendo que a Amazônia aparece bem à frente", disseram os especialistas da CMB em um relatório.

O governo brasileiro, em parceria com a iniciativa privada, pretende investir US$ 9 bilhões para construir duas barragens no Madeira para gerar 6.400 megawatts. O projeto, em Rondônia, inundará 550 quilômetros quadrados de florestas.

A Rede Internacional dos Rios diz que as represas ameaçam a sobrevivência de várias espécies de peixes que nadam cerca de 4.500 quilômetros contra a correnteza para procriar no Alto Madeira. A área a ser inundada abriga 33 espécies ameaçadas de mamíferos, inclusive onças-pintadas, tamanduás, tatus e lontras, além de várias espécies de aves.

O caso ilustra o dilema de muitos países em desenvolvimento, frequentemente ricos em biodiversidade, mas incapazes de garantir o sustento das populações pobres, para as quais as preocupações ambientais parecem um luxo inacessível.

Em 2001, quando a energia hidrelétrica atendia a 95% da demanda nacional, uma seca deixou o Brasil às escuras e sem crescimento. Os ambientalistas dizem que agora o governo superestima a futura demanda por energia, e mesmo líderes do setor energético questionam o plano do rio Madeira e um outro, no Xingu, da usina de Belo Monte.

"É necessário? Não", diz Cláudio Sales, diretor da Câmara de Investidores da Energia Elétrica. "Esses megaprojetos não são indispensáveis, embora o governo esteja tentando apresentá-los como tal. É um grande erro." Sales considera que a demanda poderia ser facilmente suprida pela construção de pequenas hidrelétricas, que já têm autorização ambiental e poderiam gerar energia mais barata aos consumidores.

O enorme Complexo Hidrelétrico de Belo Monte (PA), com capacidade de 11 mil megawatts, deve inundar parte da bacia do Xingu e custar quase US$ 7 bilhões. O projeto foi proposto há alguns anos e arquivado, devido à reação negativa sobre os custos ambientais e financeiros. O governo tenta aprovar uma nova versão para 2007. Embora a barragem de Belo Monte seja considerada eficiente em termos de energia por dólar investido e área inundada, o volume do Xingu diminui drasticamente entre junho e agosto, o que reduziria muito a sua capacidade.

"A conclusão óbvia é que estão sendo planejadas outras represas rio acima, e o setor energético não nega isso, para que grandes volumes de água possam ser armazenados para girar as turbinas de Belo Monte na estação de seca", diz Glenn Switkes, especialista em América do Sul da Rede Internacional de Rios.

Há planos para construir um enorme reservatório no município de Altamira, quatro anos depois da conclusão de Belo Monte. Isso inundaria outros 2.355 quilômetros de floresta densa, boa parte em áreas indígenas.

O especialista em energia Allen Poole, alertando para outro problema: para reduzir os custos das linhas de transmissão, o projeto prevê que elas passem sobre áreas ambientalmente delicadas, o que pode ter um impacto tão negativo quanto a represa em si. Os projetos do Madeira e de Belo Monte exigem enormes investimentos para as linhas de transmissão, que levam a eletricidade aos consumidores e muitas vezes abrem caminho para atividades ilegais de garimpo e extração de madeira.

Há ainda o custo. A história brasileira guarda exemplos de políticos que usam enormes obras públicas para desviar verbas. "Este não seria o primeiro exemplo de excesso de confiança do governo em obras públicas grandiosas", diz Sales, citando a Transamazônica e a usina de Balbina como exemplos da combinação de "megalomania irresponsável e desrespeito aos cofres públicos".

A Transamazônica consumiu US$ 12 bilhões, mas os carros e caminhões só conseguem trafegar em 150 dos seus 5.000 quilômetros. Balbina inundou 2.360 quilômetros quadrados de Floresta Amazônica e só gera um megawatt para cada 9,4 quilômetros destruídos.
(Reuters, 23/03/06)

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